31 Janeiro 2017
Em 2018, o movimento ATTAC [Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos] completa 20 anos. Nascido na França como grupo de pressão a favor da introdução de uma taxa nas transações financeiras internacionais (conhecida popularmente como Taxa Tobin), seu propósito é organizar a sociedade civil para “frear a ditadura dos poderes econômicos, exercida através dos mecanismos de mercado”. Em fins de janeiro, Madri acolheu uma reunião da ATTAC Internacional, com a participação de sua presidente de honra e do Transnational Institute de Amsterdã, Susan George. Esta lúcida filósofa e analista política, nascida em Ohio (Estados Unidos), completa 82 anos (desde 1994, possui nacionalidade francesa) e é a autora da célebre distopia O relatório Lugano.
A entrevista é de Marina Estévez Torreblanca, publicada por El Diario, 27-01-2017. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Como você acredita que as recentes decisões do novo presidente estadunidense Donald Trump, em dinamizar diferentes tratados comerciais internacionais, podem afetar o comércio internacional?
Estou encantada com o fato de Trump ter se livrado do Tratado Transpacífico (TTP), e espero que também faça o mesmo com o europeu TTIP [Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento]. Acredito que provavelmente agirá assim, porque disse que quer estabelecer acordos bilaterais. Caso se desfaça destes dois grandes tratados, não acredito que prejudique o comércio mundial em absoluto, porque não se tratava de comércio, mas de dar mais privilégios regulatórios às grandes companhias transnacionais. Caso chegue a acordos bilaterais, pode inclusive ser benéfico. Não digo que todas as decisões econômicas (de Trump) sejam benéficas, mas você me perguntou pelo comércio.
Nos últimos meses, vivemos uma sucessão de vazamentos, como os Papéis do Panamá. Como você enxerga esta nova forma de conhecer os desmandos das empresas para sonegar impostos?
É muito boa, os jornalistas realmente estão fazendo seu trabalho. Agora, centenas de milhares de pessoas podem compreender melhor o que significa um paraíso fiscal e como funciona, e como estão roubando dinheiro que pertence aos cidadãos. Por exemplo, na França foi realizado um estudo parlamentar que mostra que entre 60 e 80 bilhões de dólares desapareceram dos fundos do Tesouro. Impostos que não foram pagos porque transferências que teriam que ter sido feitas no país não foram realizadas. A maioria das pessoas não soube destas coisas até que foram publicadas nos jornais. Graças aos vazamentos, como “Os Papéis do Panamá”, muita gente sabe que estão roubando, diretamente, de seus hospitais, de seu transporte público.
Uma das razões da desigualdade é que as multinacionais não estão pagando todos os impostos que deveriam.
Tenho um amigo que é inspetor da fazenda aposentado, e lhe fiz essa pergunta há muitos anos: “As transnacionais estão pagando todos os impostos que devem? ”. E me respondeu: “Sempre pagam algo, mas pagam o que querem”. Em cada país que operam, deveriam dizer em que operam, quais são seus volumes de vendas, quais são seus benefícios, quantas pessoas possuem empregadas, o básico, e então podemos decidir quanto precisam pagar. Não seria tão difícil, resolveria muitas coisas, mas não temos os instrumentos legais adequados para isso. E Trump, provavelmente, irá fazer com que continue sendo assim.
Vários países, entre eles a Espanha, disseram que estariam dispostos a implementar uma taxa às transnacionais financeiras internacionais, uma espécie de taxa Tobin como a que é defendida pela ATTAC. Você considera este cenário possível?
Infelizmente, foi a França, meu país, quem evitou que fosse implementada no passado. Mas, parece-me muito positivo que a Espanha tenha se mostrado a favor. Em algum momento, terão que aplicá-la, porque novamente voltamos à questão de que nossas reservas estão sendo roubadas. Assim que as pessoas ficam sabendo, pensam que seu dinheiro pode ser melhor utilizado do que ir para o bolso dos mais ricos do mundo.
Por isso, a informação é tão importante. Quando eu comecei no ativismo e na política, dizíamos “devem sair do Vietnã”. E as pessoas talvez estivessem de acordo, ou talvez não, mas sabiam do que você estava falando. Agora, as respostas são mais longas e complexas. A informação é muito importante e é muito importante seguir repetindo-a.
Os índices de desigualdade estão crescendo, até mesmo quando nossos governos falam de aumento do PIB. Acredita que é possível dizer que a crise econômica faz parte do passado?
É que não acredito que seja uma crise. Uma crise significa algo terminal, significa que você irá se recuperar ou irá morrer, mas não dura nem dez anos. Isto não é uma crise, é uma enfermidade que está sendo fomentada pelas políticas econômicas atuais. Na realidade, a austeridade funciona muito bem para o que foi desenhada: transferir riqueza de baixo para cima. E nos convenceram que é o melhor resultado.
Qual a sua opinião a respeito da ideia de que o desemprego é criado pelos governos e pelos poderes para manter as pessoas com medo, para que não se rebelem?
Não sei se é deliberado criar medo. Mas, ouvi uma palestra de Tony Benn (um destacado deputado trabalhista britânico, falecido em 2014) na qual começava dizendo: “o medo é a disciplina da economia capitalista”. É uma maneira muito elegante de afirmar isto. Se os governos apostam nisso, não sei, porque teriam muito mais êxito e seriam reeleitos, caso lutassem contra o tipo de desigualdade que vivemos em nossos países.
Em meados dos anos 1970, na Europa, as rendas do trabalho eram 70% e as do capital 30%. Agora, as rendas do trabalho são 60% e as do capital 40%. Sendo assim, perdeu-se 10% da riqueza no bolso das pessoas. Os 10% do PIB europeu representam algo como 1,6 trilhão. É muito dinheiro que não vai para o consumo e o investimento europeus, e que não pagará impostos por isso.
Desse modo, não é um mistério que nos últimos anos as pessoas tenham menos para gastar, que as pessoas estejam com pouco dinheiro. Então, a pergunta é pertinente: Os governos fazem esta aposta ou não sabem economia? O certo é que há uma economia equivocada (a da austeridade) que se converteu na bíblia. E para convencer [a respeito] dela, há enormes investimentos em think tanks, em livros, artigos, tribunas universitárias, juízes, instituições religiosas.
Gramsci, nos anos 1920, já disse: “você pode ganhar por meio da violência, mas também por meio de suas cabeças. E para fazer isso precisa usar as instituições”. E isso é o que a esquerda não entendeu e a direita, sim. A esquerda acredita que suas ideias são tão esplêndidas que não é necessário defendê-las (somos generosos, somos simpáticos, defendemos os direitos humanos). Contudo, o problema é que a direita conseguiu enfatizar estas questões de modo que disseram às pessoas e lhes convenceram: “Se você não possui trabalho e é pobre, a culpa é sua. Você não é organizado e merece o que tem”. Grande parte desta mensagem foi interiorizada.
No que se nota?
No momento, há pessoas que estão se rebelando, mas a maioria vota contra seus interesses, vota em Trump. Todo o seu Gabinete provém das grandes empresas. Mas, as pessoas comuns votam assim, acreditam que é por seu interesse. O Brexit é parecido. Acredito que as pessoas comuns têm uma ideia equivocada do que acontecerá lá, porque as leis sociais britânicas são piores que as europeias, ao passo que o salário mínimo, horas extras, em aspectos sociais, vão piorar, mas provavelmente votaram por medo da imigração, ainda que estejam equivocados.
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“A esquerda acredita que suas ideias são tão esplêndidas que não é necessário defendê-las”. Entrevista com Susan George - Instituto Humanitas Unisinos - IHU