25 Fevereiro 2018
“No imaginário veiculado pelas Escrituras e pela tradição, foi confiado a Maria de Magdala um papel de grande relevância: o fato de ter descoberto o sepulcro vazio de Jesus e ter anunciado a notícia da ressurreição aos discípulos (isso, naturalmente, em um processo de contínuo enriquecimento da trama já nos quatro evangelhos canônicos).”
A opinião é do historiador italiano Alessandro Santagata, professor da Universidade de Roma Tor Vergata, em artigo publicado por Il Manifesto, 28-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A figura de Maria Madalena capturou durante séculos o interesse das sociedades ocidentais e não deixou de exercer seu fascínio. Discípula predileta venerada como santa pela Igreja Católica, mas também prostituta redimida e esposa de Jesus, o personagem de Madalena adquiriu cada vez mais visibilidade e relevância ao longo dos séculos.
No imaginário veiculado pelas Escrituras e pela tradição, foi confiado a Maria de Magdala um papel de grande relevância: o fato de ter descoberto o sepulcro vazio de Jesus e ter anunciado a notícia da ressurreição aos discípulos (isso, naturalmente, em um processo de contínuo enriquecimento da trama já nos quatro evangelhos canônicos).
Quem tenta esclarecer as origens e o desenvolvimento do mito é o livro Una sposa per Gesù. Maria Maddalena tra antichità e post-modernità [Uma esposa para Jesus. Maria Madalena entre antiguidade e pós-modernidade] (Ed. Carocci, 2017, 342 páginas), editado por Edmondo Lupieri e, quanto ao trabalho editorial e às traduções, por Ludovica Eugenio, da revista Adista.
Trata-se de uma rica coleção de artigos que vão desde a história do cristianismo antigo até a idade contemporânea. Os autores são especialistas de vários títulos no campo histórico e teológico.
Na introdução assinada por Lupieri, são fornecidas as coordenadas gerais do volume. O editor escreve: “A intenção foi a de produzir um livro diferente das inúmeras, muitas também sérias, contribuições que chegaram ao mercado editorial nos últimos anos, de algum modo na onda de outros sucessos editoriais e cinematográficos; um livro que apresentasse não o personagem histórico daquela Maria que, aparentemente, com outras mulheres, tinha seguido Jesus desde a Galileia, para depois, talvez, descobrir que seu cadáver de crucificado havia desaparecido, mas um sim trabalho que mostrasse como sua figura foi construída literalmente nos inícios e, portanto, como transitou através de quase 20 séculos de história mais ou menos cristã, para chegar às suas múltiplas imagens de hoje”.
Se, portanto, “a Madalena histórica talvez esteja perdida para sempre”, mesmo assim, ela continuou vivendo e assumindo perfis sempre diversos e diversamente funcionais.
Na primeira parte do volume, é investigada a tradição de Madalena nas Escrituras e, mais em geral, na tradição cristã, canonizada e apócrifa. Então, começou a ganhar forma o mito da prostituta redimida pelo Messias, funcional para construir um personagem mais forte e útil do ponto de vista pastoral.
Tal reconstrução – sancionada pelo Papa Gregório Magno, que fundira Madalena com outras figuras, incluindo a da ex-prostituta Maria de Betânia – teria chegado até os nossos dias, isto é, até 1969, quando o personagem de Maria de Magdala foi desvinculado das outras. Paralelamente, outras histórias ganhavam forma, destinadas a criar inúmeras filiações ao longo do tempo.
A partir da idade do Barroco, se desenvolveria também uma iconografia voltada a exaltar sua beleza: cada vez mais nua e sensual, como a imagem de um arrependimento que mostra o pecado que acabou de cometer. A representação da redimida, assim, permaneceria no imaginário ocidental até as representações mais recentes: de Kazantzakis a Dan Brown.
Como se disse, também no nível da pesquisa historiográfica, foi acolhida a ideia de um personagem filho da fusão de muitos outros. Havia sido Samuel Reimarus, ainda no século XVIII, que começou a obra de desconstrução. Depois, chegaria a primeira interpretação feminista anglo-saxônica (Cady Stanton, para citar uma das principais) dirigida a libertar os textos religiosos, e a própria Madalena, da tirania misógina dos teólogos, que a subordinavam aos apóstolos.
Nos anos 1970, as estudiosas reforçaram ainda mais o papel de discípula igual aos outros, mas houve também quem fornecesse uma interpretação queer de um personagem que assumiria um perfil masculino, elevando-se em uma perspectiva soteriológica.
O último artigo do livro, assinado por Mary Setterholm, polemiza abertamente com a versão feminista tradicional, reivindicando aquele vínculo histórico de solidariedade entre Madalena e o mundo da prostituição que a respeitabilidade burguesa de marca progressista tentou separar.
Nos estudos mais recentes, ainda estão em campo hipóteses diferentes, mas o mito continua vivendo vidas próprias e assumiu novos traços nos movimentos religiosos até a New Age. Uma história que continua unindo, dividindo e apaixonando.
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Maria Madalena, o ícone que perpassou a história. Artigo de Alessandro Santagata - Instituto Humanitas Unisinos - IHU