01 Novembro 2016
O próximo ocupante da Casa Branca terá de enfrentar problemas estruturais dos Estados Unidos como o dos trabalhadores que, no final de seu turno, recolhem seus pertences e têm de ir dormir num albergue para indigentes.
A reportagem é de Amanda Mars, publicada por El País, 31-10-2016.
Ao encontro com este jornal, no centro de Manhattan, ela chega atrasada e inquieta. Ao trabalho também chegará alguns minutos depois da hora marcada. Os atrasos se sucedem e se retroalimentam. Como nesse dia ela faz o turno das 15h, provavelmente só voltará para casa depois das 22h e isso, aos 27 anos, é dito a ela como sendo uma falha. Não porque viva no seio de uma família rígida, mas porque essa é a hora limite de chegada ao albergue para indigentes no qual dorme quando sai do trabalho no McDonald’s. Pelo menos esse dia é sábado e ela não tem que organizar para levar e buscar na escola as crianças de oito, sete e quatro anos. Lá também costumam repreendê-la por seus atrasos.
A vida de Y., como pede para ser identificada, não é uma raridade: um terço das famílias que dormem nos centros para desabrigados da cidade é chefiada por uma pessoa com emprego. Mas em Nova York trabalhar já não significa ganhar a vida. Nos Estados Unidos como um todo, tampouco: 6 em cada 10 famílias que estão abaixo da linha de pobreza em todo o país têm pelo menos um de seus membros empregados, de acordo com o Instituto de Política Fiscal.
“Trabalho entre 25 e 30 horas por semana; não consegui que me dessem mais. E ganho normalmente cerca de cerca de 280 dólares (aproximadamente 892 reais) brutos por semana. Quando recebo o pagamento, a primeira coisa que faço é comprar comida, não dá para muito mais, pagar o telefone, o metrô... Preciso disso para poder trabalhar”, explica. Está há vários meses no albergue para indigentes, juntamente com os filhos e o marido desempregado, desde que foram despejados do apartamento em que moravam no bairro do Brooklyn. Em Nova York, a moradia é também um motor da pobreza: o aluguel de um estúdio no Bronx, construído em um programa destinado a “baixos salários”, custa 867 dólares mensais e para solicitá-lo é necessário comprovar um salário anual entre 31.098 e 36.300 dólares.
Quando o trabalho não dá o suficiente, o empregado recorre à assistência pública para cobrir suas necessidades básicas. Cerca de 71% das pessoas mantidas pelos programas de ajuda para os pobres são famílias cujo chefe trabalha, segundo um relatório do Centro de Pesquisa de Emprego e Educação da Universidade de Berkeley, que estima o total anual dessas ajudas em 152 bilhões de dólares. Se uma empresa com amplos benefícios paga salários inferiores ao nível de subsistência está transferindo os custos aos contribuintes norte-americanos, concluíram estes pesquisadores.
O gigante varejista Walmart, a empresa com mais trabalhadores do país, que teve um lucro líquido de 14,69 bilhões de dólares no ano passado deparou-se com uma polêmica considerável em 2013. Algumas de suas lojas em Ohio pediam donativos para os trabalhadores da rede em situação de necessidade. “Por favor, doem aqui produtos alimentícios para que os empregados em situação de necessidade possam ter um jantar de Ação de Graças”, dizia um dos cartazes fotografados em Cleveland.
“Se empresas tão grandes como Walmart ou McDonald’s pagassem o mínimo para viver, todos esses recursos seriam destinados para o que é realmente necessário, e os subsídios não se tornariam, no final, ajudas indiretas às empresas que, certamente, não precisam delas”, queixa-se Héctor Figueroa, presidente do sindicato dos trabalhadores de serviços SEIU. Essas grandes corporações se tornaram símbolos da precariedade salarial do país, embora o problema dos trabalhadores pobres seja generalizado no setor de serviços.
Lázaro Monterrey, de 40 anos, trabalha há cinco meses no aeroporto de Boston e ganha 10,5 dólares por hora, de quarta a sexta-feira, e no domingo, das 14h às 22h30. Quando trabalhava na construção civil recebia entre 15 e 20 dólares, o que era muito diferente. Ele cuida da filha adolescente, recebe ajudas médicas para pobres e dinheiro em espécie para comer.
O fast food foi o setor que iniciou a luta pelo salário de 15 dólares por hora, que ganhou várias batalhas, como na Califórnia e em Nova York, cujos governos assumiram esse valor como salário mínimo a ser alcançado num horizonte de vários anos. Entre 2006 e 2014, o salário mínimo federal passou de 5,25 para 7,25 dólares por hora. A pressão também mudou algumas coisas nas empresas. Em 2015, o citado McDonald’s aumentou o salário mínimo de seus empregados em 10%, para pouco mais de 10 dólares por hora. E o Walmart anunciou nesse mesmo ano que o elevaria ao mesmo nível. Mas alguns empregados se queixam de que agora trabalham menos horas.
Depois da Grande Recessão, o desemprego está em níveis mínimos no país mais rico do mundo, mas muitas dessas novas ocupações são de menos de 40 horas semanais, mesmo que o trabalhador peça para trabalhar mais. Stan Veuger, do American Enterprise Institute, um influente think tank conservador, alerta que um aumento para 15 dólares por hora do salário mínimo implicaria na “destruição de muitos empregos”. Em sua opinião, “eles podem ser ajudados de outra forma, com auxílios em seus impostos, por exemplo, e dirigidos às famílias; não pode enfrentar da mesma maneira o caso de um estudante com o seu primeiro emprego e o de uma família”.
A família de Y. é mais uma num amálgama de estatísticas, embora a situação a envergonhe e ela esconda no ambiente de trabalho o fato de dormir num albergue. A tendência para a desigualdade não se deve a republicanos ou a democratas, foi construída ao longo dos anos. Isso explica que trabalhadores como ela não tenham precisamente as eleições da próxima semana na cabeça.
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Quando trabalhar no McDonald’s e no Walmart não te garante um teto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU