20 Abril 2017
Na feira “Tempo di Libri”, em Milão, não poderia faltar o Livro dos livros. Sobre ele, quem falará, dentre outros, será a pastora e teóloga batista Lidia Maggi, uma das figuras mais conhecidas do diálogo ecumênico na Itália. Na sexta-feira, 21 de abril, no estande da Uelci, ela apresentará o seu livro Fare strada con le Scritture (Ed. Paoline, 192 páginas), centrado no vínculo indissolúvel que existe entre o relato bíblico e a experiência, não necessariamente metafórica, da viagem.
A entrevista é de Alessandro Zaccuri, publicada no jornal Avvenire, 19-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas, na feira, também está disponível outra novidade, da qual Lidia Maggi é autora junto com Angelo Reginato: trata-se de Vi affido alla Parola. Il lettore, la chiesa e la Bibbia (Ed. Claudiana, 148 páginas), volume conclusivo de uma trilogia que compreende Dire fare baciare... (2012) e Liberté, egalité, fraternité (2014). Que os títulos não levem ao engano. Estamos sempre falando da Bíblia e da relação que o leitor é chamado a entreter com esse livro inesgotável. “Mesmo que, com efeito, o âmbito seria ainda amplo”, explica Lidia Maggi.
Eis a entrevista.
A que você se refere?
Àquilo que o ato da leitura significa ou não significa mais na nossa sociedade. Como biblistas, percebemos que ensinar o conteúdo das Escrituras não é mais suficiente. É preciso descer profundamente, demonstrar como a leitura não se esgota em reconhecer e decodificar os caracteres das palavras individuais. Uma consciência que falta e que nós tentamos recuperar, baseando-nos na Bíblia, em um percurso que, a partir de uma gramática da leitura, permita fazer das Escrituras um instrumento de compreensão e de interpretação da realidade. Chega-se, assim, à dimensão comunitária, que se traduz na busca do leitor implícito ao qual a Bíblia se refere.
Leitor implícito?
Tomemos os Evangelhos: cada um está destinado a uma Igreja particular ou melhor, a uma ideia particular de Igreja, mas que não encontra correspondência na nossa contemporaneidade. O cristão é chamado a se deixar interrogar por essa discrepância, na tentativa de diminuir as distâncias entre o leitor que a Palavra invoca e o leitor que nós somos hoje.
Somos realmente tão distraídos?
Mais vorazes do que distraídos, eu diria, e talvez isso seja ainda pior. Veja, o problema não é o que se lê, mas como. A minha impressão é que, sim, talvez, na Itália, lê-se pouco demais. Certamente, lê-se mal. Ingerem-se informações, devoram-se emoções até ficar enjoado. A leitura, na sua conformação mais autêntica, é algo muito diferente. Cada vez que lemos, é como se fôssemos lidos pelo livro que escolhemos. Isso nos leva a repensar o modo em que habitamos a vida e a redesenhar o percurso que estamos traçando na vida.
Isso vale particularmente para a Bíblia?
Certamente, e é por isso que a imagem da viagem é tão importante. Veja, uma das maiores dificuldades encontradas atualmente no ensino das Escrituras consiste no preconceito para o qual a Bíblia deveria ser entendida como um código de comportamento, um texto fixo e imutável, pelo qual somos julgados. A Bíblia, ao contrário, é um mapa de sentido, uma terra que só se descobre caminhando sobre ela. Não é por nada que ela encerra em si tantos livros diferentes, cada um dos quais pode servir de portal de entrada. Ao leitor da Bíblia é pedida uma mobilidade análoga à do viandante, sancionada de modo evidente pela narrativa fundamental do Êxodo, que é o relato de uma saída da escravidão. Abandona-se um lugar de certezas graníticas para enfrentar o campo aberto do deserto.
É o tema da errância?
Sim, mas não é um tema entre muitos. Quando lemos a Bíblia, escutamos um relato que não foi escrito para nós, cidadãos sedentários da modernidade. O verdadeiro destinatário é um povo de nômades muito semelhantes aos migrantes que estão batendo às portas da Europa: mulheres e homens que perderam tudo e que não podem fazer nada mais do que pôr-se em viagem. O último tesouro é a sua história, e a Bíblia, originalmente, é o instrumento desse relato, dentro do qual o próprio Deus se faz viandante para caminhar com o seu povo. Parece uma notação geográfica, de contexto, mas é um ensinamento espiritual. O Deus da Bíblia nos chama a sair de nós mesmos não para nos desnaturalizarmos, mas para mudarmos de ponto de vista e purificarmos o olhar. É por isso que o ecumenismo é realmente o sopro do Espírito: porque é um caminho que se faz juntos, aprendendo a conhecer e a apreciar as diferentes formas da vida cristã.
Que papel as mulheres desempenham na viagem da Bíblia?
O de pôr novamente em discussão, reabrir os jogos, superar as fronteiras. Entende-se isso muito bem ao ler o Livro de Rute, no qual uma moabita, pertencente a um povo maldito, acaba por colocar em questão a sentença da Torá, obtendo uma reabilitação inesperada, que é, substancialmente, redenção das culpas do passado. Ela pode fazer isso porque é uma mulher, justamente: ela age a partir de baixo, movendo-se a partir de uma posição de concretude que induz o próprio Deus a reescrever a Lei. E não devemos esquecer que, mesmo na comunidade dos primeiros discípulos de Jesus, as mulheres estão presentes, seguem-no, caminham ao seu lado. Quando Lucas, nos Atos, refere-se aos cristãos como aos “seguidores do caminho”, ele tem o cuidado de especificar que, entre eles, encontram-se “homens e mulheres”. Um elemento esquecido e negado por muito tempo, mas que hoje exige ser redescoberto, também em perspectiva ecumênica.
É sempre um problema de boa ou má leitura?
A Bíblia é um texto que leva a sério a existência humana, sem nunca banalizá-la. Provavelmente, é sobre isso que as pessoas deveriam ser tranquilizadas, principalmente. Não há separação entre as Escrituras e a vida, tanto que a própria postura de quem lê influencia o resultado dessa experiência tão delicada. O modo pelo qual o corpo se coloca no espaço revela a atitude interior, estabelecendo uma correspondência que pode ser estudada, melhorada, tornada mais eficaz. Escolher o lugar adaptado, encontrar a posição apropriada, controlar a respiração: também precisamos disso para empreender a viagem da leitura.
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Com a Bíblia, a leitura abre caminho. Entrevista com Lidia Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU