06 Novembro 2019
Il Dio unico e la società moderna. Incontri con papa Francesco e il cardinale Carlo Maria Martini (O Deus único e a sociedade moderna. Encontros com o Papa Francisco e o cardeal Carlo Maria Martini, em tradução livre) é o novo livro de Eugenio Scalfari, jornalista e intelectual italiano, fundador do jornal italiano la Repubblica.
O jornal la Repubblica, 05-11-2019, publica um extrato do livro. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um não crente, como eu, e muito interessado na história da Igreja que começou quando Paulo caiu do cavalo enquanto estava indo de Jerusalém para Damasco, desmaiou, acordou - como ele relata em algumas de suas cartas - quando um anjo o levantou do chão, entrou em sua alma e a transformou.
Paulo se considerava um dos apóstolos de Jesus. Os apóstolos eram treze, um dos quais traiu Jesus e o denunciou às autoridades do Templo de Jerusalém, pelas quais também foi pago por tal confissão. Quando Jesus foi crucificado, o apóstolo traidor chamado Judas se enforcou. Paulo, cujo nome hebraico era Saulo, de qualquer forma se considerou um apóstolo e na realidade se tornou uma das figuras mais importantes do nascente cristianismo, que ainda era uma das várias comunidades judaicas que praticavam de maneiras diferentes a religião a que pertenciam e que era dirigida pelos sacerdotes do Templo. É estranho dizer, mas, na realidade, o primeiro a considerar o ensinamento de Jesus, a sua pregação que durou anos e finalmente a sua chegada a Jerusalém, a Última Ceia e a Crucificação, foi Paulo. Todos os outros, apóstolos e seguidores, consideravam o ensinamento de Cristo como uma espécie de atualização da religião judaica que permanecia o ponto de referência, pelo menos até que os sacerdotes do Templo liderados por Anás e Caifás, começando com seu líder, pediram que Jesus fosse preso e justiçado e, portanto, o cristianismo continuava a ser concebido como uma variante, embora muito importante, do judaísmo. Até Simão Pedro, que liderava aquela comunidade após a morte de Cristo, a concebia dessa maneira, bastante próxima aos Essênios o que eram muito parecidos com os cristãos. Naturalmente, essa não era a posição de Jesus de Nazaré, filho de José da tribo de Davi e de Maria. Até os trinta anos, ele tinha permanecido com a família, mas é naquele momento que descobre em si o filho de Deus que desceu à terra para a redenção de homens de todo o mundo e é naquele ponto que deixa a casa natal para a qual nunca mais voltaria.
No entanto, os apóstolos nunca haviam sido treinados para essa solução que Jesus deixou claro em sua última viagem de Tiberíades a Jerusalém. Deixou-o claro principalmente na Última Ceia e no Jardim do Getsêmani: ele avisou Simão Pedro sobre a sua traição e, interrogado pelas autoridades do Templo se conhecia Jesus de Nazaré, negou tê-lo conhecido e seguido. Essa traição Jesus a havia prevista, mas não tinha e não teve na história cristã a mesma dramaticidade que a traição de Judas, tanto é que Simão Pedro se tornou, após a morte de Cristo, o chefe da comunidade cristã. Judaico-cristã até que Saulo Paulo fez prevalecer a interpretação de um cristianismo totalmente diferente do judaísmo. A partir dali começa a parte da Bíblia que foi chamada "O Novo Testamento", que contou à sua maneira a história de Jesus.
No entanto, a história cristã esteve de alguma forma ligada àquela judaica, mas a diferença fundamental diz respeito aos dois personagens que foram os fundadores de uma e de outra. O judaísmo vê como representante de Deus na Terra a figura de Moisés e de seus descendentes, assim como a história cristã está alicerçada naquele que foi considerado o Filho de Deus, encarnado para converter os homens à nova religião. A morte de Jesus de Nazaré despertou uma série de contrastes e polêmicas decorrentes de uma religião há pouco subtraída à inicial forma de comunidade judaico-cristã que, como já dissemos, foi superada pela intervenção de Saulo Paulo sobre Simão Pedro.
Os cristãos estavam agora sozinhos sem se confundir com outras religiões. No entanto, isso não significa que as polêmicas internas da nova religião não fossem numerosas e também muito violentas do ponto de vista ideológico. Houve muitas delas também porque o bispo de Roma, o primeiro dos quais foi Pedro, tinha em teoria a liderança da Igreja, mas na prática a situação não estava nessas condições. As polêmicas sobre a maneira de ver e sentir no ânimo a nova religião deram origem a numerosas e animadas polêmicas, que muitas vezes chegaram perto de fragmentar o cristianismo em uma série de religiões muito diferentes umas das outras.
A primeira diferença era a relação do Filho de Deus com Deus Pai. Uma das teses mais sustentadas e também mais duradouras no tempo foi aquela de enfatizar a interioridade do Filho em relação ao Pai. O Filho tinha os mesmos poderes do Pai, mas havia uma diferença substancial entre eles: o Pai havia criado o Filho, portanto os poderes eram os mesmos, mas o Filho era Criatura enquanto o Pai era Criador. Essa polêmica continuou por muito tempo, mas depois foi superada. Ocorreu-me pessoalmente conversar sobre isso também com o Papa Francisco em nosso primeiro encontro, há quatro anos, e Sua Santidade, que é muito bem preparado sobre esses assuntos, respondeu-me: “Quando Deus, que é único para todas as pessoas de todo o mundo, em certo ponto decide que deva existir uma sua encarnação para ajudar a humanidade a acreditar no Além e a se comportar adequadamente, decide se encarnar, mas no momento em que se encarna se torna um homem em todos os aspectos, em carne e ossos e até em pensamento e ações. Ou seja, é um homem: verdadeiro e total, e o demonstra na última semana passada em Jerusalém, na última ceia, no Jardim de Getsêmani, onde reza a Deus de poupá-lo de ser crucificado, mas Deus não lhe responde. Também na cruz é um homem que se dirige àquele que chama de Pai e quase o repreende dizendo: ‘Pai, Pai, me abandonaste’. Era um homem até ser colocado no sepulcro pelas mulheres que recolheram seu cadáver. Naquela noite, no sepulcro, o homem desapareceu e daquela gruta saiu sob o aspecto de um espírito que encontrou as mulheres e os apóstolos conservando ainda a sombra da pessoa e depois definitivamente desapareceu”.
De fato, o Deus único que o Papa Francisco prega com a força que nenhum outro havia empregado, corresponde a uma realidade que a nossa mente só pode julgar perfeitamente lógica para aqueles que acreditam em uma divindade. Não pode haver uma divindade suprema gerada apenas por um grupo de fiéis, enquanto outros grupos têm divindades diferentes. Até agora isso aconteceu, mas o Papa Francisco é o primeiro a defender a unicidade de Deus, embora com algumas diferenças cerimoniais ou até mesmo de visão da própria divindade; mas essas são diferenças que devem ser superadas: pensar em um Deus de propriedade de um povo e não de outros não tem sentido e o Papa o está desmentindo dia a dia, e não apenas com palavras, mas com fatos: abraça os muçulmanos, abraça obviamente os judeus, sem falar dos protestantes, cristãos, mas com diferenças de comportamento no clero.
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A Igreja, segundo um jornalista e intelectual não crente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU