20 Janeiro 2017
“O Papa Francisco, tendo sido pastor e professor antes de ser o mestre e pastor universal, sabia muito bem o que estava fazendo ao escrever um documento que fornece poucas respostas claras, ao mesmo tempo abrindo uma porta para que os fiéis se preocupem não tanto com a letra da lei, mas com os movimentos do Espírito, sabendo muito bem que a vida no Espírito conduz a viver a lei em seu sentido mais pleno e rico”, escreve Michael J. Rogers, padre jesuíta, em depoimento publicado por Crux, 18-01-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o depoimento.
O Papa Francisco sabia o que estava fazendo ao escrever um documento que fornece poucas respostas claras, ao mesmo tempo convidando os fiéis a se preocuparem com os movimentos do Espírito. Ele bem sabe que a vida no Espírito conduz a viver a lei em seu sentido mais pleno e rico.
Durante três gloriosos anos fui professor em uma escola secundária. Neste tempo, lecionei Educação Religiosa a estudantes de primeiro e segundo anos da Escola Secundária na Boston College, e tenho de admitir que, embora amava genuinamente os meus alunos e ainda mantenho contato com vários deles, havia um tipo de pergunta que faziam que eu simplesmente não aguentava.
Inevitavelmente eu a ouvia antes de cada avaliação e, em geral, ela tinha a mesma formulação. Era mais ou menos assim: “Professor (eu não era padre ainda) Rogers, como o senhor responde a pergunta da dissertação?”
O problema é que não havia um jeito certo ou errado de responder às questões que lhes apresentava.
Havia determinadas diretrizes que me mostravam que um aluno, ou aluna, havia estudado o material, que havia pensado sobre ele, e em geral compreendeu do que se tratava. Algumas redações eram, evidentemente, melhores que as outras, mas com uma frequência maior elas eram tentativas boas e honestas de responder a ponto de ganharem ótimas notas e passarem de ano.
O problema com a pergunta supracitada, no entanto, era que, subjacente a ela, tinha esta outra pergunta implícita: “O senhor pode por favor nos dar a resposta, ou nos dizer o que quer ouvir de forma que consigamos tirar um A?”
Não é tão fácil assim.
Como qualquer outro professor irá concordar, a maior parte do que fazemos quando tentamos ensinar não é meramente transmitir um conteúdo nem é despejar fatos e números dentro dos cérebros dos jovens de forma que possam cuspi-los. O projeto educativo é, antes, o de ajudar os jovens a aprender como pensar e dar-lhes as ferramentas práticas necessárias para pensarem criticamente.
Em última instância, jamais tem a ver com passar uma turma. Em vez disso, tem a ver com ser aprovado na vida.
A imagem desses alunos, pedindo as respostas e não dispostos a debaterem-se com os materiais estudados, é, pois, uma imagem que me ocorreu semana atrás quando me dignei a postar no Twitter que o debate sobre Amoris Laetitia havia ficado fora de controle e que era chegada a hora de aceitar o documento e seguir em frente.
As respostas que recebi apontavam para uma necessidade de clareza. Pediram que eu removesse o meu tuíte, e fui perseguido, muitas vezes com o passar dos dias, implicando que uma tal falta de clareza estava pondo almas em risco.
A verdade é que Amoris Laetitia é um documento obscuro. Ele não nos dá respostas rápidas e fáceis às nossas dúvidas, e até mesmo a nota 351, que muitos tomam como sendo o lugar onde o Santo Padre autoriza que os divorciados e recasados recebam a Comunhão, não está obviamente clara.
Amoris Laetitia é um documento obscuro, e como não poderia ser? Ele fala sobre algumas das experiências mais maravilhosas e confusas da vida humana, lugares onde as coisas nem sempre são imediatamente aparentes, e onde a maioria de nós é forçada a apenas dar o nosso melhor, na esperança de que é o suficiente.
O Papa Francisco, tendo sido pastor e professor antes de ser o mestre e pastor universal, sabia muito bem o que estava fazendo ao escrever um documento que fornece poucas respostas claras, ao mesmo tempo abrindo uma porta para que os fiéis se preocupem não tanto com a letra da lei, mas com os movimentos do Espírito, sabendo muito bem que a vida no Espírito conduz a viver a lei em seu sentido mais pleno e rico.
É claro que o problema com uma tal abordagem, na sala de aula assim como na vida cotidiana, é que a obsessão a termos a resposta correta, a necessidade de estarmos certos, pode muitas vezes nos fazer prestar atenção nas árvores e não na floresta.
A necessidade de estarmos certos, sermos mais inteligentes que o mestre, significa que aqueles que se preocupam com a famosa nota de rodapé negam que o documento como um todo tenta dar às famílias as ferramentas de que necessitam para jamais ter que se preocupar com aquela situação em particular.
Parafraseando o Cardeal Kevin Farrell em recente entrevista ao sítio Crux, a questão principal do documento é nunca precisar preocupar-se em estar certo sobre o que a nota 351 provê ou não.
Se gastarmos o tempo focando uma árvore, ou uma nota de rodapé, perderemos a visão da floresta, ou do documento, que a circunda.
O objetivo da educação, do ensino, seja na sala de aula, seja no púlpito ou em um documento como Amoris Laetitia, não é a memorização de fatos, tampouco espera-se que os alunos sejam aprovados por que estão “certos”.
Pelo contrário, o empreendimento pedagógico tem a ver com transmitir as habilidades e os valores que permitem as pessoas florescerem como seres humanos.
Em resumo, o objetivo deixado de lado por tantos críticos de Amoris Laetitia é ajudar as pessoas a serem melhores e não a estarem certas.
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Amoris Laetitia: documento obscuro sobre experiências maravilhosas e confusas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU