29 Agosto 2016
“Como se revelou nos chamados Panamá Papers, os bens e capitais mantidos em paraísos fiscais permitem ocultar a identidade dos verdadeiros titulares das contas e das operações realizadas. Estes mecanismos são utilizados, sobretudo, para evadir o pagamento de impostos ou para ocultar a origem das riquezas”, escreve Guillaume Long em artigo publicado por Alainet, 24-08-2016. A tradução é de André Langer.
Guillaume Long, atual ministro de Relações Exteriores e Mobilidade Humana do Equador, é historiador, com doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Londres. No atual governo, foi ministro da Cultura e Patrimônio e ministro coordenador de Conhecimento e Talento Humano.
Eis o artigo.
Em 14 de julho passado, o presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou sua decisão de promover uma consulta popular para que a população se pronuncie sobre a proibição de dignitários ou funcionários públicos terem bens ou capitais em paraísos fiscais. O presidente Correa argumentou que os paraísos fiscais “constituem-se em um dos piores inimigos das nossas democracias”, o que “não apenas gera corrupção, mas também aumenta as desigualdades e as diferenças sociais”.
Como se revelou nos chamados Panamá Papers, os bens e capitais mantidos em paraísos fiscais permitem ocultar a identidade dos verdadeiros titulares das contas e das operações realizadas. Estes mecanismos são utilizados, sobretudo, para evadir o pagamento de impostos ou para ocultar a origem das riquezas.
A luta contra os paraísos fiscais foi uma constante no governo da Revolução Cidadã. Contamos agora com um sistema transparente de gestão pública, a aprovação de novas leis e a criação de instâncias de transparência e controle social que agem em nível nacional. Esta consulta é uma nova iniciativa do governo que se inscreve no marco da proposta do presidente Correa de impulsionar um Pacto Ético, para que as pessoas eleitas por sufrágio universal e os servidores públicos cumpram com altos padrões éticos.
Alguns setores da oposição política, secundados por alguns meios de comunicação, já manifestaram ser contrários à proposta, argumentando que com “seu dinheiro” podem fazer o que bem quiserem, o que não só mostra sua falta de compromisso com o país, mas também a dupla moral de alguns deles que aspiram a ser líderes do país.
Se os equatorianos e equatorianas votarem a favor da medida da consulta que será convocada conjuntamente com as eleições gerais de fevereiro próximo, a Assembleia Nacional, no prazo de um ano após a proclamação dos resultados, deverá reformar a Lei Orgânica de Serviço Público, o Código da Democracia e as demais leis pertinentes, a fim de adequá-las ao pronunciamento majoritário da cidadania. Neste prazo, os servidores públicos que tiverem capitais e bens de qualquer natureza em paraísos fiscais deverão acatar o mandato popular e seu descumprimento será causa de destituição.
O Equador e os paraísos fiscais
No caso do Equador, 3 bilhões e 379 milhões de dólares foram parar em paraísos fiscais somente nos anos 2014 e 2015. Este é um dado similar ao montante requerido para a reconstrução das províncias da costa equatoriana atingidas pelo terremoto de 7.8 graus de 16 de abril passado.
De acordo com o Serviço de Rendas Internas, dos 200 maiores grupos econômicos existentes, 94 consórcios têm vinculações com paraísos fiscais. Esta lista inclui bancos e empresas que mantêm atividades comerciais.
Atualmente, e com a finalidade de realizar uma investigação profunda sobre os paraísos fiscais, a partir da divulgação de documentos da empresa Mossack Fonseca, a Comissão de Justiça da Assembleia Nacional está analisando o movimento de divisas das principais empresas de grupos econômicos.
Mas, o mais alarmante é que as elites tiraram 30 bilhões de dólares do país e os levaram para paraísos fiscais. Imaginemos por um instante quantos empregos poderiam ter sido gerados se este dinheiro sem rosto e sem nome não estivesse escondido nas caixas fortes de um banco offshore que lubrifica a economia mundial e enriquece elites globais. Quantas escolas e hospitais poderiam ter sido construídos se os donos deste capital tivessem pagado seus impostos?
O Equador leva sua proposta para o âmbito mundial
Em nível doméstico, o Equador promove a consulta popular; mas, no nível internacional, o país lidera importantes e novas iniciativas de justiça fiscal. Para levá-las a cabo, é necessário que o debate sobre os paraísos fiscais se realize em todos os foros possíveis.
É importante recordar que o presidente Correa foi o único chefe de Estado a participar da campanha internacional da organização Oxfam para erradicar os paraísos fiscais (1). Na carta dirigida a líderes mundiais, assinada por 300 economias em maio deste ano, exigem-se novos acordos internacionais sobre temas como a elaboração de reportes país, de acesso público, inclusive no caso de paraísos fiscais.
Argumenta-se que “embora a evasão e a fraude fiscal prejudiquem a todos os países, proporcionalmente os países pobres, que anualmente perdem cerca de 170 bilhões de dólares de ingressos fiscais em consequência destas práticas, são os mais prejudicados” (2). No caso da América Latina e do Caribe, 32 milhões de pessoas poderiam sair da pobreza, caso os capitais das elites latino-americanas escondidos em paraísos fiscais pagassem o correspondente imposto sobre a renda, segundo destacou a Oxfam.
Na 32ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, argumentei que os paraísos fiscais são uma aberração econômica que impede o desenvolvimento, e, por conseguinte, a garantia dos direitos, e insisti na necessidade de criar um instrumento para erradicá-los.
É fundamental, neste sentido, sensibilizar a comunidade internacional sobre a importância desta luta para o desenvolvimento dos nossos povos e para alcançar alianças estratégicas para fortalecer a nossa proposta em nível internacional. Não obstante, os resultados não se fizeram esperar. Em junho passado, o Comitê de Descolonização das Nações Unidas incorporou uma proposta do Equador, na qual insta as potências coloniais “para que não empreendam nenhum tipo de atividade ilícita, nociva e improdutiva, incluindo a utilização dos territórios não autônomos como paraísos fiscais”.
Por outro lado, em setembro deste ano, o governo proporá na Assembleia Geral da ONU a inclusão deste tema na agenda, assim como uma proposta internacional que proíba os paraísos fiscais. O Equador lançará uma campanha internacional para divulgar suas propostas e sensibilizar a opinião pública mundial sobre males provocados pelos paraísos fiscais.
Adesão ao Pacto Ético
O nosso país [o Equador] mantém um compromisso irrestrito para garantir a transparência em todos os níveis da sociedade. Continuaremos com a nossa campanha global para acabar com os paraísos fiscais e convidamos todos os Estados da comunidade internacional a se unirem ao #PactoEticoYa, demonstrando seu verdadeiro compromisso com a ética e a transparência, agindo sobre as jurisdições com práticas fiscais e a renovarem seu compromisso com um mundo justo e solidário.
Notas:
(1) Andes, President Rafael Correa commits to end offshore secrecy. http://www.andes.info.ec/en/ news/president-rafael-correa-commits-end-offshoresecrecy.html Agencia Andes, 9 de junho de 2016. Data da consulta: 1° de agosto de 2016.
(2) Oxfam International, 300 economistas advierten que los paraísos fiscales “carecen de un propósito económico útil”. 9 de maio de 2016. https://www. oxfam.org/es/sala-de-prensa/notas-de-prensa/2016- 05-09/300-economistas-advierten-de-que-los-paraisos-fiscales. Data da consulta: 1° de agosto de 2016.
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Equador promove consulta popular sobre paraísos fiscais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU