24 Agosto 2016
O Ibama deve conceder, nesta semana, a licença prévia para a construção de uma nova usina termoelétrica no Brasil, a Ouro Negro, planejada para ser construída na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. O projeto está sendo criticado por ambientalistas não apenas por contribuir para o aumento das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, mas também porque vai aumentar em 25% o consumo de água em uma região já considerada crítica em termos de oferta hídrica.
A reportagem é de Giovana Girardi, publicada por O Estado de S. Paulo, 23-08-2016.
Imagem: O Estado de S. Paulo.
O alerta está sendo feito por pesquisadores do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), que analisaram os impactos que podem ocorrer com o funcionamento da usina. Eles partiram da avaliação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) elaborado pela empresa, mas consideraram também dados da Agência Nacional de Águas (ANA) e informações sobre o entorno.
A região onde usina está sendo planejada é a principal produtora do Brasil de carvão mineral – o combustível usado para gerar energia –, e já abriga um polo de termoelétricas: as usinas Presidente Médici A, B e Candiota 3, além de mais uma em construção, a Pampa Sul.
Com a instalação da Ouro Negro, empresa que conta com capital chinês, haverá uma captação média extra de 1435 m³/h de água do arroio Candiota, que abastece as cidades de Pedras Altas, Bagé e Candiota.
Esse montante vai representar um aumento 25% sobre a captação que já ocorre hoje, elevando para 70% a participação das termoelétricas no total de água consumida na região. Toda essa água vai para o resfriamento das máquinas das usinas durante a produção de energia.
O problema, apontam os pesquisadores, é que a região é classificada pela ANA como crítica quanto à disponibilidade hídrica. E o próprio EIA do empreendimento reconhece, nas simulações de demanda, que poderá ocorrer “em alguns cenários falha no atendimento”.
Mesmo com esse aumento, porém, a ANA concedeu no último 12 uma outorga preventiva para a captação dessa água e, com base nessa aprovação, o Ibama já decidiu que vai dar a licença prévia (LP). Falta apenas um detalhe burocrático – o pagamento de uma guia por parte do empreendedor –, para a LP ser concedida.
“É uma água que evapora, vira nuvem, não volta para o sistema hídrico daquela região, pode cair muito longe dali”, afirma Gabriel Viscondi, um dos engenheiros responsáveis pelo estudo. Kamyla Borges Cunha, que coordenou o trabalho, lembra que a cidade de Candiota vem sofrendo nos últimos anos com a seca, tendo inclusive de comprar caminhões-pipa para abastecer a população.
“Isso antes mesmo da Ouro Negro funcionar. Imagina como pode ficar se ocorrer outra seca grave?”, questiona Kamyla. Pelos cálculos do grupo, o consumo total de água da usina é correspondente ao uso residencial de uma cidade de 158 mil habitantes.
Os pesquisadores defendem que outras alternativas tecnológicas deveriam ter sido consideradas para evitar o uso da água, como o resfriamento a ar. “O EIA se limita a informar que essa alternativa não é muito usada em usinas de grande porte, porque poderia perder eficiência. Mas na África do Sul, por exemplo, tem uma usina de 4 mil megawatts funcionando assim. Na China e nos Estados Unidos também. A China, aliás, opta pelo ar em locais com crise hídrica”, comenta Viscondi. A Ouro Negro vai gerar 600 megawatts. Para o Brasil não é um volume pequeno. Se entrasse em funcionamento hoje, seria a segunda maior.
Questionado sobre o estudo, o técnico André Raymundo Pante, coordenador de regulação da ANA que esteve envolvido na solicitação da outorga, reconheceu que as várias termelétricas de fato vão consumir 70% da água da região, mas alegou que os outros consumos (humano, animal) não serão prejudicados. “Pela nossa análise, tanto os usuários atuais quanto os futuros, como um polo cerâmico que está sendo planejado para a região, continuarão sendo atendidos. A usina cabe ali. É a vocação da região. Tem o carvão ali, o uso vai ser basicamente para termelétrica mesmo”, disse.
Pante afirmou também que a outorga se trata de um “ato precário” e que pode ser revista se houver uma mudança de cenário, como uma seca grave.
Por meio de nota, a Ouro Negro afirmou que o projeto “foi desenvolvido empregando tecnologias selecionadas entre as mais modernas disponíveis no mercado mundial para geração de energia, com destaque para a racionalização do uso de água”. Disse também que “o abastecimento de água para o empreendimento baseia-se na utilização de volumes armazenados em reservatório no arroio Candiota cuja finalidade é justamente garantir a água necessária para a usina, sem comprometer os demais usos, atuais e futuros”.
O Iema estimou ainda que a usina deve contribuir com um aumento de 7% das emissões de gases de efeito estufa do sistema elétrico brasileiro, em comparação com os valores apresentados no relatório do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases (Seeg), de 2014. Se forem contadas somente as emissões que temos hoje provenientes de carvão mineral, o aumento será de 31%.
Sobre esse aspecto, por meio de nota, o Ibama informou que “a bacia aérea tem capacidade para receber a termelétrica, uma vez que nem todos os empreendimentos previstos para a região foram instalados.” Disse também que a licença-prévia será concedida tão logo o empreendedor faça o pagamento.
Candiota. Um retrocesso ambiental. Entrevista especial com Lucia Ortiz
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ibama vai liberar termoelétrica em região com crise hídrica no RS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU