28 Outubro 2016
"Cerca de 60 mil mulheres e meninas são assassinadas a cada ano no mundo, com frequência e em uma escalada de violência doméstica. Estudos nacionais realizados na África do Sul e no Brasil estimam que a cada seis horas uma mulher é morta por seu companheiro íntimo. O lar não é um abrigo e é arriscado para as mulheres denunciarem seus agressores", escreve Phumzile Malambo-Ngcuka, secretária-geral adjunta das Nações Unidas e diretora executiva da ONU Mulheres, em artigo publicado por Envolverde/IPS, 26-10-2016.
Eis o artigo.
A ONU Mulheres está profundamente preocupada pela brutal violência sexual e pelo assassinato de mulheres e meninas recentemente registrados na Argentina e que repercutem em toda a América Latina, e além. Esta é uma forma de terror íntimo que foi normalizada em sua magnitude e pela aceitação de sua inevitabilidade em algumas partes. Mas isso não é normal e não pode continuar.
Além dos custos pessoais inaceitáveis, revelam-se profundas e prejudiciais falhas da sociedade que ultimamente tem um alto custo na perda de progresso em cada país. Unimos vozes a todos que dizem “nem uma a menos” e pedimos ações urgentes em todos os níveis, desde os governos até as pessoas, que impulsionem mudanças para prevenir que não haja mais um único assassinato. A violência contra as mulheres e as meninas deve parar.
Primeiramente, o recente caso de feminicídio de uma adolescente na Argentina e o assassinato de uma menina de nove anos no Chile não devem ficar sem castigo. Globalmente, a impunidade é um elemento comum na perpetuação da violência e discriminação contra as mulheres. Se os homens podem tratar as mulheres tão mal quanto queiram com pouca ou nenhuma consequência, isso nega todos os esforços para construir um mundo que seja seguro para as mulheres e as meninas e no qual elas possam florescer.
Cerca de 60 mil mulheres e meninas são assassinadas a cada ano no mundo, com frequência e em uma escalada de violência doméstica. Estudos nacionais realizados na África do Sul e no Brasil estimam que a cada seis horas uma mulher é morta por seu companheiro íntimo. O lar não é um abrigo e é arriscado para as mulheres denunciarem seus agressores.
Sair de casa também implica perigos. Estudos recentes realizados no Brasil indicam que 85% das mulheres têm medo de sair na rua. Em Port Moresby, em Papua-Nova Guiné, cerca de 90% das mulheres e meninas sofrem alguma forma de violência sexual quando utilizam o transporte público.
Como comunidade internacional, articulamos fortemente um espaço próprio para uma população pujante de mulheres e meninas, e as múltiplas formas em que isso é melhor para todos. Desde a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada em setembro de 2015, até a Nova Agenda Urbana adotada este mês em Quito, está claro que precisamos acabar com a violência e prevenir a sua repetição.
Isso exige leis, políticas públicas, cidades seguras, transporte público, melhores serviços e o compromisso de homens e meninos na construção de uma cultura que acabe com todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas e que termine com o feminicídio. A mudança deve ocorrer em muitos níveis, tanto nas estruturas culturais como físicas de nossas sociedades. Trabalhamos de perto com a sociedade civil e o movimento feminista, que são atores importantes na denúncia da violência, impulsionando a mudança de políticas e propondo soluções.
Para obter mais informação e apoiar o fim da impunidade,desenvolvemos, junto com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (IACNUDH), um modelo de protocolo que permite investigar adequadamente esse tipo de crime para acabar com a impunidade, além de identificar as brechas na cadeia de investigação para conseguir prevenir os feminicídios.
Vamos usá-lo inicialmente para a investigação de feminicídios na América Latina, onde o número de países com altas taxas de feminicídio está crescendo. Estamos alinhadas com a Relatora Especial das Nações Unidas para a Violência Contra as Mulheres, que chamou pela criação de um observatório global de feminicídios, com um painel interdisciplinar de especialistas para coletar e analisar dados sobre esses assassinatos,suas causas e suas consequências.
Existem alguns progressos animadores: na América Latina, 16 países (quase metade da região) adotaram legislação para garantir que o feminicídio seja adequadamente investigado e punido.Isso deve ser uma tendência global. Não é responsabilidade de um único setor, mas um esforço coletivo e coordenado.
Exortamos os governos a reconhecerem a magnitude e as implicações da violência contra mulheres e meninas, e se comprometam em recolher dados com os quais se possa quantificá-la, e não apenas fornecer serviços para as sobreviventes e vítimas, mas incrementar substancialmente uma forte ação judicial para conseguir o fechamento de casos com as respectivas condenações, além de esforços construtivos e criativos para prevenir e castigar todos os crimes violentos contra mulheres e meninas.
Em nível mundial, no ano passado subscrevemos o objetivo de igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de violência contra mulheres e meninas. Conseguir isso não é apenas o fim de uma terrível violação dos direitos humanos, mas a chave para a construção de um mundo melhor e mais igual – um planeta 50-50.
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Quem paga pelo assassinato de mulheres? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU