Por: João Vitor Santos | 08 Julho 2017
Construir um mundo interconectado. Esse é o grande tema que vem orientando as discussões no encontro do Grupo dos 20, o G20, que congrega as 20 maiores economias mundiais. As reuniões ocorrem desde ontem, na cidade de Hamburgo, no norte da Alemanha. A ideia dos organizadores é, a partir desse tema, pautar as discussões em torno de assuntos relacionados a economia financeira, questões climáticas, políticas comerciais, emprego e desenvolvimento, bem como a migração e fluxos de refugiados, além da chamada “luta contra o terrorismo”. Mas essa é a agenda oficial. O que vem atraindo olhares de todos são os movimentos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Há expectativas de como ele deve sentar à mesa com os demais países para discutir, por exemplo, questões climáticas e de imigração, depois de seus rompantes nacionalistas.
O encontro entre Trum e Putin é um dos momentos mais comentados da edição de 2018 da reunião do G20 (Foto: Bundesregierung Kugler)
Além disso, ontem, o assunto foi seu primeiro encontro com Vladimir Putin, presidente russo. Segundo a Agência France- Presse, o aperto de mãos se deu logo no início do encontro, no começo da manhã de sexta-feira, 7/7, e foi rápido e protocolar. Especialistas ouvidos por diversas agências de notícias internacionais destacam que Trump está na Alemanha por pura obrigação diplomática e torce para que o encontro deste ano não gere grandes decisões. Já Putin não está tão indiferente às reuniões, mas seu objetivo é mesmo a aproximação – ainda maior – com Trump. Por ele, o aperto de mãos já teria ocorrido muito antes. Em comum, os dois querem focar esforços na luta conjunta contra o Estado Islâmico e o controle de armas nucleares.
Entre as 20 economias mais emergentes do mundo, estão três países latino-americanos: Brasil, Argentina e México. Dos três chefes de Estado, o que mais está atento a Trump é o presidente mexicano Enrique Peña Neto. Até pela proximidade geográfica com os Estados Unidos, o México é sensível às posições de Trump sobre imigração. Enquanto isso, Maurício Macri, da Argentina, e Michel Temer, do Brasil, estão mais preocupados em melhorar a imagem de seus países diante dos demais. Macri saiu de Buenos Aires a fim de decretar o fim de seu isolamento no G20 e para isso quer mostrar que a economia, apesar da taxa de desemprego chegar a 30,3%, está em recuperação. Mais ou menos na mesma linha vai o brasileiro Michel Temer. Entretanto, o brasileiro parece mais veemente na negação dos índices. “Crise econômica no Brasil não existe. Vocês têm visto os últimos dados”, disse Temer a jornalistas assim que colocou o pé em Hamburgo.
O Brasil é a maior economia entre os latinos no G20, mas chega ao encontro da Alemanha submerso em crises que vão desde a sua imagem frente aos demais, passando por dificuldades econômicas e políticas. Denunciado por corrupção passiva, Michel Temer chegou a cancelar sua ida a Hamburgo, mas, na última hora, resolveu viajar com a delegação brasileira. Investido de um otimismo quase ficcional, o presidente se faz de desentendido quando questionado sobre a imagem do Brasil frente aos colegas de G20 nesse momento de tensão política e econômica. “Você sabe que crise econômica e política... crise econômica no Brasil não existe. Vocês têm visto os últimos dados”, disse aos repórteres, segundo reproduzem as agências internacionais. De acordo com o site G1, um dos profissionais da imprensa não se conteve e disparou: “Não existe crise econômica, presidente?”. O presente interrompeu a entrevista, mas, antes de subir para o quarto do hotel, insistiu: “Pode levantar os dados e você verá que nós estamos crescendo empregos, estamos crescendo indústria, estamos crescendo agronegócio. Lá não existe crise econômica”.
Temer (terceiro da direita para esquerda) chega ao encontro do G20 na Alemanha com pouca força política (Foto: Beto Barata/PR)
Analistas internacionais dizem que os movimentos de Temer revelam que sua ida à Alemanha tem mesmo um tom de negar o momento complicado que vive o país e por isso parte para reuniões em busca de acordos de cooperação como se nada estivesse acontecendo. “Temer não terá muita voz ou influência na reunião. O Brasil não desempenha hoje nenhum papel importante nos assuntos econômicos mundiais. A crise de governo, os retrocessos econômicos e os escândalos de corrupção fizeram com que a maioria dos principais países do mundo e agências internacionais se tornasse cautelosa sobre manter relações próximas com o Brasil”, analisa o especialista em América Latina e presidente emérito do centro de pesquisas Inter-American Dialogue Peter Hakim, em entrevista à rede BBC.
Segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional – FMI para o crescimento em 2017, o Brasil caminha para o terceiro ano consecutivo na lanterna econômica do G20. Depois de acumular queda de 7,2% nos últimos dois anos, há expectativa de que a economia brasileira fique estagnada em 2017. Os demais países cresceram em média 5% na soma de 2015 e 2016. O índice positivo é, segundo o FMI, sustentado por outras nações emergentes, como Turquia (9%), Indonésia (10%), China (14%) e Índia (15,3%), além de Estados Unidos (4,25%) e Reino Unido (4%).
O presidente Maurício Macri não chega à Alemanha com o país em uma situação econômica muito melhor do que Temer. Seu “calcanhar de Aquiles” são os altos índices de desemprego e o aumento da desigualdade no país. O site da rede de notícias Telesur estampa dados do relatório do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos – Indec que revelam que, em 2016, 30,3% da população argentina ficou sem trabalho. No segundo trimestre do ano passado, 937 mil pessoas estavam desempregadas nas 31 áreas urbanas da Argentina e a estimativa é de que em todo o país se chegou a 1,5 milhão de pessoas. O Indec ainda revela que a desigualdade também aumenta na “gestão Macri”: 10% da população mais rica teve o salário 25,6 vezes maior do que os mais pobres, conforme dados do terceiro trimestre de 2016.
Chanceler alemã Angela Merkel na recepção ao presidente argentino Maurício Macri (Foto: Governo da Argentina)
Ainda assim, Macri chega disposto a aumentar o protagonismo da Argentina entre os membros do G20. Para isso, apostar em encontros paralelos com outros países e proposições de acordos bilaterais. É o que leva para mesa de negociações com França, Inglaterra, Cingapura, Índia, África do Sul, além de encontro com presidentes do Conselho Europeu, Donald Tusk, e da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. A agenda de Macri na Alemanha para “limpar a imagem” de seu país começou ainda na quinta-feira, 6/7. Nem bem havia chegado e já foi participar do Barclaycard Arena Hamburg Festival Cidadão Global. Foi um show, numa iniciativa de artistas internacionais, para sensibilizar líderes mundiais sobre a necessidade de investir em metas de educação e de reunião milênio no combate à pobreza. Macri esteve com estrelas como vocalista do Coldplay Chris Martin, os artistas Demi Lovato e Shakira. Ele também falou para um público de 14 mil pessoas no festival. Analistas ouvidos pelo site Nodal destacam que sua intenção foi agradecer a presença dos artistas e preparar sua imagem para a edição de 2018 do encontro do G20, quando a presidência do grupo passará da Alemanha para Argentina. Na sua fala, Macri até cogitou a realização de uma nova edição do festival no ano que vem em Buenos Aires.
Ainda na edição passada, durante encontro na China, os representantes das 20 maiores economias do mundo aprovaram por unanimidade que o grupo seja presidido pela Argentina em 2018. Macri, que na ocasião disse que é o fim do isolamento da Argentina no G20, atribui grande importância ao grupo, considerando este o principal fórum para a coordenação econômica e financeira internacional.
O presidente mexicano Enrique Peña Neto chega à Alemanha num dos momentos de maior tensão na relação com os Estados Unidos. Por isso, a grande expectativa da sua agenda no G20 foi com relação ao resultado de seu encontro com Donald Trump, ocorrido na sexta-feira, 7/7. O ponto nevrálgico são as posições do presidente norte-americano com relação aos imigrantes e a intenção de construir um muro que impeça a entrada nos Estados Unidos pelo México. O encontro entre os dois foi uma atividade paralela aos encontros do G20 e chanceleres mexicanos trabalham para que não se crie muitas expectativas do encontro e nem desvie o foco da agenda do país durante o G20. Numa rápida declaração à rede Televisa, o secretário de Exterior do México, Luis Videragay, diz que foi não foi “uma reunião em que questões substantivas foram resolvidas”.
Peña Neto (E) durante encontro com presidente estadunidense Donald Trump em agenda paralela ao G20 (Foto: Governo do México)
Os líderes mexicanos querem mesmo avançar na complexa renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte – Nafta. As negociações devem se efetivar em agosto, mas o México já quer trazer o assunto para mesa. Em entrevista ao site Milenio, o secretário mexicano de Economia, Ildefonso Guajardo, considerou o tema “uma caixa de pandora que precisa ser aberta”, pois considera a renegociação fundamental para a economia do país.
Além da Alemanha, durante o encontro do G20, Peña cumpre agenda em outros países da Europa, com o objetivo de defender ações em apoio ao Acordo de Paris e promover uma visão positiva e abrangente da migração. Também quer dar destaque às políticas macroeconômicas que promovam o crescimento inclusivo. O México é considerado um dos países mais desiguais da América Latina, com índice de Gini na marca de 0,93%. Entre 2008 e 2014, os níveis de pobreza aumentaram de 44,3% para 46,2%, de acordo com um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social. A Organização Internacional do Trabalho – OIT indica que em 2016 a nação mexicana chegou a 2,4 milhões de desempregados.
É um grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. Foi criado em 1999, após as sucessivas crises financeiras da década de 1990. Visa favorecer a negociação internacional, integrando o princípio de um diálogo ampliado, levando em conta o peso econômico crescente de alguns países, que, juntos, representam 90% do PIB mundial, 80% do comércio mundial e dois terços da população mundial. O peso econômico e a representatividade do G20 conferem a ele significativa influência sobre a gestão do sistema financeiro e da economia global. Com o crescimento da importância do G20 a partir da reunião de 2008, em Washington, e diante da crise econômica mundial, os líderes participantes anunciaram, em 25 de setembro de 2009, que o G20 seria o novo conselho internacional permanente de cooperação econômica, eclipsando o G8, constituído até então pelas sete economias mais industrializadas no mundo e pela Rússia.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Show, discurso anticrise e encontro com Trump na pauta dos países latinos no encontro do G20 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU