Por: Vitor Necchi | 01 Dezembro 2016
Um olhar panorâmico sobre as manifestações populares e o uso da tecnologia pelo midiativismo pautaram a palestra que Marcelo Castañeda proferiu na última quinta-feira (23/11) no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em São Leopoldo. Intitulada Mobilização e ocupações dos espaços físicos e virtuais: possibilidades e limites da reinvenção da política nas metrópoles, a palestra encerrou o Ciclos de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum. Antes dele, participaram das outras edições do evento Roberto Romano, Salvador Andrés Schavelzon e Maria Stela Santos Graciani.
Em sua fala, Castañeda, que é doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - CPDA/UFRJ, tratou das tecnologias associadas a práticas e contextos de revolta e indignação que ocorreram no mundo. Neste panorama, dedicou atenção especial para os acontecimentos verificados no Brasil a partir de junho de 2013.
Em suas reflexões, ele parte de um questionamento: “Como máquinas e aplicativos tecnológicos possibilitam uma ação sociotécnica (ou conectada) que viabiliza conexões entre pessoas que tentam perfazer um contra-poder?”. Para responder, empreendeu uma pesquisa que envolve participação observante em manifestações de rua, entrevistas em profundidade e monitoramento qualitativo no Facebook e no Twitter.
Castañeda apresentou um histórico das tecnologias nos contextos de luta, partindo do Neozapatismo no México (1994), especificamente o episódio que ficou conhecido como Revolta de Chiapas. Trata-se de um levante camponês encabeçado pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) que durou 12 dias, em contrariedade à aprovação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) assinado por Canadá, México e Estados Unidos.
O levante começou em 1º de janeiro, justamente quando o acordo foi implementado. As demandas por justiça e a defesa dos direitos dos povos indígenas e dos pobres do México tiveram repercussão internacional, devido às ações empreendidas pelos revoltosos, que estavam encurralados pelo exército na selva, no estado de Chiapas. Castañeda recordou que eles começaram a mandar comunicados pela internet, quando a rede ainda era muito precária. Mesmo assim, conseguiram articular ativistas de vários países, detendo o esmagamento do movimento que o exército pretendia realizar.
Os outros episódios elencados por Castañeda em que tecnologias serviram às manifestações populares foram os protestos antiglobalização (1999), o primeiro Fórum Social Mundial (2001) e as revoltas e manifestações de indignação ocorridas em 2011 (15M na Espanha e Primavera Árabe no Egito, na Tunísia, na Líbia, na Síria, no Iêmem e no Barein), que culminaram com as jornadas de junho de 2013 no Brasil.
Em paralelo, citou as mudanças decorrentes do desenvolvimento e disseminação da internet (blogs, redes sociais, mais interação), assim como o aprimoramento de hardwares e conexões (notebooks, celulares, wireless, 3G e câmera com tecnologia DSLR com wifi, a “câmera do midiativismo”). “Televisão, internet e drone, tecnologias usadas no cotidiano, são restos de guerra”, define Castañeda, ao afirmar que, na virada do milênio, as mudanças na internet permitiram mais interações e conexões a partir de experimentos que, inicialmente, foram concebidos para conflitos travados a serviço do capital.
O midiativismo se tornou visível em nível mundial a partir de dois conjuntos de fatos: as manifestações contra a Organização Internacional do Comércio e anti-globalização durante o encontro realizado em Seattle (EUA), em 1999, que ficou conhecido como a rodada do milênio, e os protestos contra o G8 (grupo que reúne os oitos países mais ricos) em Gênova (Itália), em 2001. Ambos geraram o que ele chama de revoltas conectadas.
No Brasil, conforme Castañeda, o midiativismo tomou forma a partir da atuação do Mídia Ninja, em 2012, que teve papel importante nos eventos de junho de 2013. Naqueles protestos, os manifestantes gritavam “vem pra rua” e “o gigante acordou”, mas, para Castañeda, esse gigante existe apenas no imaginário, desde o Hino Nacional [“Gigante pela própria natureza”]. As manifestações começaram em Porto Alegre, depois se espalharam e cresceram de dimensão quando chegaram a São Paulo e ao Rio de Janeiro. “Elas tinham um caráter inesperado, multitudinário e ambíguo, assim como uma pluralidade de pautas.”
Os midiativistas, descreveu o palestrante, carregam apenas um celular, fazem edição na hora e precisam de uma conexão para transmitir. “O midiativismo usa uma miríade de tecnologias que funcionam como uma gambiarra, nós pagamos para ser midiativista”, afirmou. Nas manifestações, gravaram intensamente a ação de policiais, de maneira que as redes sociais desempenharam papel fundamental na construção das narrativas que forçaram a mídia corporativa a alterar sua atuação.
Um exemplo disso foi o episódio envolvendo e estudante Bruno Ferreira Telles, preso no dia 22 de julho de 2013, no Rio de Janeiro, devido à suspeita de que ele teria lançado um coquetel molotov contra policiais militares durante um protesto contra o então governador Sérgio Cabral. Várias imagens ajudaram a comprovar que Bruno não jogou o artefato, o que fez a mídia corporativa mudar sua narrativa em relação ao episódio. As gravações sustentaram a revogação da prisão por parte da Justiça.
Ainda em 2013, a forte repressão policial começou a enfraquecer o midiativismo, principalmente nos atos de protesto contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. Ativistas passaram a ser denunciados a partir apenas de publicações no Facebook. “A morte de Santiago foi a pá de cal no movimento”, afirma Castañeda. Ele se referiu ao cinegrafista Santiago Andrade, que teve morte cerebral em 10 de fevereiro de 2014. Quatro dias antes, ele foi atingido na cabeça por um rojão que um manifestante disparou durante uma manifestação contrária ao aumento da tarifa de ônibus no Rio. O fato teve grande repercussão.
Na eleição presidencial de 2014, ocorreu o que Castañeda chama de “auge da mistificação da esquerda”. Por meio de um marketing agressivo, a candidatura de Marina Silva foi desconstruída. No ano seguinte, o país se encontrava no “deserto da representação”. A partir de fevereiro, na análise de Castañeda, os protestos contra a então presidente Dilma Rousseff (março, abril, agosto, dezembro) criaram a base social para o impeachment, com uso intenso do repertório de junho de 2013. No segundo semestre, surgiram novas lutas com pautas específicas: “#ForaCunha, com protagonismo das mulheres; reparação dos danos da Vale do Rio Doce em Mariana (MG); estudantes secundaristas de São Paulo contra reorganização escolar”, lista.
“Falta à esquerda capacidade de dialogar com o meio de campo”, acredita Castañeda. “Direitos não foram adquiridos, mas conquistados. Temos que cobrar cumprimento da Constituição. Temos que lidar praticamente, o que não é ser simplista. Temos que nos organizar enquanto sociedade civil pluralista, mas isso não se faz do dia para a noite.”
Em 2016, estabeleceu-se uma disputa institucional: #ForaDilma x #NãoVaiTerGolpe. No terreno da política menor das lutas, ocorreu a mobilização de estudantes secundaristas (Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná) e a organização de favelados contra a violência policial e pela vida. Também houve novas ocupações, que são a “tática do momento da esquerda junto com #ForaTemer”, estabelecendo o que o palestrante chamou de “labirinto da esquerda”.
A partir deste cenário, Castañeda acusa a necessidade de se buscar novos entendimentos acerca de como fazer política. “Por que não nos voltamos para modelos indígenas, asiáticos, africanos? Como resistir a modelos coloniais?”, questiona. Ele defende que é preciso dialogar, entender a população, buscar engajamento. “Estamos perdendo o sentido do amor”, acusa, ao mesmo tempo em que sugere que se resgate a obra A arte de amar, de Erich Fromm. “Precisamos resgatar o lado solidário, amoroso. Reinventar a política. Só o amor nos salvará, se houver salvação.”
Marcelo Castañeda é doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - CPDA/UFRRJ e graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Atualmente é bolsista de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - PPGCom/UERJ.
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A necessidade de resgatar o lado solidário e amoroso para reinventar a política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU