13 Fevereiro 2019
A poucos dias da primeira cúpula antipedofilia de presidentes das conferências episcopais de todo o mundo, o professor jesuíta Hans Zollner, organizador do encontro, advertiu, na terça-feira, que “onde dizem “aqui não há abusos”, significa que ali não se fala. Há em todas as partes do mundo”.
A reportagem é de Juan Vicente Boo, publicada por ABC, 12-02-2019. A tradução é do Cepat.
Embora Zollner não tenha se referido a um país em concreto, a Espanha se destaca entre os europeus pela negativa de muitos bispos em reconhecer os casos que existem em sua diocese, e por não ter colocado em andamento estudos para conhecer a dimensão do problema, como fizeram voluntariamente as conferências episcopais da França, Alemanha, Holanda e Bélgica, ou as autoridades do Reino Unido e Irlanda, por exemplo.
O presidente do Centro de Proteção de Menores da Universidade Gregoriana – o mais avançado do mundo – e membro da Pontifícia Comissão de Proteção de Menores, recordou a indicação do Papa a todos os presidentes de conferências episcopais “de que falem com vítimas de abusos em seu país. O Santo Padre tem muito interesse em que isto aconteça em sua casa e não só aqui”.
O encontro de 21 a 24 de fevereiro, no Vaticano, inclui o testemunho de vítimas procedentes de áreas culturais muito diversas, mas isso não substitui o encontro pessoal já que “apenas após uma hora ou cinco horas com uma vítima se veem as feridas da psique, do coração, do corpo e do espírito”.
Reunindo a experiência que viu em quase meia centena de países, Zollner insistiu em que o bispo que escuta “se transforma. É necessário escutar com a mente, os ouvidos e o coração. E escutar sobretudo a dimensão espiritual, porque quase todas as vítimas eram pessoas muito próximas à Igreja, e lhes arrancaram a fé nela e nas pessoas”.
O teólogo e psicólogo alemão, um dos maiores especialistas em terapia e prevenção de abusos contra menores, reconheceu sem nenhum rodeio que na Igreja católica “o problema é sistêmico, ou seja, da Igreja como tal: suas estruturas, seus procedimentos, etc.”.
Para resolver isso, o Papa colocou em andamento procedimentos sinodais que envolvem coletivamente todos os bispos de um país, como no caso do Chile e das cartas “ao povo de Deus”, de agosto do ano passado, ou dos bispos norte-americanos, em inícios deste ano.
Segundo Zollner, Francisco “se refere sistematicamente a abusos “de consciência, de poder e sexuais”, e propõe uma mudança radical de atitude, pois isto não se resolve apenas com novas normas que, naturalmente, são necessárias”.
O exemplo mais claro é que “todos os países do mundo, exceto os Estados Unidos, assinaram a Convenção de Direitos da Criança”, mas este texto não basta por si só para evitar os abusos.
Há alguns dias, durante um encontro no Líbano, “a diretora da UNICEF nos disse que no Oriente Médio e norte da África 85% das crianças sofrem violência, inclusive sexual. Isso significa uns 85 milhões de crianças. Em algumas culturas, com estrutura de clã, não se fala de sexualidade, nem se denunciam os abusos, para não sofrer represálias”.
Zollner confirmou que, a partir dos dados disponíveis, a estimativa de sacerdotes ou religiosos abusadores na Igreja católica, em nível mundial, está em torno de 4% do total, uma incidência semelhante à de pastores de outras igrejas, que também começaram a estudar o problema em suas próprias fileiras, como fez recentemente a Convenção Batista do Sul, nos Estados Unidos.
O organizador da cúpula antipedofilia explicou que o primeiro dia será dedicado “à responsabilidade do bispo: pastoral, jurídica e espiritual”, e o segundo “à prestação de contas, accountability em inglês, um substantivo que não existe em espanhol ou italiano, o que já revela a falta de sensibilidade”.
O terceiro dia será dedicado “à transparência dos procedimentos internos em relação às autoridades, à imprensa e também em relação ao Povo de Deus, pois não apenas tem o direito de saber, como também queremos que esteja informado do que acontece”.
Por esse motivo, os abusos que as vítimas revelam à imprensa, sobretudo em países onde os bispos não criaram mecanismos de escuta e ajuda, não são um problema. O problema é que os responsáveis diretos não o abordam em público com sinceridade, o que provoca o desprestígio da Igreja.
À pergunta se a Igreja conta com um mapa universal da incidência de abusos, Zollner respondeu que o problema é que muitas conferências episcopais e governos não estudaram o alcance do problema: “Perguntem na Espanha. Existem dados estabelecidos pela Igreja ou Estado? Não”.
No último dia 16 de janeiro, o porta-voz do Vaticano, Alessandro Gisotti, manifestou que a cúpula incluirá a escuta de vítimas e de profissionais especialistas nos diversos aspectos do problema, assim como “uma liturgia penitencial e uma celebração eucarística final”.
Segundo seu porta-voz, “para o Santo Padre, é fundamental que no retorno a seus países e suas dioceses, os bispos estejam conscientes das regras que devem aplicar e deem os passos necessários para prevenir os abusos, proteger as vítimas e não permitir que nenhum caso seja encoberto, nem obstruído”.
O Papa participará de todas as reuniões e atividades. As sessões plenárias serão moderadas pelo antigo porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, que domina meia dúzia de idiomas.
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“Onde dizem ‘aqui não há abusos’, significa somente que ali não se fala sobre isso. Há em todas as partes”, afirma o jesuíta Hans Zollner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU