Por: Ricardo Machado | 30 Março 2017
O ameno fim de tarde de outono, da quinta-feira, 30-3-2017, trouxe a fé cristã de Martinho Lutero na releitura de Johann Sebastian Bach durante a audição comentada da Cantata BMW 80, Ein feste burg ist user Gott, no tradicional evento de Páscoa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU sob a batuta sensível e perspicaz da professora e pesquisadora Yara Caznok. O encontro musical contou com a participação de Martin Dreher, graduado em Teologia e doutor em Teologia e História pela Ludwig Maximilian Universitat München.
O público acompanhou o evento, que começou com uma breve consideração de Martin Dreher sob o contexto histórico e social em que o hino de Lutero e a cantata foram compostos. “Os hinos de Lutero eram cantados por muitas pessoas, o que, de alguma forma, fazia com que elas participassem das discussões sobre a Reforma, ainda que não compreendessem todas as dimensões teológicas que estavam em jogo”, sustenta Martin.
Um fator importante para entender a relação entre o hino de Lutero e a composição da Cantata é o intervalo de tempo que há entre o reformador e Bach. “O coral do hino de Lutero é todo no plural, mas na cantata de Bach há certa preocupação em compô-la com uma piedade cardíaca muito mais individualizada. Se eu tenho Jesus no coração posso enfrentar o mundo. Isso se deve porque, entre um e outro, houve a Guerra dos 30 anos, muitas pessoas foram mortas e as comunidades se fragilizaram coletivamente”, relembra Martin.
Yara Caznok e Martin Dreher (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
Ao destrinchar a maneira pela qual a cantata foi construída, a professora Yara Caznok, ressalta que a impressão que se tem é que Bach pegou a melodia inicial e a repetiu de uma forma muito inteligente em toda a composição. “A melodia parece que permanece sempre conosco e se desenvolve de uma forma bastante silábica, o que é uma estratégia para que o texto da música seja bem compreendido”, explica Yara.
A Cantata BMW 80 é dívida em quatro estrofes, mas possui duas árias, dois recitativos e um dueto costurando a composição. Além disso, as cantatas, por sua própria natureza, possuem uma função teológica, pois a ideia, conforme pontua a professora, não é assistir um concerto esplendoroso, ainda que belo, é fazer uma retomada da introspecção, em um sentido de oração. “A cantata é um moteto, isto é, a voz é apoiada pelos instrumentos. As vozes vão funcionar como solos, mas na verdade é um coral que canta em uníssono as estrofes principais”, complementa.
“Na primeira estrofe há uma profusão de coisas, mas a proposta é justamente essa. É como se Bach dissesse, – Tenha calma, tudo será explicado”, ressalta Yara, ao apresentar a primeira parte da composição. Já a segunda estrofe começa com um movimento de violinos e cordas típico de batalhas. “Nesse momento é quando chegamos mais próximos à melodia coral, que será seguida de um recitativo fechado e sombrio para depois seguir com uma ária que amorosamente vai dizer ‘vem na morada do meu coração’”, descreve a professora.
Com a terceira estrofe vem aquilo que é o hino em sua magnitude, com o coral todo cantando a uma só voz, vivendo uma mesma ideia. “Toda essa energia é como se representasse a força da fé, porque nesta parte canta-se a frase ‘se mundo fosse dominado pelo demônio [...] nós não o temeríamos”, ressalta Yara. Esta seção é seguida por um recitativo tenor e depois por um dueto, para chegar, finalmente, na última estrofe, que exulta a fortaleza de Deus na fé cristã. “A quarta estrofe continua reforçando o sentido do salmo 46, que afirma que Deus é nosso refúgio e fortaleza, e ao mesmo tempo que cresce como hino, encerra em um movimento de recolhimento interior, como se fosse uma oração”, pontua.
Professora Yara Caznok no IHU
A professora Yara Caznok apresenta, novamente, uma audição comentada, desta vez a Nona Sinfonia em Ré menor, Op. 125 - Finale, de Ludwig van Beethoven, na manhã desta sexta-feira, 31-3-2017, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, a partir das 9 horas, com transmissão ao vivo na página inicial do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Yara Caznok é graduada em Letras Franco-Portuguesas pela Fundação Faculdade Estadual de Filosofia Ciências Letras Cornélio Procópio - FAFI e em Música pela Faculdade Paulista de Arte – FPA. Especialista em Educação pela Universidade de São Paulo – USP, cursou mestrado em Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e doutorado em Psicologia Social pela USP com a tese Música: entre o audível e o visível (São Paulo: Edunesp, 2004). É autora, entre outros, de Ouvir Wagner – Ecos nietzschianos (São Paulo: Editora Musa, 2000) e O desafio musical (São Paulo: Irmãos Vitale, 2004). Leciona na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, no Departamento de Música.
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A fortaleza do castelo de Deus na música de Bach - Instituto Humanitas Unisinos - IHU