25 Abril 2017
"É preciso um novo ponto de mutação em sentido reverso. Do crescimento demoeconômico para o decrescimento demoeconômico. A humanidade precisa sair do déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio significará também um suicídio para a humanidade. A atual escala da presença humana na Terra é insustentável", adverte José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 24-04-2017.
Eis o artigo.
“Por mim ficaria contente se todos os prados do mundo ficassem em estado selvagem
como consequência das iniciativas dos homens para se redimirem”
Duzentos anos do nascimento de Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862)
Exatamente na semana do Dia da Terra e quando se realizou em todo mundo a Marcha pela Ciência (dia 22/04/2017), o mundo atingiu novo recorde no efeito estufa. A concentração de CO2 na atmosfera chegou a 410 partes por milhão (ppm), segundo dados da NOAA. É o maior índice dos últimos três milhões de anos.
No curto prazo, como a concentração de CO2 segue um padrão sazonal, com pico (valor máximo) nos meses de maio e vale (valor mínimo) em setembro, é de se esperar que a concentração fique próxima ou acima de 410 ppm em maio de 2017, caia entre junho e setembro, mas volte a subir com força a partir de outubro de 2017. Foi assim com o limiar de 400 ppm, atingido, primeiramente, em alguns dias de maio de 2013.
Em 2015, a marca das 400 ppm foi ultrapassada em 8 dos 12 meses, sendo fevereiro (400,28), março (401,54), abril (403,28), maio (403,96), junho (402,80), julho (401,31), novembro (400,16) e dezembro (401,85). Na média anual, 2015 foi o primeiro ano a ultrapassar a barreira simbólica, marcando a cifra de 400,83 ppm. O ano de 2016 foi o primeiro a ultrapassar a marca de 400 ppm em todos os meses e em todas as semanas. Somente no dia 29 de agosto a concentração de CO2 ficou abaixo da marca histórica e marcou 399,46 ppm. Nos demais 364 dias do ano, a concentração se manteve acima de 400 ppm, com o recorde no dia 10 de abril com 409,34 ppm.
O ano de 2017 começou com concentração de 406,36 ppm, no dia 01 de janeiro. A média do mês de janeiro foi de 406,13 ppm. A média do mês de fevereiro de 2017 foi de 406,42 ppm. O mês de março teve média de 407,2 ppm. A semana de 9 a 15 de abril de 2017 teve a marca semanal de 408,85 ppm e a semana de 16 a 22 de abril de 2017 teve a marca recorde semanal de 409,61 ppm. Assim, o mês de maio de 2017 pode ter média acima de 410 ppm.
Portanto, esse limiar histórico acontece apenas 4 anos após ter sido atingido o recorde mensal de 400 ppm, em 2013. O ritmo de subida na última década tem sido algo em torno de 2,5 ppm por ano. Isto significa que, mantida as atuais tendências, a concentração de CO2 pode ultrapassar 600 ppm em 2100. Isto seria catastrófico, pois aceleraria a desintegração do permafrost (solo congelado do Ártico) e aumentaria o degelo do Ártico, Antártica, Groenlândia e dos Glaciares, podendo elevar o nível do mar em vários metros em poucos séculos.
Nos 800 mil anos antes da Revolução Industrial e Energética a concentração de CO2 estava abaixo de 280 ppm, conforme mostra o gráfico abaixo da NOAA. As medições com base no estudo do gelo, mostram que em 1860 a concentração atingiu 290 ppm. Em 1900 estava em 295 ppm. Chegou a 300 ppm em 1920 e atingiu 310 ppm em 1950. Com base nos dados do laboratório de Mauna Loa, constata-se que a concentração de CO2 na atmosfera, na média mensal, chegou a 399,76 partes por milhão (ppm) em maio de 2013 e agora, em 2017, chega aos 410 ppm.
O dramático é que a coisa não para por aí. Artigo de Gavin L. Foster e colegas, publicado na Nature Communications (04/04/2016) mostra que o mundo caminha para um efeito estufa potencial sem precedentes nos últimos 420 milhões de anos, como mostra o gráfico abaixo. Os atuais níveis de dióxido de carbono são inéditos na história humana e estão no caminho certo para subir a alturas ainda mais sinistras em apenas algumas décadas. Se as emissões de carbono continuarem em sua trajetória atual, a atmosfera poderia atingir um estado não visto em 50 milhões de anos. Naquela época, as temperaturas eram até 10° C mais quentes e os oceanos eram dramaticamente mais altos do que hoje. A pesquisa que originou o artigo compilou 1.500 estimativas de dióxido de carbono para criar uma visão que se estende por 420 milhões de anos. A civilização pode estar criando uma situação catastrófica.
Assim, o mundo corre sério perigo. O aumento da concentração de CO2 na atmosfera contribuiu para o fato dos anos de 2014, 2015 e 2016 terem sido os mais quentes já registrados e aponta para novos recordes futuros de aquecimento. O efeito estufa trará custos enormes e as sociedades podem não estar preparadas para pagar o alto preço de limpar no futuro a sujeira feita no passado e no presente.
O nível minimamente seguro de concentração atmosférica é de 350 ppm. Assim, o mundo vai ter não só de parar de emitir gases de efeito estufa (GEE) como terá que fazer “emissões negativas”, ou seja, terá que sequestrar carbono e fazer uma limpeza da atmosfera. O custo deste processo será muito mais caro do que o custo de reduzir as emissões.
Superar a era dos combustíveis fósseis e fazer uma mudança da matriz energética é um passo fundamental. Mas a lentidão da redução da queima de energia fóssil pode levar o mundo ao caos climático. Além disto, as demais atividades antrópicas também emitem GEE. Por exemplo, a pecuária é grande emissora de gás metano que é pelo menos 21 vezes mais poluente do que o CO2. E uma grande ameaça que se agrava com o processo de degelo é a “bomba de metano” que existe no permafrost.
Artigo de Eric Roston e Blacki Migliozzi, na Bloomberg (19/04/2017) mostra que a temperatura do Ártico aumentou muito mais do que a temperatura média global. Em relação à média de 1981-2010 a temperatura global aumentou 1º C e a do Ártico aumentou 2º C. Isto gera um efeito feedback positivo, ou seja, o degelo do permafrost libera CO2 e metano, aumentando o efeito estufa e acelerando o degelo.
Artigo de Bob Berwyn, no site InsideClimate, mostra que grandes terrenos de permafrost do ártico ao noroeste do Canadá estão se desintegrando, enviando grandes quantidades de lama e sedimentos ricos em carbono em riachos e rios. Um novo estudo que analisou quase um milhão de quilômetros quadrados no noroeste do Canadá descobriu que esta degradação do permafrost está afetando 52 mil quilômetros quadrados daquele vasto trecho de terra e podem sufocar a vida a jusante, até onde os rios descarregam para o Oceano Pacífico, além de acelerar a concentração de GEE na atmosfera. A liberação do CO2 e do metano existente nos solos congelados pode tornar o efeito estufa uma bomba incontrolável, como existia há 200 milhões de anos, quando a biodiversidade da Terra era muito menor do que a atual.
O derretimento do permafrost pode ser uma nova “Caixa de Pandora” (deixando escapar todos os males do mundo, menos a esperança). Segundo a BBC, Batagaika, uma gigantesca cratera, emerge de forma dramática na floresta boreal da Sibéria à medida que o permafrost – tipo de solo que está sempre congelado – derrete como efeito do aquecimento global. As camadas de sedimento expostas revelam como era o clima na região há 200 mil anos. Resquícios de árvores, pólen e animais indicam que, no passado, a área foi uma densa floresta. Esse registro geológico pode ajudar a compreender como será, no futuro, a adaptação da região ao aquecimento global. E, ao mesmo tempo, o crescimento acelerado da cratera é um indicador imediato do impacto cada vez maior das mudanças climáticas no degelo do permafrost.
Ainda segundo a BBC, a cratera Batagaika pode oferecer lições cruciais, em especial sobre os mecanismos que aceleram o aquecimento em áreas de permafrost. À medida que o degelo avança, mais e mais carbono é exposto a micróbios. Estes micro-organismos consomem carbono e produzem dióxido de carbono e metano – gases causadores do efeito estufa. O metano é capaz de acumular 72 vezes mais calor que o dióxido de carbono num período de 20 anos. Além disso, os gases liberados pelos micróbios na atmosfera aceleram ainda mais o aquecimento. É o que se chama de ‘feedback positivo’, como explica o cientista Frank Gunther, do Instituto Alfred Wegener: “O aquecimento acelera o aquecimento e, no futuro, poderemos ver mais estruturas como a cratera de Batagaika”.
Tudo isto foi confirmado no artigo “Methane Hydrate: Killer cause of Earth’s greatest mass extinction” (Uwe Branda et. al., 2016) publicado na prestigiosa revista Palaeoworld, em dezembro de 2016. A mensagem é clara: “O aquecimento global provocado pela liberação maciça de dióxido de carbono pode ser catastrófico. Mas a liberação do hidrato de metano pode ser apocalíptica”.
A pior extinção em massa da Terra foi causada por mudanças climáticas descontroladas. O evento de extinção em massa do Permiano-Triássico (também conhecida como a Grande Agonia) ocorreu há aproximadamente 250 milhões de anos e eliminou 96% da vida marinha e 70 por cento da vida em terra. O artigo confirma que a causa deste evento foi o crescente nível de dióxido de carbono e metano que desencadeou o aquecimento global. Em artigo anterior (Alves, 03/04/2017) relatei reportagem do jornal “The Siberian Times” que revelou como a alta temperatura do verão derreteu o permafrost causando a liberação de gases congelados no solo. Portanto, o efeito retroalimentação já é real e está acelerando o aquecimento global.
Artigo de David Lamb, na CBC News (17/04/2017), mostra que o Canadá está derretendo. O permafrost no norte do país está descongelando a um ritmo cada vez mais rápido. Metade do Canadá é coberta em alguma forma de permafrost, incluindo remendos nos trechos do norte de Ontário e as províncias da pradaria. Muitos terrenos estão afundando e levando para o fundo as benfeitorias.
Reportagem do jornal El Pais, mostra como o derretimento acelerado de uma das maiores geleiras do rio Yukon, localizado no noroeste do Canadá, provocou o desaparecimento de outro rio em apenas quatro dias, segundo artigo publicado na segunda-feira pela revista Nature Goeoscience. A água se desviou totalmente para outro leito, no que os cientistas consideram como o primeiro caso observado de “pirataria fluvial” repentina. Os especialistas que documentaram o fenômeno, ocorrido na primavera de 2016, consideram o incidente como um exemplo inquietante de como o aquecimento global está modificando drasticamente a geografia do planeta.
Artigo de Naia Carlos em Nature World News (03/04/2017) descreve uma cratera do deserto de Karakum do Turcomenistão, conhecida como “Porta para o Inferno” – apelido da Cratera Darvaza – que tem sido queimada por quase meio século. De acordo com um relatório da National Geographic a fogueira misteriosa, que é tão grande quanto um campo de futebol, surgiu do produto de um acidente de perfuração na exploração de petróleo e gás.
Um novo estudo publicado na Revista Nature Climate Change (2017), aponta que o permafrost é mais sensível aos efeitos do aquecimento global do que se pensava anteriormente, pois cerca de 4 milhões de quilômetros quadrados de solo congelado poderiam ser perdidos a cada grau de aumento do aquecimento global. Esta área é equivalente à soma das regiões brasileiras Sul (576.774,3 km2), Sudeste (924.620,7 km2), Nordeste (1.554.291,7 km2) e Centro-Oeste (1.606.403,5 km2). As estimativas dizem que há mais carbono contido no permafrost congelado do que aquele concentrado na atmosfera.
Por conta de tudo isto e do efeito “feedback positivo”, o livro Enough is Enough (2010) mostra que uma economia em constante crescimento está destinada ao fracasso, pois aumenta as tendências entrópicas das atividades antrópicas. Os autores consideram que a economia é um subsistema da ecologia e o transumo (throughput) funciona a partir da extração de matérias e energias da natureza e o descarte de lixo, poluição e resíduos sólidos no meio ambiente. Uma vez que vivemos num planeta finito, com espaço e recursos limitados e sobre os efeitos físicos da entropia não é possível que a economia e a população cresçam para sempre. O livro defende uma economia de Estado Estacionário.
A humanidade aumentou tanto a quantidade de intervenções antrópicas no Planeta que houve uma mudança qualitativa do superávit para o déficit ambiental. A partir de um certo grau de desenvolvimento econômico houve um ponto de mutação (state shift) e os danos ficaram maiores do que os ganhos. O abuso suplantou o uso no modelo de crescimento ilimitado e de progresso unidimensional.
Desta forma, é preciso um novo ponto de mutação em sentido reverso. Do crescimento demoeconômico para o decrescimento demoeconômico. A humanidade precisa sair do déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio significará também um suicídio para a humanidade. A atual escala da presença humana na Terra é insustentável. Aumentar esta escala é irracional e arriscado. Assim, o raciocínio auto-evidente indica que é inviável manter o crescimento da população humana com base na redução populacional das demais espécies e no definhamento dos ecossistemas e da biodiversidade. É impossível uma espécie ser feliz sozinha!
Portanto, o mundo está num beco sem saída. Quanto mais avança com o crescimento econômico e o desenvolvimento das atividades antrópicas mais acontece as emissões de GEE. Os benefícios do desenvolvimento são colhidos hoje pela humanidade, mas os prejuízos para a biodiversidade estão aumentando de forma exponencial e os custos humanos serão pagos pelas novas gerações. As crianças e os jovens de hoje vão pagar um alto preço nas próximas décadas se a concentração de CO2 não voltar para o nível de 350 ppm.
Como mostrou Charles St. Pierre (16/11/2016), tratando da armadilha do crescimento, todo sistema econômico e todo sistema auto-organizado que não se autolimita dentro das fronteiras estabelecidas pelo seu meio ambiente, cresce até exceder a capacidade do ecossistema para apoiá-lo e sustentá-lo. Em seguida, ele colapsa.
Assim, é urgente dar uma meia volta nas tendências de emissões de GEE e no fenômeno de poluição crescente do solo, das águas e do ar e iniciar um processo de decrescimento demoeconômico para que a humanidade respeite os limites planetários e a capacidade de carga no Planeta. O caminho atual é insustentável e a civilização está avançando rumo ao precipício. Hoje, o mundo já caminha para a 6ª extinção em massa das espécies. As mudanças climáticas, num futuro não muito distante, podem levar ao caos no Planeta.
O colapso ambiental, e consequentemente da economia moderna, será catastrófico para bilhões de pessoas e para a sociedade que, ao longo do tempo, se enriqueceu às custas do empobrecimento do meio ambiente.
Referências:
ALVES, JED. A liberação do metano ártico pode criar um cenário apocalíptico, Ecodebate, RJ, 03/04/2017
ALVES, JED. Os riscos ambientais e a queda da natalidade, Ecodebate, RJ, 20/07/2016
Uwe Branda et. al. Methane Hydrate: Killer cause of Earth’s greatest mass extinction, Palaeoworld, Volume 25, Issue 4, Pages 496–507, December 2016
O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010.
BOB BERWYN. Massive Permafrost Thaw Documented in Canada, Portends Huge Carbon Release, INSIDECLIMATE NEWS, 28/02/2017
Charles St. Pierre. The Growth Trap, Resilience, 16/11/2016
Naia Carlos. Turkmenistan’s Mysterious ‘Door to Hell’ Has Been in Flames for Over 40 Years, Nature World News, 03/04/2017
Brian Kahn. The Climate Could Hit a State Unseen in 50 Million Years, Climate Central, 04/04/17
Gavin L. Foster, Dana L. Royer & Daniel J. Lunt. Future climate forcing potentially without precedent in the last 420 million years, Nature Communications 8, Article number, 04/04/2016
S. E. Chadburn, E. J. Burke, P. M. Cox, P. Friedlingstein, G. Hugelius & S. Westermann. An observation-based constraint on permafrost loss as a function of global warming. Nature Climate Change, 2017
David Michael Lamb. ‘It scares me’: Permafrost thaw in Canadian Arctic sign of global trend, CBC News, Apr 17, 2017
Eric Roston, Blacki Migliozzi. How a Melting Arctic Changes Everything, Bloomberg, 19/04/2017
Roz Pidcock. Warming Limit of 1.5C Would ‘Save’ Huge Expanses of Permafrost, Study Says, Carbon Brief, April 19, 2017
EL PAÍS. Derretimento de geleira faz rio do Canadá desaparecer em quatro dias. Madrid 18 abr, 2017
Natasha Geiling. The Earth just reached a CO2 level not seen in 3 million years, 21/04/2017
NOAA. History of atmospheric carbon dioxide from 800,000 years ago until January, 2016.
NOAA, Trends in Atmospheric Carbon Dioxide
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Concentração de CO2 na atmosfera chega a 410 ppm - Instituto Humanitas Unisinos - IHU