19 Dezembro 2016
Uma dádiva de si, que abre caminhos para o diálogo com o Outro, aquele desconhecido que bate à nossa porta em busca de acolhida. Embora magnífico, o gesto de acolhimento não resguarda em si apenas a maravilha do encontro, mas também tensões que surgem no limiar desses dois mundos que se encontram e até mesmo se chocam.
Para debater o paradoxo e os desafios da hospitalidade, num tempo caracterizado, segundo descrição de alguém como o Papa Francisco, da globalização da indiferença, como o testemunham os milhares de refugiados e migrantes que enfrentam mares, desertos e muros, na busca de um lar, e que são vistos não como ‘hospes’ mas como ‘hostis’, a revista IHU On-Line, no contexto das festas natalinas, onde os textos evangélicos relatam que “não havia lugar para eles” (Lucas, 2, 7), debate o tema com pesquisadores de várias áreas do conhecimento. Enfim, a hospitalidade, afirma Gustavo Lima Pereira, “na esteira do pensamento de Jacques Derrida e Kierkegaard e que ganha guarida em Ricardo Timm de Souza, é "o reconhecimento da loucura pela justiça perante o mistério do rosto de outrem".
Alain Montandon, professor emérito de Literatura Geral e Comparada na Universidade Blaise Pascal - Clermont II, na França, organizar da imponente obra de mais de 1.400 páginas, intitulada O livro da hospitalidade. Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. (São Paulo: SENAC, 2011), ressalta que a hospitalidade funciona “entre a lógica da dádiva e da contradádiva e aquela do sacrifício, existe uma relação de complementaridade paradoxal”.
“Há excluídos ‘na’ e os excluídos ‘da’ sociedade. Ser excluído, é estar “fora do” espaço (real ou simbólico) dos incluídos”, descreve Magali Bessone, professora de Filosofia Política na Universidade de Rennes 1. Segundo ela, “o paradoxo da noção de exclusão é precisamente que não há espaço homogêneo pré-dado mas que a produção da exclusão consiste em construir o espaço tal que certas pessoas são descartadas, pela invisibilização, pelo estatuto jurídico diferenciado ou pela reclusão”.
Marco Dal Corso, teólogo, professor de religião em uma escola secundária em Verona e professor visitante do Instituto de Estudos Ecumênicos "San Bernardino" em Veneza, ambas na Itália, pensa os desafios globais de acolhimento a partir da necessidade da inauguração de um outro tipo de humanidade fundada na hospitalidade.
Símbolo radical da condição humana, a hospitalidade é marcada, ainda, pela precariedade e provisoriedade. Essas características representam uma tensão em relação ao Outro. Pensando a partir da realidade Europeia, o teólogo Placido Sgroi menciona que o grande desafio é colocar em prática esses preceitos, ainda mais com povos do Sul com quem o continente possui um débito.
“Nós existimos e a humanidade existe porque originalmente cada um de nós foi, primeiramente, hospedado, acolhido. “Mãe” é o nome da hospitalidade ativa, da hospitalidade primordial”, afirma Claudio Monge, frade dominicano, italiano, radicado na Turquia. Vivendo no Oriente, “descobri uma hospitalidade que é ARTE: uma atitude de atenção que não faz exceção com ninguém mas que é também capacidade de tomar e dar o tempo”, depõe o teólogo.
Para Faustino Teixeira, da Universidade Federal de Juiz de Fora – PPCIR-UFJF, “o diálogo é uma ‘cartografia inacabada’, que vai se tecendo com as linhas da humildade e generosidade. Os interlocutores são convidados a alçarem o olhar, vislumbrarem novos patamares de significado, refletirem sob nova luz.”
Gustavo de Lima Pereira, professor de Direito Internacional e Filosofia do Direito na PUCRS e advogado do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados, aborda a questão do acolhimento aos imigrantes. “Em momento de crise econômica, o estrangeiro é tido como um ‘ladrão de empregos’. Em um cenário de crise, legitimam-se maiores apropriações de discursos de ódio”, explica.
Por ocasião dos 60 anos da publicação de Morte e vida Severina – auto de Natal pernambucano, de João Cabral de Melo Neto, a revista IHU On-Line discute esta importante obra da literatura brasileira fazendo aproximações com a realidade contemporânea.
Participam do debate os seguintes pesquisadores e pesquisadoras:
- Antonio Carlos Secchin, poeta, ensaísta, crítico literário e professor, que chama atenção para a obstinação de Cabral “em rejeitar as vias fáceis e fluidas do lirismo, e pela ousadia de percorrer severamente os caminhos mais íngremes da linguagem”.
- Thaís Toshimitsu, doutora, mestra e graduada em Letras pela Universidade de São Paulo – USP, descreve a existência de Cabral como parte de sua própria obra. “A escolha do Nordeste o implica diretamente na situação que se lê nos poemas e, embora ele deseje conceber-se somente como espectador daquela vida miserável, é parte intrínseca dela”.
- Braulio Tavares, escritor, poeta, compositor, letrista e pesquisador de ficção científica e literatura fantástica, João Cabral agia como se tudo no mundo fosse um conjunto de sinais que pudesse ser interpretado e comparado com outros conjuntos de sinais.
- Eli Brandão da Silva, doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo – Umesp, analisa o poema no seu âmbito de auto de Natal, fazendo a analogia de que “o anúncio alcança imediatamente Severino e Carpina, retirantes, marginalizados, mas também símbolos dos que têm esperança de encontrar vida”.
- Maria Augusta Torres, mestra em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco – Unicap, trata da experiência de fé e religiosidade nordestina que são trabalhadas no texto.
Completam esta edição os artigos “A possível internalização dos interesses dos EUA no Brasil” de Bruno Lima Rocha, professor de Relações Internacionais e a entrevista com Boaventura de Sousa Santos, sociólogo, sob o título “A difícil reinvenção da democracia frente ao fascismo social”
A revista IHU On-Line estará disponível na segunda-feira, a partir das 17h, nesta página, nas versões html, pdf e ‘versão para folhear’.
A edição impressa circulará na terça-feira, no campus da Unisinos, a partir das 8h.
A todas e a todos uma boa leitura e os melhores votos de um Feliz Natal e um ano de 2017 repleto de esperança, saúde e paz!
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Hospitalidade – Desafio e Paradoxo. Por uma cidadania ativa e universal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU