23 Novembro 2019
"A história mostra que o patriarcado foi a marca registrada destas religiões desde o começo", escreve Mikael Corre, jornalista, em artigo publicado por La Croix International, 20-11-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A ideia de que as mulheres desempenhavam um papel maior nas religiões politeístas com deusas em seus panteões, também defendida por movimentos feministas atuais, é conhecida desde o século XIX. Mas não necessariamente é verdadeira.
Isso é o que o clero exclusivamente masculino nas origens de todas as religiões monoteístas – o islamismo, o cristianismo, o judaísmo e o zoroastrismo – dá a entender.
A convicção no zoroastrismo, religião nascida no primeiro milênio antes de Cristo, no Irã antigo e dedicado ao deus Aúra-Masda, diz que o sacerdócio é hereditário, reservado para os filhos dos sacerdotes ou seus descendentes homens.
É verdade que hoje temos rabinas, pastoras, muftisas, imãs mulheres e mesmo mobedisas, isto é, membras do clero zoroastriano.
Mas estas diferentes religiões geralmente impediam as mulheres de conduzir os rituais, orientar os fiéis e comentar os textos. Às vezes, proibiam-nas de até mesmo rezar com os homens.
Talvez foi pela imposição de um deus singular, frequentemente descrito em termos masculinos, que o zoroastrismo, o judaísmo, o cristianismo e, então, o islamismo começaram a excluí-las. O patriarcado seria, portanto, uma marca registrada do monoteísmo, o que foi verdade desde o começo.
Esta hipótese, de que Deus só pode ser masculino, é estreita. Ela é conhecida desde o século XIX e também defendida por correntes feministas atuais, em geral norte-americanas (incluindo o “Goddess Movement”, literalmente: o “Movimento da Deusa”).
Essa hipótese é parcialmente falsa, pelo menos se reservarmos um tempo para olhar seriamente a história do hinduísmo ou do budismo, que não são monoteístas e, no entanto, não são poupadas pela lógica patriarcal.,
“Por exemplo, parece que o Buda não quis que as mulheres pudessem ser integradas na sanga, a comunidade dos monges”, observa Hervé Clerc, autor de um importante ensaio dedicado à “doutrina do despertar” que é o budismo.
“O Buda nunca falou sobre esse assunto. Mas a presença da mulher na sanga é por vezes considerada uma mudança de direção”, uma ruptura com a doutrina original, segundo ele.
E quanto às antigas seitas egípcias, gregas ou romanas? Poder-se-ia imaginar que elas desempenhavam um papel mais importante nas religiões politeístas, cujos panteões contavam com deusas.
“Ainda é a mesma noção pré-concebida de que as religiões politeístas são progressistas, acolhedoras. Entretanto, na antiguidade existe uma clara separação entre os homens e as mulheres. Não misturados na vida diária, também não se misturavam na vida religiosa”, explica o historiador e arqueólogo Pierre-Louis Gatier.
Um panteão misto não necessariamente implicaria, portanto, em uma mistura sacerdotal maior.
As “adoradoras divinas” egípcias, esposas de deuses como Tebas e Amon, nunca assumiam funções importantes. E as sacerdotisas gregas desfrutavam do prestígio e da riqueza que elas jamais teriam alcançado de outra forma.
“Mesmo assim, é uma grata surpresa ver as mulheres aparecendo em cargos tão importantes em sociedades tão patriarcais”, destaca a historiadora Vinciabne Pirenne-Delforge, professora da cadeira de “religião, história e sociedade no mundo grego antigo” do Collége de France, em Paris.
“Não tenho uma interpretação simples para lhe dar. Mas é como se estas comunidades humanas não pudessem conceber que o serviço dos deuses estaria reservado aos homens”.
A tendência geral, de acordo com a especialista em politeísmo grego, era a de os sacerdotes servir o culto dos deuses e as sacerdotisas servirem o culto das deusas.
Alguns festivais gregos, como os que homenageavam as deusas, também eram proibidos aos homens. Eles envolviam tanto a fertilidade da mulher quanto a fertilidade da terra. De maneira semelhante, os cultos aos deuses masculinos poderiam ser proibidos às mulheres.
“Sem dúvida, existe uma consciência de que estes ritos seriam mais eficazes se fossem conduzidos exclusivamente por mulheres ou exclusivamente por homens, mas essa é a exceção, não a regra”, completou Pirenne-Delforge.
A Grécia, onde há uma igualdade relativa de função entre sacerdotes e sacerdotisas, é uma exceção, enquanto que em Roma é dentre os homens que surgem os papas e os prestigiosos colégios de padres.
As raras sacerdotisas eram normalmente suas esposas, as vestais, que formavam o único colégio feminino no Império. Esta seita dedicava-se à deusa do lar e da família, Vesta, mas foi proibida no fim do quarto século, quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Império.
“Podemos concluir que, ao excluir as divindades femininas, o cristianismo fez desaparecer o clero feminino?”, pergunta o historiador Pierre-Louis Gatier. “Não, acho que não. Não devemos extrapolar o caso das vestais”.
Estas sacerdotisas, escolhidas na infância, de famílias aristocráticas e destinadas a permanecer virgens, viviam próximas dos seus templos cujas ruínas ainda podemos ver. Elas somavam apenas uma dúzia e não representavam muita coisa na escala do imenso império romano.
“A existência delas de forma alguma nos permite concluir que a mulher possuía um lugar importante nos departamentos religiosos”, disse o arqueólogo, lembrando que o cristianismo, nos primeiros séculos, tinha a sua forma de integrar as mulheres dentro de seus organismos governantes, “especialmente as diáconas, cujo papel não era anedótico”.
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As religiões monoteístas excluíam as mulheres? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU