29 Junho 2017
Na audiência à CISL, a Confederação Italiana dos Sindicatos dos Trabalhadores, o papa critica as “aposentadorias de ouro, uma ofensa não menos grave do que aquelas pobres demais”. E depois denuncia: “Às vezes, a corrupção entrou no coração dos sindicalistas”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada no jornal La Stampa, 28-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É “um novo pacto social pelo trabalho” invocado pelo Papa Bergoglio durante a audiência dessa quarta-feira, 28, na Sala Paulo VI, aos membros da CISL, para que se reduzam “as horas de trabalho de quem está na última temporada de trabalho, para criar trabalho para os jovens que têm o direito-dever de trabalhar”.
O sindicato como sentinela que olha e protege aqueles que estão dentro da cidade do trabalho, deve olhar e proteger também aqueles que estão fora dos muros
“É uma sociedade tola e míope aquela que obriga os idosos a trabalhar por muito tempo e obriga uma geração inteira de jovens a não trabalhar quando deveriam fazê-lo por eles e por todos”, exclamou o papa no seu discurso aos delegados que, nessa quarta-feira, iniciam os trabalhos do XVIII Congresso Nacional sobre o tema “Pela pessoa, pelo trabalho”, liderados pela secretária-geral, Annamaria Furlan.
Francisco não poupou também uma crítica contra as “aposentadorias de ouro”, que – diz – “ são uma ofensa ao trabalho não menos grave do que as aposentadorias pobres demais, porque fazem com que as desigualdades do tempo de trabalho se tornem perenes”. Esse é um risco como os muitos que, nos nossos dias, minam o laço entre pessoa e trabalho, “duas palavras que podem e devem estar juntas”.
“Se pensamos e dizemos o trabalho sem a pessoa, o trabalho acaba se tornando algo desumano, que, esquecendo as pessoas, esquece e perde a si mesmo. Mas, se pensamos a pessoa sem trabalho, dizemos algo parcial, incompleto, porque a pessoa se realiza em plenitude quando se torna trabalhador, trabalhadora; porque o indivíduo se faz pessoa quando se abre aos outros, à vida social, quando floresce no trabalho”, afirma o Papa Bergoglio.
É claro, salienta, “a pessoa não é só trabalho... Devemos pensar também na saudável cultura do ócio, de saber repousar. Isso não é preguiça, é uma necessidade humana. Quando eu pergunto a um homem, a uma mulher que tem dois, três filhos: ‘Mas, diga-me, você brinca com os seus filhos? Você tem esse ‘ócio’?’ – ‘É, você sabe, quando eu vou para o trabalho, eles ainda estão dormindo e, quando eu volto, já estão na cama.’ Isso é desumano”.
Por isso, “junto com o trabalho, também deve ir a outra cultura”. A pessoa “não é só trabalho”, insiste o papa, até porque “nem sempre trabalhamos e nem sempre devemos trabalhar. Quando crianças, não se trabalha e não se deve trabalhar. Não trabalhamos quando estamos doentes, não trabalhamos quando somos velhos. Há muitas pessoas que ainda não trabalham, ou que não trabalham mais”.
Tudo isso é bem sabido, mas é bom lembrar, especialmente em um mundo como o atual em que ainda há “demasiadas crianças e jovens que trabalham e não estudam, enquanto o estudo é o único ‘trabalho’ bom das crianças e dos jovens”. O mesmo mundo em que “nem sempre e nem a todos é reconhecido o direito a uma justa aposentadoria – justa porque não é nem pobre demais, nem rica demais”. Sem esquecer que, “quando um trabalhador adoece e é descartado também pelo mundo do trabalho em nome da eficiência”. Por outro lado, “se uma pessoa doente consegue, dentro dos seus limites, ainda trabalhar”, o trabalho desempenharia também “uma função terapêutica: às vezes, cura-se trabalhando com outros, junto com outros, para os outros”.
Neste emaranhado de limites e problemáticas, o drama mais sério, porém, é o do desemprego juvenil. Drama porque, para os jovens, o trabalho é um “dom”, o “primeiro dom dos pais e das mães aos filhos e às filhas, é o primeiro patrimônio de uma sociedade. É o primeiro dote com que os ajudamos a alçar o seu voo livre da vida adulta”.
Não só, “quando os jovens estão fora do mundo do trabalho, faltam às empresas energia, entusiasmo, inovação, alegria de viver, que são preciosos bens comuns que tornam melhor a vida econômica e a felicidade pública”, assegura Francisco. Então, é “urgente” – reitera – um “novo pacto social pelo trabalho”, que “reduza as horas de trabalho de quem está na última temporada de trabalho, para criar trabalho para os jovens que têm o direito-dever de trabalhar”.
O sindicato é a expressão do perfil profético da sociedade
Diante dessa tarefa, a CISL, como todo movimento sindical, tem dois “desafios epocais” a serem enfrentados e vencidos. O primeiro é o da “profecia”, que diz respeito à própria natureza do sindicato, que é “expressão do perfil profético da sociedade”. O sindicato, enfatiza Francisco, “nasce e renasce todas as vezes que, como os profetas bíblicos, dá voz a quem não a tem”, todas as vezes que “denuncia o pobre ‘vendido por um par de sandálias’”, que “desmascara os poderosos que pisoteiam os direitos dos trabalhadores mais frágeis”, que “defende a causa do estrangeiro, dos últimos, dos ‘descartados’”.
Infelizmente, porém, nas atuais sociedades capitalistas avançadas, “o sindicato corre o risco de perder essa sua natureza profética e de se tornar semelhante demais às instituições e aos poderes que, em vez disso, deveria criticar. O sindicato, com o passar do tempo, acabou se assemelhando demais à política ou, melhor, aos partidos políticos, à sua linguagem, ao seu estilo”, observa o pontífice. “Se falta essa típica e diferente dimensão, a ação dentro das empresas também perde força e eficácia.”
O segundo desafio é o da “inovação”. Como os profetas que “são sentinelas, que vigiam no seu posto de observação”, o sindicato também “deve vigiar sobre os muros da cidade do trabalho, como sentinela que olha e protege aqueles que estão dentro da cidade do trabalho, mas que olha e protege também aqueles que estão fora dos muros”.
De fato, o sindicato “não desempenha a sua função essencial de inovação social se vigia apenas aqueles que estão dentro, se protege somente os direitos de quem já trabalha ou está aposentado. Isso deve ser feito, mas é metade do trabalho de vocês”, explica Bergoglio. “A vocação de vocês também é proteger quem ainda não tem os direitos, os excluídos do trabalho que são excluídos também dos direitos e da democracia.”
Talvez, sugere o pontífice, se a nossa sociedade ainda não entende o sindicato é “porque não o vê lutando o suficiente nos lugares dos ‘direitos do ainda não’: nas periferias existenciais, entre os descartados do trabalho, entre os imigrantes, os pobres, que estão sob os muros da cidade”. Ou “não o entende simplesmente porque, às vezes a corrupção entrou no coração de alguns sindicalistas”.
“Não se deixem bloquear por isso”, é a advertência do bispo de Roma. É correto o fato de que “vocês estão se esforçando há muito tempo nas direções certas, especialmente com os migrantes, com os jovens e com as mulheres”. No entanto, é preciso fazer mais. Especialmente com as mulheres que – diz o papa, embora “poderia parecer superado” – “no mundo do trabalho, ainda são de segunda classe. Vocês poderiam dizer: ‘Não, existe aquela empresária, aquela outra...’. Sim, mas a mulher ganha menos, é mais facilmente explorada... Façam alguma coisa”.
“Habitar as periferias pode se tornar uma estratégia de ação, uma prioridade do sindicato de hoje e de amanhã”, conclui Francisco. “Não há uma boa sociedade sem um bom sindicato, e não há um sindicato bom que não renasça todos os dias nas periferias, que não transforme as pedras descartadas da economia em pedras angulares.”
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“Um novo pacto social pelo trabalho”: o apelo do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU