03 Novembro 2016
O filósofo marxista Antonio Negri (Pádua, 1933), um pensadores de maior influência nos movimentos de esquerda ocidentais e referência da crítica à globalização, passou dias intensos em São Paulo na semana passada. Em três dias de concorridas conferências na cidade, o professor da Universidade de Pádua, que passou anos na prisão na Itália e no exílio na França, discutiu a potência e as contradições do que chama de "hegemonia do trabalho cognitivo na produção capitalista". O coautor de Multidão: guerra e democracia na era do império (2005), discutiu também a conjuntura brasileira e o momento de impulso da direita no mundo todo.
A entrevista é de Tatiana Roque e Rosana Pinheiro-Machado, publicada por El País, 02-11-2016.
Eis a entrevista.
Você esteve no Brasil algumas vezes e acompanhou um pouco os avanços e as dificuldades dos diferentes governos do PT. O que pensa sobre o está acontecendo agora, com a destituição de Dilma e criminalização de diversas figuras do PT, entre as quais o próprio Lula?
Eu duvido fortemente que o PT possa se recuperar da situação na qual foi posto, da situação para a qual foi empurrado. Mas, na verdade, ele está pagando o preço de alguns erros que foram cometidos, na gestão do poder, quando caminhou no sentido neoliberal. Foi um pouco como uma traição das propostas, do programa, até mesmo do primeiro mandato de Dilma. O PT está pagando, sobretudo, acredito, o fato de não ter compreendido o que aconteceu em 2013, quando recusou aquilo tudo e enviou a polícia para prender movimentos, que eram movimentos que reivindicavam que mudasse sua linha política por meio de questões bem precisas, como o custo dos transportes nas cidades, quer dizer, o custo da reprodução das forças de trabalho dos pobres, em particular. Ou seja, considerando isso, considerando o fato de que devemos considerar isso como um defeito do PT, também é verdade o outro lado, que estamos em uma situação perigosa. É preciso sempre lembrar o que é a direita brasileira, não é uma direita muita limpa. Ela é conservadora, algumas vezes reacionária, algumas vezes racista etc. É uma direita que é ancorada na história sombria deste país. E, portanto, a situação é perigosa sob todos os pontos de vista.
Você percebe relações entre esta situação do Brasil e o cenário global da esquerda, que está em um momento de derrota, de certa forma, no qual vemos o avanço da direita no mundo inteiro, com um avanço das forças conservadoras?
As relações são bastante evidentes. A direita encontra-se, hoje, em uma posição de ataque, em todos os cenários continentais. E acredito que isso deu apoio, força e esperança à direita aqui. Do ponto de vista político, teve suas raízes nesses movimentos gerais. E em geral, a nível mundial, mas aqui também, a direita busca atacar aquelas que foram as conquistas da social democracia. Aqui, em particular, é evidente que eles já começaram a atacar os resultados, aquilo que resta da revolução lulista: o Bolsa Família, o bem-estar, as políticas de cotas e de expansão das universidades etc. Quer dizer, aquilo que caracterizou particularmente esta passagem do Brasil a uma situação de maturidade capitalista, pois não há maturidade capitalista sem que as classes produtivas estejam, de certa forma, garantidas. Estamos em uma situação tipicamente reacionária entre aspas. Uma situação na qual os trabalhadores, os trabalhadores no sentido social, correm riscos enormes. Nós veremos o que acontecerá.
Diante desse cenário, quais são os desafios da esquerda para o futuro? Será necessário que ela se reinvente em qual direção? Em que sentido a noção de esquerda pode continuar sendo operacional para as lutas?
A questão sobre se a noção de esquerda ainda faz sentido, na minha opinião, é equivocada e perigosa. Sempre existirá esquerda enquanto houver processos democráticos. Bem como sempre existirá uma direita. Nós podemos chamá-la de outra maneira, mas essa é a própria estrutura da democracia, a estrutura contratual entre aqueles que são ricos e aqueles que são miseráveis, entre aqueles que fazem certo uso, e têm uma certa concepção da liberdade, e aqueles que têm uma outra concepção da liberdade e da igualdade. Então, se dizemos que a esquerda acabou, estamos dizendo que não há mais possibilidade dos miseráveis se expressarem, logo a esquerda não acabou. O que está em crise é a esquerda socialista. O socialismo terminou seu curso histórico, pois ele parou diante do que era apenas uma fase que ele deveria conquistar. Mas depois ele parou. Algum grau de liberdade, igualdade e de bem-estar para os trabalhadores, mas, nos últimos tempos, a social-democracia, em nível mundial e também aqui no Brasil, se ligou ao programa neoliberal. Portanto, é preciso reinventar uma esquerda que não seja uma esquerda socialista, alguns chamam de “comunista” essa nova esquerda.
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“A direita encontra-se em posição de ataque em todos os cenários continentais”. Entrevista com Antonio Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU