20 Outubro 2018
"É mais fácil e cômodo criar um bode expiatório, o PT, e destarte esconder a corrupção que grassa na sociedade, até no cotidiano do suborno a policiais de trânsito. Rejeitamos esta lógica do bode expiatório por ser seletiva, injusta, desumana e profundamente antiética, como denunciava sempre René Girard", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
René Girard (1923-2015), pensador e filósofo francês, o maior sábio que conheci na minha vida e esteve com teólogos da libertação no Brasil em 1990, dedicou grande parte de sua vasta obra a estudar a violência, especialmente a necessidade de uma sociedade, de criar um bode expiatório. (ver O bode expiatório, 1982).
Por esse mecanismo do bode expiatório, a população é levada a descarregar a corrupção que está difusa e concentrada nos grandes corruptos e corruptores nas costas de um só, do PT, com a finalidade de esconder a própria corrupção. Com isso, toda a sociedade passa a esquecer os reais corruptos e a pensar que ela está somente no PT no qual se despeja toda a raiva e o ódio. É feito bode expiatório já testemunhado na Bíblia. Os hebreus punham em cima de um bode todos os pecados e malfeitos do povo e o enviavam para o deserto para lá expiar até morrer de fome. E assim quase todas as sociedades faziam algo semelhante.
Entre nós houve um tempo em que o bode expiatório eram os subversivos, depois os comunistas (continua ainda hoje), em seguida os jovens negros das favelas, supostamente ligados ao crime e às drogas, os gays e os LGBT. Sobre eles se transfere a violência implícita na sociedade. Neste momento o bode expiatório é o PT e Lula. Neles se põe toda a corrupção, embora quase todos os partidos, alguns mais que o PT, participaram da corrupção.
Com o apoio do aparelho repressivo do Estado, de boa parte do Ministério Público, não excluída parte do próprio STF, da classe média e especialmente da mídia privada, fez-se essa seletividade quanto à corrupção. Ao PT se joga toda culpa pelos males atuais do Brasil, quando os principais causadores se escondem criando um bode expiatório.
Mas o que verdadeiramente está por trás do antipetismo, sob pretexto de combate à corrupção, é o ódio ao ex-presidente Lula, um operário que logrou chegar ao centro do poder. A classe dominante e as oligarquias tradicionais, herdeiras da mentalidade da Casa Grande, jamais aceitaram que alguém da Senzala chegasse ao Planalto. Cultivaram e cultivam ódio e desprezo aos pobres, antes jogado sobre os escravos. Como pode um pobre frequentar o mesmo espaço social que eles: na escola, na universidade, nos shoppings, nos aviões?
Estes eram espaços de exclusividade dos endinheirados que viveram sempre de privilégios, sem senso da igualdade de todos, base de qualquer democracia. Acresce ainda aqueles que nunca reconheceram humanidade e dignidade nos pobres e negros e negras, sem falar dos indígenas e quilombolas.
Agora esse ódio, latente nas oligarquias e assumido, em parte, pela classe média assustada, contaminou, não sem ajuda das igrejas neopentecostais televisivas, parte da população pobre.
Aqui reside a raiz primeira do antipetismo. Há ódio e raiva recalcados em pessoas que se dizem “de bem” e se confessam cristãs. É um cristianismo meramente cultural, de fachada, mas eticamente anticristão.
A mídia empresarial que nunca se deu bem com a democracia e que nutre um soberano desprezo pelo “povão” ou “povinho”, ou “ralé” na expressão técnico-provocativa de Jessé Souza, jogou um papel decisivo na difusão do antipetismo e do ódio.
Para o antipetismo valeram todos os meios. Basta ver os blogs, twitters e facebooks sem falar do incontrolável meio do WhatsApp que criou redes de difamação e fake news contra o PT e o candidato Haddad. Agora sabemos que milhões de mensagens falsas foram financiadas por empresas privadas que, segundo a nova legislação, é crime de caixa dois.
Mas esta é a lógica da política regida pelo conceito do bode expiatório, política de ódio e de agressão do outro. Assim como existe o bullying nas escolas, agora o bullying coletivo é contra PT. Mas há que resistir a essa ignomínia. A sociedade inteira deve fazer uma revisão de seus antivalores, de sua corrupção cotidiana.
O Sindicato dos Procuradores da Fazenda (SINPROFAZ) relata que até o dia 18/9/2018 cerca de 450 bilhões de reais foram sonegados, particularmente pelas grandes empresas. Nos últimos 10 anos elas deixaram de pagar 1,8 trilhões de reais. Essa não é a grande corrupção? Quem vai contra ela? Que faz o Ministério Público e o próprio STF?
Se parte desta dívida fosse cobrada, não se precisaria nenhuma reforma da Previdência. É mais fácil e cômodo criar um bode expiatório, o PT, e destarte esconder a corrupção que grassa na sociedade, até no cotidiano do suborno a policiais de trânsito. Rejeitamos esta lógica do bode expiatório por ser seletiva, injusta, desumana e profundamente antiética, como denunciava sempre René Girard.
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A criação do bode expiatório: o antipetismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU