Por: Vitor Necchi | 15 Mai 2017
O papel das plataformas digitais para articulação de movimentos sociais foi o tema da conferência As sociabilidades virtuais glocalizadas na metrópole. Experiências da periferia de Recife, proferida pelo professor Breno Fontes, da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, no dia 3 de maio, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A atividade integra o 5º Ciclo de Estudos: Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo – A centralidade das periferias brasileiras.
Em sua palestra, Fontes explicou alguns conceitos que, na sequência, subsidiaram a apresentação de uma pesquisa empírica que desenvolveu relacionada às potências mobilizatórias do movimento social urbano de Recife. Inicialmente, tratou da popularização da internet, fenômeno determinante para se compreender a maneira e a intensidade com que o ativismo político vem ocorrendo.
Conforme Fontes, as análises eram tradicionalmente feitas “a partir da observação de acontecimentos que pouco ultrapassavam os limites territoriais das comunidades locais”. E, se ultrapassassem, era decorrência das sociabilidades primárias. A partir da disseminação da internet, tornou-se necessário perguntar quais questões importantes devem ser acrescentadas aos quadros de análise até então vigentes.
Fontes listou as primeiras manifestações em que o midiativismo se revelou determinante para o alcance dos protestos: o movimento Zapatista, em 1994, no episódio que ficou conhecido como Revolta de Chiapas; as manifestações contra a Organização Internacional do Comércio e anti-globalização durante o encontro realizado em Seattle (EUA), em 1999; o movimento ecológico; e as diversas edições do Fórum Social Mundial.
Na esteira desses processos, na primeira década do século 21, surgiram novas possibilidades para práticas de sociabilidade por meio de plataformas digitais, com recursos para comunicação interpessoal e construção de campos de interação on-line. Essa mobilização permitiu a promoção de debates e a deliberação pública sobre agendas de interesses comuns. “Fala-se em uma ágora eletrônica que, tal como nos espaços públicos da Grécia Clássica, torna possível discutir e deliberar sobre as questões de interesse público”, compara Fontes.
A mobilização resultante do debate e da deliberação pública sobre agendas de interesse comum começa dispersa em redes formadas na internet que contavam com a animação de organizações não governamentais e movimentos sociais locais. “Este movimento toma uma dimensão inédita à medida em que, a partir de maior densidade comunicativa entre plataformas antes desordenadas, inicia-se um grande debate nacional sobre o fracasso do modelo político-partidário e as possíveis alternativas para a democracia espanhola”, avalia. Isso reflete nas ruas. Grandes assembleias – como as reuniões na Plaza Mayor, em Madri – passam a ocorrer em consequência à mobilização desencadeada a partir da internet, em especial por meio do Twitter.
O que era visto em outros países, chega ao Brasil: “a articulação de pessoas passou a ser intensamente organizada via redes sociais virtuais”. Nesse contexto, surgem as manifestações de junho de 2013. No entendimento de Fortes, esses movimentos se caracterizaram pela ausência de partidos e por ser uma multidão que não tinha agenda objetiva. Eram pequenos grupos organizados com bandeiras e cartazes os mais diferentes possíveis. “Havia uma malaise, um sentimento de que tinha que mudar, mas nada além disso. Isso motivou o aparecimento de pequenos grupos com reivindicações espontâneas e isoladas”, observa. “Mostraram uma certa falência das instituições políticas tradicionais, como partidos e sindicatos, em mobilizar.”
Por outro lado, os movimentos contemporâneos conseguem mobilizar as pessoas e organizar atos por meio de plataformas digitais, estabelecendo um novo padrão se comparados ao que ocorria antes da disseminação da internet, quando a comunicação centrava-se em “articulações intermediadas por contato face a face, propaganda impressa ou, eventualmente, veiculação pela mídia tradicional (escrita e televisiva)”.
Embora os movimentos sociais tenham processamentos distintos nos ambientes digitais e off-line, Fontes ressalva que “o ativismo digital implica em variáveis bastante próximas àquelas que explicam as práticas de participação em movimentos sociais não ancorados na web, como campos de sociabilidade e estruturas reticulares, fatores psicológicos, cálculo de oportunidade para a ação, entre outros”. Por conta disso, deixa de se verificar uma distinção rígida entre os mundos digital e off-line. “Há uma fetichização do mundo digital, como se fosse autônomo às interações off-line. Não é”, destaca. O ativismo digital também potencializa que as práticas locais repercutam para além do território de atuação, gerando efeitos políticos mais amplos, o fenômeno chamado de glocalização. Isso tem chamado a atenção de cientistas sociais, observa o professor.
Fontes afirmou que “uma rede pode ser interpretada como uma metáfora para se observar padrões de interação entre pessoas e sua inserção em círculos sociais, podendo ser vista a partir de laços entre dois indivíduos”. Nas redes, as conexões se adaptam, pois são complexas, instáveis e plásticas. Contrariando o que muitos afirmam, se mostram extremamente heterogêneas. Também são assimétricas e produzem poder, explica o palestrante, destacando que isso dá chaves para se compreender movimentos sociais e ativismo.
Dentro de uma rede social, percebe-se uma tensão entre a mobilização e a coordenação, que são “forças presentes e com grau de importância, maior ou menor, na ação coletiva”. Um coletivo, mesmo que seus integrantes tenham o mesmo objetivo, é insuficiente para promover ação coletiva, pois ela “depende de fatores como a capacidade de mobilização de recursos, os custos, o empenho dos atores envolvidos na ação e um discurso sólido e convincente”.
Para que os objetivos sejam alcançados, lideranças têm papel importante, porque aplicam seus recursos (conhecimento, experiência, materiais etc.) para fomentar a ação colaborativa dos integrantes da rede. Fontes considera que as lideranças são pontes entre os movimentos e outras esferas da sociedade, pois, ao mesmo tempo em que são lideranças em uma rede no Facebook, por exemplo, estão inseridos na sociedade civil.
Para ilustrar os processos apresentados, Fontes apresentou alguns dados da investigação que desenvolveu sobre as lideranças do grupo Direitos Urbanos no Recife, que promove ativismo cibernético, conta com mais de 31 mil membros e articula discussões e mobilizações, alcançando projeção para além do território da cidade onde atua. O professor destaca que o exemplo mais interessante desta glocalização verificou-se com o movimento Ocupe Estelita, desencadeado pelo grupo contra o processo de especulação imobiliária e gentrificação que ameaçou a área do cais em Recife.
Entre as características do Direitos Urbanos, está o fato de que “os laços on-line de seus participantes se sobrepõem aos estabelecidos em contatos face a face”. A transterritorialidade é um fator importante. Em sua articulação, o grupo promove as agendas centrais do movimento, comunicando-se com a esfera pública e seus diversos atores, entre eles imprensa, movimentos sociais e sindicatos. Os líderes são importantes porque estabelecem “pontes entre diversos campos reticulares, permitindo a mobilização de atores variados”. Na internet, o Direitos Urbanos aglomera diferentes demandas de distintos campos da sociedade e estabelece um inimigo comum, no caso, as empreiteiras e o poder público.
De maneira preliminar, Fontes aponta algumas conclusões de sua pesquisa. “As ações coletivas mediadas pela internet vêm se constituindo em importantes práticas, articulando novas formas de comunicação com as práticas tradicionais de mobilização”, afirma. No caso do Ocupe Estelita, trata-se de uma agenda de forte caráter local, mas, em sua essência, trata de uma oposição a “projetos urbanísticos que produzem segregação espacial”, o que potencializa que reverbere para outros territórios. Um exemplo pode ser verificado em Porto Alegre, onde ativistas que se opõe ao projeto desenvolvido pela prefeitura para o Cais Mauá citam a experiência do Ocupe Estelita. As ações do Direitos Urbanos, em Recife, “podem reverberar para outros territórios, provocando impactos midiáticos fortemente favoráveis ao pensar urbano”. Para Fontes, “ultrapassam o território original, glocalizando-se”.
O professor lembra que parte importante da literatura sobre movimentos sociais é construída para análise de ações coletivas tradicionais, face a face, com forte conteúdo territorial. “Agora temos um desafio a enfrentar, o de compreender, de um lado, como as mobilizações mediadas pela internet acontecem e, de outro, como essas práticas se comunicam com as tradicionais”, projeta Fontes. Ele conclui dizendo que é preciso se pensar, metodologicamente, como estudar o fenômeno sobre o qual, por ser novo, não há consenso em como ser trabalhado.
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Internet potencializa experiência de movimentos sociais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU