Por: Vitor Necchi | 27 Junho 2017
Nesta terça-feira, encerra-se um longo e violento ciclo da Colômbia, quando deve se concluir a entrega de cerca de 7 mil armas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC para uma comissão especial da Organização das Nações Unidas (ONU). Este episódio, crucial para a efetivação do acordo de paz firmado em novembro de 2016 entre o governo colombiano e as FARC, demarca o início da saída da clandestinidade e a reincorporação à vida civil desse contingente, depois de meio século em que o país viveu conflagrado. Estima-se que 40% dos artefatos ainda estava em posse dos guerrilheiros.
Por parte do governo, a condução do processo de pacificação coube ao filósofo e filólogo Sergio Jaramillo, que foi vice-ministro do atual presidente, Juan Manuel Santos, quando ele ainda era responsável pela pasta da Defesa no governo de Álvaro Uribe. Jaramillo, em entrevista para a BBC Mundo, enfatizou que é necessário distinguir duas etapas do que está em curso: uma é a deposição das armas, que considera um processo mais rápido; a outra, mais complexa e demorada, é a identificação civil dos homens e das mulheres que participavam da guerrilha e que agora receberão nova documentação.
Documento entregue para quem depõe as armas
O acordo de paz assinado no ano passado representou um avanço sem precedentes para o arrefecimento do ciclo de violência no país, que gerou o mais longo conflito civil do mundo. O Estado entende que a guerra com a organização está encerrada. Nesse sentido, o final do desarmamento representa um marco histórico, mas o ciclo do horror não se extinguiu por completo. Alguns atentados recentes indicam que a normalidade ainda não foi alcançada.
No dia 17 de junho, a explosão de uma bomba no banheiro feminino de um centro comercial no centro de Bogotá causou a morte de três mulheres e feriu mais de 10 pessoas, provocando pânico na capital do país. Nenhum grupo reivindicou a autoria do atentado, que ocorreu durante a implementação do acordo entre o governo e as FARC, quando 60% do armamento já havia sido entregue. Além disso, grupos contrários à pacificação seguem cometendo sequestros, e os traficantes declararam guerra à polícia em maio, a partir do momento em que ficaram encurralados pelas forças de segurança.
Como parte da estratégia de insurgência à tentativa de paz, o Clã do Golfo – o mais articulado dos grupos armados que produzem coca, em operação desde 2006 – promete o equivalente a 700 dólares de recompensa a cada policial assassinado. Já conseguiram eliminar nove agentes e ferir 37. Na análise do governo, isso é uma resposta dos criminosos ao avanço das forças públicas de segurança. No imaginário da população, mantidas as proporções distintas, é inevitável que a remuneração de sicários lembre os tempos de Pablo Escobar, nos anos 1980.
A reconciliação é o objetivo do governo, em um momento em que a sociedade está bastante polarizada, pois muitos se posicionaram contrários ao diálogo com as FARC, a exemplo dos ex-presidentes Álvaro Uribe e Andrés Pastrana. Ambos se encontram à frente de uma coalização que mira as eleições de 2018 e que pretende se sedimentar a partir de quem votou “não” no plebiscito que tentou aprovar sem sucesso, em 2 de outubro do ano passado, a proposta do governo para encerrar o conflito com as FARC. A derrota do “sim” não impediu que governo e FARC prosseguissem com as tratativas.
É buscando a conciliação de um país cindido que o papa Francisco viajara para a Colômbia em setembro. Na ocasião, presidirá um grande encontro de oração em Villavicencio, capital do departamento de Meta, situada no centro do país, região que nas últimas décadas foi uma das mais afetadas pela guerrilha e pela produção de coca. No roteiro de quatro dias do pontífice, estão previstas passagens por Bogotá, Medellín e Cartagena.
As FARC, inicialmente formadas por camponeses, deflagraram em 1964 uma guerra civil contra forças conservadoras que eram responsabilizadas pela grave situação social e econômica pela qual o país passava. Na sua origem, estava a disputal pela terra, no rastro dos conflitos motivados pela reforma agrária a partir de 1948. Nos anos 1960 e 1970, a separação ideológica do mundo em dois blocos se reproduziu na contenda: de um lado, comunistas guerrilheiros, do outro, governos que encarnavam o capitalismo e milícias armadas mantidas por fazendeiros. Nos anos 1980, as FARC começaram a se envolver com o narcotráfico que, juntamente com o garimpo ilegal e com os sequestros, financiavam as operações. O resultado de décadas de combates é trágico: 8 milhões de pessoas atingidas, 220 mil mortos, 45 mil desaparecidos. Agora, em tempos de concretização da paz, cada guerrilheiro receberá um certificado de que entregou seu armamento, e os artefatos recolhidos originarão três monumentos que serão instalados em Bogotá, em Havana (Cuba), onde as negociações ocorreram durante quatro anos, e na sede da ONU, em Nova York (EUA).
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Deposição de armas das FARC é ponto crucial do acordo de paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU