13 Fevereiro 2018
Um padre alemão levantou a voz na Igreja católica chilena exigindo a saída do bispo Juan Barros, acusado de acobertar abusos sexuais. Peter Kliegel procura reunificar uma instituição dividida.
A entrevista é de Victoria Dannemann, publicada por Deutsche Welle, 11-02-2018. A tradução é de André Langer.
O padre Peter Kliegel não esconde seu aborrecimento e dor por causa da crise vivida pela Igreja no Chile. O padre alemão, nascido em Dillenburg, está há quase 50 anos na diocese de Osorno, no sul do Chile, a mesma em que, em 2015, assumiu o questionado bispo Juan Barros.
Anteriormente bispo castrense, Barros foi formado no beiral de Fernando Karadima, sacerdote que durante décadas gozava de grande poder em uma paróquia de um bairro rico de Santiago. Ali se cercou de jovens e formou futuros padres e bispos. O escândalo explodiu quando ex-seguidores denunciaram abusos de poder e sexuais perpetrados por Karadima. Além disso, asseguram que vários sacerdotes e bispos foram testemunhas ou incorreram em comportamento inadequado.
Um deles seria Barros, acusado de acobertar seu ex-mentor. Apesar da forte oposição que surgiu em Osorno, Barros não apenas se recusou a deixar o cargo, mas também apareceu ao lado do Papa Francisco em sua visita ao Chile.
Com franqueza e coragem, Kliegel manifestou sua opinião ao núncio e à Igreja. Em uma entrevista concedida à Deutsche Welle, o sacerdote premiado na Alemanha com a distinção Cruz do Mérito em 2017 fala sobre o difícil momento vivido pela Igreja no Chile e a necessidade de buscar a verdade.
Você foi uma das primeiras pessoas a manifestar a inconveniência de que Juan Barros assumisse como bispo de Osorno. Por que você assumiu esse papel ativo?
Eu vim para o Chile há 52 anos e faço parte desta Igreja, interessada em ter uma mensagem muito clara sobre a missão que o Senhor nos deu. A situação se originou quando soubemos que o bispo Barros seria destinado à diocese de Osorno e que vinha do ambiente de Fernando Karadima, o que para nós era inaceitável. Por isso, comecei a levantar a minha voz.
Que resposta teve?
Poucos dias depois de saber que Juan Barros seria o nosso bispo, manifestei-me junto à Nunciatura, primeiro perguntando, mas como nunca recebemos uma resposta, nossa voz tornou-se um pouco mais insistente.
O núncio nunca respondeu às suas solicitações?
Nunca, o que é muito descortês.
Por que você acredita que nem você nem outros sacerdotes e leigos não foram ouvidos?
Eu penso que tem a ver com o poder administrativo na Igreja, o que não é justo, porque como batizados e membros da Igreja temos o direito de ser ouvidos; é isso que exigimos.
O que representou a presença de Barros em Osorno?
A situação tem sido dilacerante. A união da diocese foi destruída. Sabemos apenas aquilo que nos contam as vítimas, mas sofremos os danos colaterais deste ambiente de Karadima. O mal que fez à Igreja chilena é tão grande que não é aceitável que alguém não reaja. E como Roma não reagiu e o nosso bispo não nos entende, continuamos levantando nossas vozes para nos fazer ouvir. Nunca fomos ouvidos, uma única vez a Conferência Episcopal nos disse que não podia fazer nada. E agora, pela primeira vez, depois de tantos gritos, Roma reage enviando-nos o arcebispo de Malta, o bispo (Charles) Scicluna.
O que você espera do trabalho que ele pode realizar no Chile?
Temos muitas esperanças. Nós vamos entrar em contato para que nos deem a oportunidade de compartilhar o que vivemos. Não se trata de sermos opositores, mas de buscar a paz, que só pode ser construída a partir da verdade. Temos necessidade de um interventor que ouça o bispo e a nós, para esclarecer situações que não conseguimos entender ou aceitar.
Por que você acha que o bispo Barros, apesar de enfrentar tanta oposição, não deixou o cargo?
É isso que não entendemos. Ele diz que foi nomeado, o que é um argumento válido, mas não podemos nos conformar, porque os nossos fiéis também não o aceitam. Em muitas paróquias, não aceitam que o senhor bispo administre o sacramento da Confirmação. Quando ele preside uma missa, muitas pessoas se levantam e vão embora. Não é possível que um pastor que deve cuidar de suas ovelhas viva nessa situação e nos coloque nesta confusão.
A mensagem pastoral de Francisco no Chile, onde defendeu a dignidade das mulheres reclusas, o entendimento com os mapuches ou imigrantes, a solidariedade, e também manifestou sua dor e perdão pelos abusos cometidos por membros da Igreja, passou para segundo plano diante do escândalo do bispo Barros. Ainda mais quando este apareceu com o Papa nas missas. “Ele se fez presente como que se refugiando atrás do Papa, o que foi bastante indigno para nós e doeu muito. Mas o bispo não foi capaz de enfrentar as vítimas de Karadima. Quando convidamos a um deles, o bispo se mandou. Na minha última carta, eu quis demonstrar com exemplos das próprias palavras do Papa no Chile que vivemos uma situação inaceitável”, diz Kliegel.
Você acredita que a visita de Francisco aprofundou a crise que a Igreja está vivendo no Chile?
Pessoalmente, penso que não. Devemos ler as mensagens que o Papa deixou no Chile, que são muito boas. Acho que ele cometeu um erro na sua espontaneidade, mas as mensagens foram muito claras. Em primeiro lugar, ele nos falou sobre a dignidade, e é por isso que nos levantamos, porque exigimos dignidade humana e espiritual.
O Papa disse no Chile que não havia nenhuma prova contra Barros, embora depois tenha se desculpado pela dor causada às vítimas. É possível que Barros não tivesse conhecimento dos abusos?
Isso somente as testemunhas sabem. Mas o ambiente de Karadima é tão incrivelmente prejudicial, que, por prudência, o bispo Barros não deveria continuar. Isso é um erro espiritual, pastoral e humano.
Você esperava que o Papa Francisco tomasse uma posição a este respeito em sua visita ao Chile?
Havia essa esperança, mas achava que não seria possível, por muitas razões. Há outras dioceses que também têm bispos que nasceram no ambiente de Karadima e que não se pronunciaram, mas sabem que todos estão no mesmo barco.
Você teve contato com o bispo Barros?
Muito, e ele sabe que eu sou muito franco com ele. Eu nunca agi pelas suas costas. Eu me encontro com ele e sempre lhe digo o que pensamos na comunidade. Digo-lhe isso olho no olho.
Como você classificaria a gestão de Barros como bispo?
Nós mal temos um plano pastoral e é isso que nos entristece. Estamos como que nadando em águas mornas, o que não é bom para o nosso trabalho. Além disso, ele não pode aparecer em público, tem medo, se esconde. É desagradável quando em uma missa há pessoas que se levantam com cartazes dizendo “renuncia”. Ele é a nossa cabeça e isso nos machuca muito. Seria melhor se ele se afastasse.
Apesar de ser alemão, você vive essa situação como própria...
Claro, o Chile é agora a minha pátria, é minha Igreja. Esta é a minha fé e também ele é administrativamente meu bispo; por isso, luto por uma boa causa.
Você tem liberdade para expressar sua opinião?
Claro, sempre vamos ter e exigir isso, porque não somos uma ditadura. Vivemos na Igreja, embora com obediência, mas temos voz e voto.
Que recepção teve sua intervenção neste caso?
Um bom número de bispos me escreveu dizendo-se muito de acordo com minhas palavras. Com dor, mas de acordo. Também recebi respostas de leigos e sacerdotes do Chile e do mundo. Evidentemente, nem todos concordavam com minhas palavras, mas penso que foram sóbrias e claras. Por isso, o eco é importante, não para me expor, mas para exigir a verdade e, acima de tudo, veracidade. Temos que ser ouvidos. Esse é o primeiro passo para buscar a paz que precisamos. A Igreja católica no Chile, infelizmente, está muito desacreditada por tudo isso, o que é muito triste, se se pensa que na época da ditadura a Igreja era a instituição mais confiável e hoje é a menos apreciada.
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Chile. “A situação da Igreja é dilacerante” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU