25 Novembro 2016
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, concedeu a liberdade aos cinco fazendeiros acusados de participação no ataque armado aos índios Guarani-Kaiowá e que resultou na morte do agente de saúde Clodiodi de Souza, 26 anos, que aconteceu em junho, em Caarapó, no Mato Grosso do Sul.
A reportagem é de Fabio Pontes, publicada por Amazônia Real, 21-11-2016.
A decisão do ministro Marco Aurélio, que saiu no dia 3 de novembro último, atendeu a um pedido de habeas corpus da defesa do fazendeiro Nelson Buainain, mas acabou beneficiando os outros acusados: Jesus Camacho, Virgílio Mettifogo, Dionei Guedin e Eduardo Yoshio Tomonaga.
O ministro avaliou o bom antecedente do fazendeiro Nelson Buainain e a falta de provas “que o ligasse a possíveis novos atentados contra os Guarani-Kaiowá”, como chegou a justificar outros magistrados que negaram a liberdade em primeira e segunda instâncias, para deferir o habeas corpus.
Com a decisão do ministro Marco Aurélio, os acusados foram postos em liberdade por alvará de soltura emitido no dia 4 de novembro pela 1ª. Vara Federal de Dourados (MS).
Com exceção de Guedin, que se entregou no dia 22 de agosto, os outros quatro acusados estavam presos desde o dia 18 daquele mês por decisão do juiz federal Leandro André Tamura, da 1ª Vara Federal de Dourados (MS). Eles foram acusados pelos crimes de homicídio, formação de milícia armada, lesão corporal e dano qualificado conforme as investigações da força-tarefa “Avá Guarani” do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal.
Segundo a investigação do MPF, o motivo do ataque aos índios Guarani-Kaiowá foi a ocupação da fazenda Yvu, que está dentro dos limites da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá 1, em Caarapó, mas que tem a identificação da demarcação questionada na Justiça pela empresária Silvana Cerqueira Amado Buainain, mulher do fazendeiro Nelson Buainain Filho.
Em maio deste ano, a Fundação Nacional do Índio (Funai) reconheceu o território tradicional dos índios Guarani-Kaiowá, quando iniciou o processo da demarcação. No dia 12 de junho os índios da comunidade Tey Kuê ocuparam a fazenda e de lá não saíram mais.
Antes do ataque dos fazendeiros, segundo a investigação, os agentes da Polícia Federal em Dourados estiveram na fazenda Yvu, no dia 13 de junho, e foram notificados da ocupação da área por indígenas e pelos fazendeiros, mas não encontraram reféns. Sem mandado de reintegração de posse, os policiais retornaram a Dourados.
Conforme a investigação do MPF, “frustrados com a expectativa de que os policiais federais retirariam os índios da fazenda Yvu, os fazendeiros [que foram presos] e mais 200 ou 300 pessoas [ainda não identificadas], munidas de armas de fogo e rojões, se organizaram para expulsar os índios à força do local em 14 de junho.
De acordo com testemunhas, foram mais de 40 caminhonetes que cercaram os índios, com auxílio de uma pá-carregadeira, e começaram a disparar contra a comunidade.
Segundo o MPF, a decretação das prisões preventivas dos cinco fazendeiros visou garantir a ordem pública e evitar novos ataques violentos como o que ocorreu no dia 11 de julho, quando foram feridos mais três índios Guarani-Kaiowá, sendo dois adolescentes.
A reportagem da Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal em Dourados, que atende a jurisdição de Caarapó, mas o órgão não respondeu à pergunta se vai recorrer da decisão do ministro Marco Aurélio Mello. Como o processo está em segredo de justiça, a Polícia Federal diz que não comenta o andamento da investigação.
Até chegar ao STF, todos os pedidos de liberdade impetrados anteriormente pelos advogados dos cinco fazendeiros foram negados; em primeira instância pela 1º Vara Federal de Dourados, e em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3º Região (SP e MS).
A 11º Turma do TRF negou o recurso impetrado pelo advogado Felipe Cazuo Azuma, que defende o fazendeiro Eduardo Yoshio Tomonaga. Ele foi reconhecido por uma das vítimas do ataque à fazenda Yvu. Por conta de sua descendência oriental, Tonomaga foi identificado como o “japonês”. De acordo com a vítima, o fazendeiro estava armado e fez disparos na direção dos indígenas.
De acordo com ela e uma outra testemunha, o Eduardo Tonomoga fazia parte do grupo que em carros e usando armas de fogo e de balas de borracha atacaram os indígenas. O advogado negou a acusação, afirmando que ele não era o “japonês” identificado.
Além deste reconhecimento, ele também teve suas conversas interceptadas pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, defendendo a formação de grupos armados como a melhor forma de evitar ocupações de fazendas da região por indígenas.
Na decisão que indeferiu o pedido de habeas corpus, a relatora do processo, desembargadora Cecília Mello, da 11º Turma do TRF 3, cita trecho de uma conversa de Eduardo Tomonaga com uma pessoa identificada como Rodrigo Vargas, em 1º de julho.
“Eu também acho que reprime, o certo era encher de gente armada dentro dessas fazendas anunciadas; é o dono cuidando do que é seu”, disse Tomonaga, conforme transcrição no processo.
“Portanto, ao contrário do afirmado pelo requerente, sua prisão preventiva não foi decretada com base em um único elemento incidiário”, escreveu a desembargadora. Para ela, não houve nenhum tipo de ilegalidade ao se decretar a prisão preventiva dos acusados.
“E os registros telefônicos do paciente também o colocam na cena dos crimes no momento em que estes foram perpetrados.”
Para a defesa, a prisão dos acusados bem como sua manutenção não tinha o devido respaldo na legislação. O advogado Gustavo Passarelli afirmou no pedido de habeas corpus que seu cliente, Nelson Buaniain, poderia ser colocado em liberdade por atender a critérios como não ter antecedentes na Justiça, ter residência fixa, trabalho e idade de 63 anos.
Estes argumentos também foram usados pelo advogado de Eduardo Tomonaga, mas todos rejeitados pela desembargadora Cecília Mello, da 11º Turma do TRF 3. Ela considerou que tais critérios não seriam suficientes para o relaxamento da prisão ante a gravidade das provas contra o fazendeiro.
“[…] A alegação de que o paciente possui condições pessoais favoráveis, como primariedade e bons antecedentes, residência fixa e exercício de atividade lícita, não constitui circunstância garantidora da liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros elementos que justificam a medida constritiva excepcional [prisão]”, diz a desembargadora Cecília Mello
Na sentença que decretou a prisão preventiva, o juiz Leandro André Tamura, da 1ª Vara Federal de Dourados declarou que os fazendeiros, ao se reunir de forma armada para retirar os indígenas da fazenda Yvu, praticaram uma afronta ao poder do Estado e se revelou o “desapreço pelos poderes constituídos”. Ainda segundo o magistrado, os acusados teriam sido orientados pela própria polícia para procurarem o Judiciário para que ingressassem com um mandado de reintegração de posse.
Conforme consta na decisão da desembargadora Cecília Mello, ao receber estas instruções dos policiais um dos fazendeiros presos, Virgílio Mettifogo teria dito que então “resolveriam as coisas do seu jeito”.
“Concluo, portanto, que a gravidade concreta das condutas imputadas aos representados revela a periculosidade dos agentes e o consequente risco de reiteração delitiva, de forma que a decretação preventiva se faz necessária para se acautelar a ordem pública”, proferiu o juiz de primeira instância.
Gustavo Passarelli declara não haver provas suficientes da participação de Nelson Buainain no ataque aos indígenas. Desde o começo a família nega ter participação direta no ataque. A defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que volta a negar mais uma tentativa de soltura dos fazendeiros.
No STJ a relatoria fica com ministro Ribeiro Dantas que refutou a tese dos advogados de que houve confronto entre fazendeiros e os Guarani-Kaiowá. Ribeiro Dantas destacou que os proprietários rurais não somente estavam com maior número de pessoas, mas também portando armas de fogo.
Para o ministro, as investigações deixaram evidente que o grupo de fazendeiros fez o uso de armamento letal assumindo as consequências de mortes dos indígenas.
A última instância recorrida pelos acusados para sair da prisão passa a ser o STF. Escolhido como relator, o ministro Marco Aurélio Mello atende ao pedido de Buainain e determina sua liberdade. Para Mello, o juiz de primeira instância atribui ao acusado a possibilidade de voltar a praticar o ato pelo qual teve seu pedido de prisão, sem provas concretas de sua ligação com um eventual novo atentado.
“Partiu da capacidade intuitiva, olvidando que a presunção seria de postura digna, ante o fato de estar submetido aos holofotes da Justiça. Nada mais disse que pudesse, de forma individualizada, respaldar a inversão da ordem natural do processo-crime – apurar-se para, selada a culpa, prender-se, em verdadeira execução da pena”, escreveu Marco Aurélio Mello.
Outro fator levado em conta pelo ministro foi a “vida pregressa” de Nelson Buainain. Na avaliação de Marco Aurélio, o bom antecedente do fazendeiro mais a falta de provas que o ligasse a possíveis novos atentados contra os Guarani-Kaiowá sustentam sua decisão em deferir o habeas corpus.
A reportagem tentou localizar o advogado de Nelson Buainain, Gustavo Passarelli, mas ele não aceitou um pedido de entrevista. Sua secretária afirma não estar autorizada a informar o número do telefone celular do advogado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ministro do STF liberta fazendeiros acusados de morte de índio Guarani Kaiowá por “bom antecedente” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU