28 Junho 2019
Em um livro recém-publicado, um seminarista italiano argumenta que é preciso preencher aquilo que ele vê como um vácuo legal em relação ao status dos pontífices que renunciam, seguindo a abdicação do Papa Bento XVI em 2013 e sua adoção do papel sem precedentes de “Papa Emérito”.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada em Crux, 27-06-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O propósito do livro, disse o seminarista, “é pressionar um pouco a Igreja – ainda que o tempo possa não estar maduro ainda – a criar uma comunicação [para] legislar canonicamente sobre a lacuna legal que existe em relação ao status de um papa emérito”.
Rosario Vitale, seminarista dos Missionários do Sagrado Coração de Roma, apresentou seu livro “Bento XVI: o primeiro papa emérito da história” perante o Parlamento italiano no dia 24 de junho.
(Foto: Divulgação)
O mundo ficou chocado quando Bento XVI anunciou sua intenção de abdicar sete anos atrás. Mais surpreendente ainda foi o fato de que o papa alemão não optou por retornar à sua terra natal da Baviera com as vestes escarlates de um cardeal, mas decidiu, ao contrário, manter sua veste branca e viver dentro do Vaticano, adotando o novo título de papa emérito.
Embora raro, alguns papas renunciaram antes. Em seu livro, Vitale repassa casos anteriores de pontífices que depuseram suas tiaras e, em seu segundo capítulo, se concentra na famosa abdicação do Papa Celestino V em 1294.
“As abdicações de Bento XVI e Celestino V têm várias coisas em comum”, disse Vitale em entrevista por telefone ao Crux no dia 26 de junho. “Ambos abdicaram antes de um consistório, ambos leram um documento [em latim], ambos apresentaram a razão da velhice e da fraqueza física, e ambos desejaram se dedicar a uma vida de oração”.
O livro, escrito em colaboração com o professor de direito italiano Valerio Gigliotti, apresenta documentos em latim que nunca antes haviam sido traduzidos para o público e foram escritos por Celestino V para explicar sua decisão. O documento lido por Celestino para declarar sua abdicação, infelizmente, se perdeu, mas resta uma sinopse geral das palavras que ele falou perante os cardeais reunidos.
Apesar das semelhanças, Celestino V alardeou o gesto de depor sua tiara e suas vestes papais perante a hierarquia da Igreja, para que ele pudesse novamente vestir sua veste monástica, já que ele basicamente tentou fugir do pontificado. Esse plano não funcionou tão bem para o outrora papa, que logo foi capturado e morreu na prisão.
Bento XVI, é claro, não fugiu. Embora tenha adotado um nome “monástico” como pontífice, ele é um acadêmico de coração. Seu desejo de “escalar a montanha” não o levou mais longe do que o Mosteiro Mater Ecclesiae, no topo da colina vaticana.
Vitale, que estuda Direito Canônico na Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, explicou que os canonistas estão essencialmente divididos em duas facções quando se trata do status de um pontífice aposentado. De um lado, alguns acreditam que o título correto seria “bispo emérito de Roma”, do que mesmo modo que os bispos que deixam de supervisionar uma diocese.
Mas o seminarista assume o ponto de vista de que um papa aposentado deve ser considerado “papa emérito”, que é o título que Bento XVI adotou.
“O papa não é apenas bispo de Roma”, disse Vitale. “Ele também é bispo de Roma, mas tem uma jurisdição universal sobre a Igreja.”
Atribuir a um papa que renunciou o mero papel de bispo emérito da Diocese de Roma é “menosprezar, secularizar o papado”, disse Ventura, o que arrisca colocar o papa no mesmo nível de qualquer outro bispo diocesano.
A partir de uma perspectiva jurisdicional, acrescentou, o papa não é diferente de outros bispos como chefe titular da Diocese de Roma, mas ele também assume papéis e responsabilidades muito diferentes. Segundo Vitale, o chamado universal do pontificado não termina depois de uma abdicação.
“A paternidade, como o Papa Paulo VI a chamaria, permanece naquele cargo”, disse. “Você pode deixar de exercer a função de pai, mas nunca pode deixar de ser pai.”
Vitale explicou que deseja levar adiante a conversa entre as duas facções, mas também enfatizar a completa falta de leis e de documentos sobre o assunto.
“Na Igreja, tudo o que não é legislado sempre é motivo de grandes problemas”, afirmou, acrescentando que isso pode ser especialmente importante se outros papas optarem por abdicar no futuro.
Em um livro de 2017 chamado “A renúncia”, o jornalista e estudioso Fabrizio Grasso levantou a hipótese segundo a qual, se outros papas abdicarem, o Vaticano poderia se tornar o lar de um “clube papal exclusivo, que não poderia ser outra coisa senão um protoparlamento”.
Vitale, natural da mesma ilha italiana de Grasso, não vai tão longe, mas sugere que “um papa reinante poderia dar algum papel aos papas eméritos”, assim como os bispos auxiliares em Roma ajudam no manejo cotidiano da diocese.
É claro, acrescentou o seminarista, se os papas abdicarem por causa da idade ou do cansaço, ele duvida que eles estarão inclinados a aceitar algo muito difícil ou imperioso.
(Foto: Crux)
Talvez o papel de um papa aposentado esteja mais bem descrito em uma ilustração do grafiteiro Maurizio Pallotta, ou “Maupal”, conhecido em Roma por suas ilustrações do Papa Francisco no “borgo” nos arredores do Vaticano. Em sua ilustração de Bento XVI que acompanha o livro de Vitale, ele é retratado com suas mãos em um piano, na pacífica companhia da Bíblia e de dois gatos curiosos.
Ao lado do papa emérito, estão uma janela aberta e uma pomba retratada com um ramo de oliveira, sinal cristão universal da paz.
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Livro busca preencher vácuo jurídico em torno dos papas renunciantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU