09 Mai 2017
Quando o presidente Donald Trump e o Papa Francisco se encontrarem no Vaticano no dia 24 de maio, estaremos diante de um caso de contrastes: Francisco, o homem da simplicidade e humildade, Trump um ícone bombástico. No entanto, ambos compartilham uma série surpreendente de traços, os quais sugerem que talvez eles podem se dar bem rapidamente apesar de todos os sentidos em que parecem ser de planetas diferentes.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 07-0-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Recentemente o Papa Francisco reuniu-se os responsáveis pelo setor de comunicações do Vaticano, instando-os a usarem “um pouco de ‘violência’, mas boa, violência boa” a fim de criar formas mais eficazes de difundir a mensagem da Igreja.
Se o Vaticano quer de fato pensar fora da caixa, aqui vai uma sugestão: em vez de agir por trás de portas fechadas como de costume, transforme o encontro entre o Papa Francisco e o presidente Donald Trump, no dia 24 deste mês, em um evento massivo global com a opção de Pay-Per-View.
Em primeiro lugar, Trump iria adorar e, em segundo lugar, provavelmente o déficit anual do Vaticano deixará de existir com as receitas advindas, pois o evento seria imperdível.
É verdade: muito provavelmente isso não vai acontecer. No entanto, temos a informação de que o encontro será realizado, visto que o Vaticano o confirmou na quinta-feira da semana passada – os dois irão se encontrar no Vaticano, quarta-feira, 24 de maio, às 8h30, horário de Roma.
Até lá, as próximas três semanas estarão repletas de reportagens e comentários sobre Francisco e Trump em seus contrastes: Francisco, o progressista do terceiro mundo, uma pessoa de paz e diálogo; e Trump, o ferrenho apóstolo do “América em primeiro lugar”.
Listas de coisas sobre as quais os dois não se combinam circularão: imigração, alívio aos pobres, mudança climática, comércio de armas, e assim por diante, coisas que ressaltam contrastes óbvios entre o presidente e o papa. Mais que isso, Francisco recentemente contou a jornalistas a bordo do avião papal que o trouxe do Egito que ele apoia uma solução diplomática negociada para a crise com a Coreia do Norte, solução baseada na “força da lei, e não na lei da força”. Então podemos imaginar que este assunto venha à tona na conversa entre eles também.
Um outro contraste óbvio é que, enquanto Francisco continua com uma alta popularidade na maior parte do mundo, Trump vem estabelecendo recordes negativos para os presidentes no início de seu mandato.
Nesse ínterim, porta-vozes e autoridades com um interesse investido em melhorar a imagem das coisas irão enfatizar os modos em que os EUA e a Santa Sé já cooperam – e há vários exemplos, numa ampla variedade de frentes – e também ressaltarão temas onde Trump e Francisco podem encontrar um denominador comum, tais como a agenda pró-vida, a liberdade religiosa, a defesa dos cristãos perseguidos no Oriente Médio, e assim por diante.
As relações, entretanto, não se compõem apenas de assuntos em comum, mas também de personalidades. Aqui, num primeiro olhar, Trump e Francisco parecem dois polos opostos: Francisco, o homem da simplicidade e humildade; Trump, um ícone bombástico.
Sob um olhar mais próximo, no entanto, Trump e Francisco compartilham semelhanças surpreendentes.
Em primeiro lugar, ambos foram considerados apostas implausíveis antes de chegar ao poder, e ambos desafiaram as probabilidades.
Ambos igualmente concorreram como figuras antiestablishment prometendo abalar as formas arraigadas de fazer negócios. (É verdade, candidatos papais não “concorrem” da mesma forma que candidatos presidenciais, mas leiamos o discurso do então Cardeal Jorge Mario Bergoglio proferido durante os encontros da congregação geral antes do conclave de 2013, e encontraremos uma declaração visionária não muito diferente de um discurso de campanha política.)
Tanto Trump como Francisco descobriram que criticar pessoas que ocupam espaços burocráticos os quais estão tentando liderar é um negócio complicado, um pouco como tentar mudar as regras durante o jogo, e tanto um quanto o outro se depararam com um grau de resistência interna com o qual ainda estão se debatendo.
Tanto Trump como Francisco são populistas, vendo as suas legitimidades como advindas do povo, ao invés das elites, e ambos se orgulham do fato de que as elites tendem a vê-los com suspeita: no caso de Trump, é o establishment da imprensa e da intelligentsia progressista, enquanto que para Francisco são os teólogos, canonistas e liturgistas, especialmente aqueles atraídos pelos pontos encantadores da lei.
Tanto Trump como Francisco são também, de diferentes modos, líderes teimosos. É verdade, ao explicar a sua aparente mudança de opinião no caso da Síria, Trump elogiou a si mesmo por sua flexibilidade, tentando, em outras palavras, transformar a inconsistência em virtude. No entanto, os dois são plenamente capazes de fincar o pé e recusar repensar uma decisão uma vez que foi tomada, independentemente das circunstâncias. (Com Francisco, por exemplo, temos a nomeação que fez de um bispo no Chile, que, depois, acabou revelando-se um apologista do padre pedófilo mais notório do país. Apesar de uma avalanche de protestos, Francisco não só não rescindiu a nomeação, ele acusou os críticos de “ingênuos” e de estarem sendo levados pelos “esquerdistas”.)
É preciso dizer também que ambos são personalidades públicas cativantes, e quer gostemos deles ou não, não podemos ignorá-los. Com razão, somente Vladimir Putin neste momento estaria à altura para competir como o líder mundial mais fascinante e polêmico.
Finalmente, tanto Trump como Francisco são figuras polarizadoras, que geraram uma divisão de opinião marcadamente aguda dentro dos seus domínios.
Nos círculos católicos, muitos conservadores passam os dias aguardando a próxima afronta papal sobre a qual atacar, competindo uns com os outros nas mídias sociais para ver quem consegue escrever o comentário mais sarcástico. Já os católicos mais progressistas, por outro lado, adotam em conjunto que qualquer crítica a Francisco qualifica automaticamente o sujeito como membro de uma “ampla conspiração da direita” para subverter o pontífice.
Da mesma forma com Trump, admitir qualquer virtude em seu governo acaba sendo considerado, pela maioria dos progressistas, como uma cooperação material com o mal, enquanto apontar para qualquer vício é um anátema para os apoiadores de Trump (e, devemos dizer, muitas vezes para o próprio Trump).
Nada disso, evidentemente, altera o fato de que, na maioria dos casos, Trump e Francisco são pessoas extremamente diferentes – históricos diferentes, agendas diferentes, visões diferentes de si mesmos e dos outros.
Apesar de tudo, tanto Francisco como Trump provavelmente reconhecem que os EUA são a potência “dura” mais importante do mundo e que o Vaticano é a sua potência “suave”, portanto é de interesse destes dois líderes darem-se bem. Mais que isso: Trump tem um motivo político evidente ao ser visto como alguém que leva o papado a sério, dado que os eleitores religiosos fizeram parte da razão de sua vitória em novembro.
No nível pessoal, ainda que não sejam tão parecidos assim, os paralelos nas circunstâncias e personalidades sugerem que eles podem se entender rapidamente, apesar de que Trump seja de Marte e Francisco de Vênus.
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Apesar de tudo, Francisco e Trump podem se dar bem rapidamente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU