09 Agosto 2016
Eles são haitianos, mas falam português. Estavam no Brasil, onde lhes deram refúgio depois do terremoto de 2010, mas o sonho brasileiro acabou para eles. “São bons brasileiros, mas lá crise política, tudo mal”, diz Patrick, que como todos os seus companheiros de viagem têm a vida reduzida a uma mochila. Algumas semanas atrás começaram a desfazer o caminho feito, mas em vez de retornar ao Haiti, querem chegar aos Estados Unidos atravessando a América Central. Entraram no Equador, vindos do Peru, e atualmente estão presos na ponte Rumichaca, na fronteira entre Equador e Colômbia. “Não deixam entrar, não sei por que”, diz Magali, uma jovem haitiana que passou três anos em São Paulo, mas decidiu sair por falta de trabalho. “Não queremos ficar na Colômbia, nós queremos seguir em frente”, insiste.
A reportagem é de Soraya Constante, publicada por El País, 08-08-2016.
Na semana passada, mais de 200 haitianos chegaram a esse ponto e encontraram um ferrolho na fronteira. A maior parte do grupo foi retida nas instalações da imigração colombiana que lhes deu a ordem de deixar o país em 48 horas, e, em seguida, os levou a Pasto para que solicitassem um salvo-conduto. Agora a polícia colombiana se postou no meio da ponte Rumichaca para evitar que coloquem o pé na Colômbia, e tem a ordem de analisar a documentação de todos os que tentam atravessar. Na melhor das hipóteses, os haitianos só possuem a permissão de trabalho brasileira e quando chegam a esse ponto estão num limbo porque não podem entrar na Colômbia e tampouco voltar para o Equador, porque sua saída de alguma maneira já foi registrada. Então eles ficam nos corredores de pedestres da ponte, sem poder usar nem sequer o banheiro, aguentando a baixa temperatura da região, que durante o dia fica em torno dos 10 graus e à noite cai para três graus. Eles são cerca de vinte.
Há outro grupo, de aproximadamente 50 haitianos, que também se aferra à ponte, mas que oficialmente ainda não saiu do Equador. Estes têm um pouco mais de liberdade e alguns deles, principalmente os que estão com crianças, voltam para dormir em Tulcán, a última cidade do lado equatoriano, onde por 10 dólares (cerca de 32 reais) podem se refugiar num hotel. Mas a estadia deles nesses hotéis também é uma aventura. Há apenas 10 dias, a polícia equatoriana prendeu 25 haitianos nos hotéis de Tulcán; 21 deles foram levados para Quito e depois deportados para Huaquillas (Peru), o ponto por onde entraram no país.
As autoridades de imigração da Colômbia e do Equador se recusam a se pronunciar sobre o crescente fluxo de haitianos e cubanos que atravessam seus países rumo aos Estados Unidos. O Equador tem uma política de exceção de vistos em vigor desde 2008, mas no ano passado o Ministério das Relações Exteriores impediu a migração dos habitantes das duas ilhas: os cubanos foram obrigados a ter um visto de turismo e os haitianos foram convidados a se inscrever no sistema virtual de registro de turistas e esperar uma autorização para viajar ao país.
Os policiais que guardam a ponte de Rumichaca afirmam cumprir ordens superiores e se mostram impassíveis atrás das barreiras de segurança instaladas nos corredores de pedestres da ponte. O controle dos veículos também foi reforçado. Agora há somente uma pista por onde passam os carros e todos são revistados, inclusive os táxis equatorianos que habitualmente levam passageiros de Tulcán para o lado colombiano da ponte. As cooperativas de táxi emitiram uma circular interna no mês passado com a disposição de não prestar serviços a haitianos e cubanos para evitar problemas.
Mas nada parece deter os haitianos, que só querem avançar. Jean Onius Thilus, pai de quatro meninas, que deixou Porto Alegre porque só ganhava cerca de 300 dólares e não era o suficiente, tenta entrar na Colômbia há uma semana, e todos os dias espera para ver se a fronteira é aberta. Na madrugara seguinte à entrevista que fiz com ele para esta reportagem, disse-me pelo WhatsApp:
- Estamos no hotel agora. Não deixar nós passar.
- O que vão fazer amanhã?
- Vamos tentar de novo.
- Só Deus pode falar por nós.
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A ponte que os haitianos não podem cruzar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU