11 Novembro 2017
"Elite troca a tradição e excelência por “serviços educacionais”, vendidos como resorts ou bancos “prime”. Não se busca formar seres humanos, mas patrões" escreve José Ruy Lozano, sociólogo, autor de livros didáticos, conselheiro do CIPI – Conselho Independente de Proteção à Infância e coordenador pedagógico geral da Rede Alix – Colégio Nossa Senhora do Morumbi, em artigo publicado por Outras Palavras, 08-11-2017.
Foi-se o tempo em que pais de classe média e alta escolhiam escolas particulares baseados apenas na tradição. A educação básica privada transforma-se progressivamente em um mercado de serviços como outro qualquer, e a oferta de “experiências perfeitas” (?!) às crianças pouco se distingue das estratégias de propaganda hotéis de luxo ou resorts à beira-mar.
O mercado de serviços educacionais (é disso que se trata) de grandes cidades brasileiras vem sendo sacudido pela inserção de novos “players” (assim se denominam) e atraindo investimentos de grupos nacionais e estrangeiros de “private equity” ou mesmo de “venture capital”. Sim, a educação básica imita o ensino superior e entra na bolsa de valores (stock market, melhor dizendo), com todas as regras de “compliance” e promessas de ganhos de “market share”.
Anglicismos adentro, os nomes de algumas novas escolas a serem inauguradas em São Paulo e no Rio de Janeiro reiteram a tendência: New York Avenues, Concept, International School…e por aí vai.
Mas há uma importante diferença no “target” entre o ensino superior privado e as novas escolas particulares. Enquanto os centros universitários – eufemismo para uma reunião pouco consistente de faculdades técnicas – miraram o consumidor de baixa renda (“lower income”, para não destoar) e os subsídios governamentais do ProUni, as escolas tentam seduzir o segmento “premium”, a “upper class”.
Os projetos pedagógicos das escolas boutiques, ou colégios de charme, embalam em papel dourado e salas de aula projetadas por famosos designers tendências de metodologia ativa presentes no horizonte educacional desde pelo menos os anos 1960. O aluno como protagonista, a interação como princípio da aprendizagem, a construção de conhecimento por meio de projetos de investigação. Nada de novo aqui, e nem é isso mesmo o que essas escolas querem vender.
Suas estratégias de marketing mobilizam sem maior receio – ou vergonha – o conceito de exclusividade, como os bancos prime ou algumas pousadas em Trancoso. Esse é o verdadeiro objeto de desejo dos potenciais clientes das escolas boutique.
Afinal, para formar cidadãos de um mundo globalizado, os futuros líderes do século XXI (a quem a plebe rude e ignara está fadada a obedecer), é necessário cobrar mensalidades na faixa de oito mil reais por mês, fora uma taxa de matrícula (ou de adesão) de outros tantos mil reais.
Assim estão a se formar verdadeiros clubes privados de ensino, escolas de empreendedorismo e criatividade (leia-se, negócios), jardins da infância financeirizada e higienizada, cujo acesso é, certamente, exclusivo: longe de gente esquisita que não circula no Clube Pinheiros ou no Jockey, nem vai esquiar em Aspen no carnaval.
Não, essas escolas não se destinam a formar líderes, mas patrões. Não pretendem formar cidadãos globais, mas elites que mandam a partir de espaços delimitados e cercados, muito distantes da realidade diversa e multifacetada do mundo dito globalizado. Esses estabelecimentos não se destinam a uma integração com a realidade contemporânea, mas com uma pequena parcela desta realidade, a que vive nos melhores bairros, tem acesso ao maior número de recursos, seja em Manhattan, seja nos Jardins ou na Barra da Tijuca.
Escolas de alienação, isso sim, compradas a peso de ouro.
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