09 Dezembro 2016
"No xadrez intra-institucional, todas as posições são antipopulares e atendem aos interesses mais inconfessáveis de seus protagonistas. Não há saída ou viabilidade para o poder da maioria jogando as regras – frágeis regras – ou apostando as expectativas no comportamento dos agentes e instituições do andar de cima", escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais
Eis o artigo.
Naquele momento, este analista escrevia: “Começou a sessão do Supremo. Renan Calheiros (senador pelo PMDB de Alagoas) estaria – estava, segundo a TV líder - acompanhando a transmissão ao lado de José Sarney (sim, o próprio, ex-presidente do governo tampão e ex-presidente nacional da ARENA). Esta informação não carece de adjetivos ou explicações”.
O rito se dava e a náusea também. Quanto mais assisto as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) ou das duas casas do Congresso, mais me convenço que a ala federalista - e anti estatista - da 1a Internacional (Associação Internacional dos Trabalhadores, AIT) estava - e está - coberta de razão. É um horror a burocracia togada – ou a tecnocracia meritocrática das carreiras jurídicas e afins – assim como a política fisiológica. Isso é tudo menos o "mando do povo", ou seja, está muito distante de algo parecido com a democracia de massas ou a vontade da maioria.
A primeira fala foi da acusação, do advogado do partido REDE de Sustentabilidade, que pedia o afastamento de Renan Calheiros da Presidência da Mesa do Senado, referendando a decisão monocrática do ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello. A defesa da Rede entoou a “legalidade”, mas também apelou para a jurisprudência consagrada na Suprema Corte. No Excepcionalistão (regime de exceção permanente, onde o jeitinho de acomodação de forças supera as regras combinadas) vale tudo desde que mantendo o rito, o procedimento. No caso dos nababos magistrados e seus séquitos, o manual indica empolar a voz e abusar da fleuma. Já a defesa de Renan afirmou o contrário. O precedente para mantê-lo foi a preservação de Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, ao menos enquanto durou o processo de golpe com apelido de impeachment.
Os passos são meio óbvios, com dois pesos e duas medidas. Os setores dominantes dão um golpe de Estado, rasgam os direitos sociais na Constituição, o Supremo se acovarda ou acoberta e agora os operadores do "direito" estão defendendo a "normalidade" institucional. Entremos nessa hipocrisia. O processo contra Renan – este que Marco Aurélio Mello trouxe à tona - é um em onze ou doze, e estava engavetado há nove anos. Mas, bastou o presidente do Senado e notório fisiológico ameaçar votar uma lei que diminua o poder dos magistrados e procuradores, que o "ponderado" ministro desengaveta o processo e, na sequência em decisão monocrática, manda retirar da Presidência do Senado um réu. O senador desobedece a Constituição e o ministro do STF age conforme seus próprios interesses. E depois todo mundo vem para a TV defender a tal da "normalidade institucional". Para fechar o primeiro ato da panaceia, o advogado da REDE ainda cita Habermas na defesa!
Rodrigo Janot, Procurador Geral da República e tucano de jurisprudência, defende publicamente as malditas 10 Medidas que dão superpoderes aos Ministério Público Federal e, ao mesmo tempo, apaga de sua curta memória, todo o período em que cozinhou a presença de Eduardo Cunha à frente da Presidência da Câmara sem fazer denúncia alguma. Isso é pura conspiração política sob o manto do estamento togado. Agora procuradores e magistrados brigam com o coronel Renan, fisiológico e herdeiro de José Sarney, para ver qual é o setor de elite dirigente que se constitui como fração de classe dominante no novo ciclo da República do Bananão. É disso que se trata esta luta verborrágica hoje, e nada mais do que isso.
Temos de lembrar a todo momento. Quanto tempo o Eduardo Cunha ficou como presidente da Câmara e réu em ação suspensa - ou congelada - no STF?! Quanto tempo o mesmo Janot demorou para formalizar a denúncia contra Eduardo Cunha?! Ora, ficou o tempo suficiente para concluir o processo de impeachment, e depois, foi para Curitiba, preso.
Na sequência da panaceia, Marco Aurélio Mello empostou ainda mais a voz para comparar, em rede nacional, o Senado ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PDMB-AL). Em parte, o douto jurista tem alguma razão.
Lembro que Renan era da tropa de choque de Collor, foi ministro da Justiça (sim, da Justiça) de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e compôs a base aliada do lulismo ao lado de seu líder espiritual, o ignóbil José Ribamar, vulgo Sarney. O pensamento mágico e absurdo é tão criativo no Brasil, que ainda tem gente procurando "virtudes" nesta jogatina de poderes autocentrados!
Enquanto a sessão do Supremo estava em intervalo, a Globo News transmitia. Valdo Cruz entra ao vivo; como homem de bastidores, é o atual craque do fontismo em Brasília. Durante o processo de impeachment no Senado ele cunhou o termo "processo Rolando Lero, defesa de Dilma é Rolando Lero". Na tarde de quarta estava plantando a pizza de jabuticaba (Renan fica na Presidência e sai da linha sucessória) e comentando: “se sair isso vai ficar muito ruim para o Supremo. Porque o ministro Marco Aurélio Mello deu uma decisão em 'sintonia com a voz das ruas". Valdo falou esse absurdo em rede nacional – ‘voz das ruas”, sendo que metade dos que saíram no domingo 4 de dezembro pediam Intervenção Militar -, e ainda fingia praticar jornalismo e não propaganda. Tática conhecida, é o típico morde e assopra, além de pura especulação, tentando influenciar a decisão dos nababos do STF.
Enquanto isso, no Senado, Jorge Viana (senador do PT pelo Acre), ao vivo, vice-presidente da Mesa do Senado, pedia tranquilidade e normalidade institucional. É muita pasmaceira, até o discurso é absurdo. Seu partido, seu governo, sofre um golpe de Estado e ele vem falar de "funcionamento das instituições"! O PT jogou a toalha e caminha a passos largos rumo às fraturas internas irreconciliáveis.
Ao final da sessão, com direito a pedido de “harmonia” entre os poderes emitido pela presidenta do STF, ministra Cármen Lúcia, O país consternado, via as previsões se confirmarem. Fizeram mesmo a pizza de jabuticaba, no cinismo do acórdão abençoado por Temer e Sarney! Logo, a balança pende novamente aos coronéis da tal da governabilidade. Será que a única força social a enfrentar os magistrados e procuradores será a dos oligarcas? Renan é duro na queda e deve ter dossiê de todo mundo, mas todo mundo, desde a década de '80.
Ao final da tarde de 4ª, 7 de dezembro, a REDE ganhou o troféu "inocência política" do ano. Miopia estruturante, republicanismo obtuso e um pequeno vexame para ganhar brilho passageiro no caos político nacional.
Com 6 a 3 no Supremo do Bananão, o “coroné” Renan ganhou a queda de braço diante do estamento nababo. Isso pode ser um pano quente também na lei de abuso de autoridade (tudo indica que sim) e, por outro lado, um freio para a tentação autoritária dos procuradores. É dura a lida, a disputa se dá entre neofascistas e fisiológicos, todos golpistas. A solução é absurda. Renan Calheiros pode ser Presidente do Senado, mas não do país; por ser réu. Simples assim.
Enquanto isso, em Curitiba, o capo do impeachment vê seu mundo desabar mais uma vez. Eduardo Cunha aprendeu naquela tarde a diferença entre um oligarca consolidado e um arrivista. Renan Calheiros dobrou a espinha dos empolados, tudo para dar uma sobre vida a si como ao governo golpista. Perdeu o tucanato, o MPF e a direita cibernética. Ganharam os fisiológicos e oligarcas, que também não valem nada.
Ao que tudo indica, telefonemas sem fim do presidente golpista Michel Temer para a ministra Cármen Lúcia, e uma operação abafa no Senado, corroborada pela covardia de Jorge Viana, o senador petista acreano na linha sucessória da Mesa, fecharam as cloacas do acórdão. O “jornalismo” brasileiro também deu sua péssima contribuição de sempre. Caprichando no fontismo, os mexeriqueiros de sempre deram vazão para a fogueira das vaidades, explicitando como o STF derrubou uma medida monocrática de um de seus ministros. No xadrez intra-institucional, todas as posições são antipopulares e atendem aos interesses mais inconfessáveis de seus protagonistas. Não há saída ou viabilidade para o poder da maioria jogando as regras – frágeis regras – ou apostando as expectativas no comportamento dos agentes e instituições do andar de cima.
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O acórdão das cloacas em Brasília: STF, Renan e a desfaçatez em rede nacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU