09 Agosto 2016
A dura verdade sobre o Islã, hoje, é que ele é alternadamente tanto pacífico como violento, projeta tanto tolerância como ódio, e os líderes cristãos deveriam procurar ter presente estas duas facetas ao falarem com – e sobre – os muçulmanos.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 07-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Quando visitou Assis na quinta-feira da semana passada, o Papa Francisco teve um breve encontro com o imã da Perúgia, Abdel Qader Mohammed, quem agradeceu o pontífice por este negar recentemente que o Islã seja uma religião de violência.
“Um agradecimento sincero ao Papa Francisco por sua proximidade junto a nós muçulmanos”, disse Mohammed segundo a revista oficial dos franciscanos em Assis.
Um dia antes, eu estive em Toronto, no Canadá, para cobrir a Convenção Suprema dos Cavaleiros de Colombo.
Os Cavaleiros fizeram da defesa dos cristãos no Oriente Médio um importante tema em seu encontro, e vários bispos da região em conflito estiveram presentes, incluindo prelados da Síria, do Iraque e do Paquistão – lugares onde a minoria cristã enfrenta ameaças de morte por parte de radicais muçulmanos.
Nas conversas com estes bispos, alguns me contaram que a retórica do papa sobre o Islã não está sendo bem recebida entre os seus rebanhos, e alguns cristãos inclusive têm se sentido traídos.
Num importante discurso proferido na quarta-feira durante o evento em Toronto, o Patriarca Ignatius Joseph III Younan, da Igreja Católica Siríaca, disse que, embora o Alcorão de fato contenha versos que falam de paz, ele também possui outros que claramente endossam a violência, e que quando se pede que os jovens memorizem tais passagens nas escolas islâmicas, “não será fácil evitá-los de se tornarem terroristas ou assassinos”.
Em geral, Younan pareceu pessimista quanto às perspectivas futuras de uma reforma dentro do Islã, sustentando que o único modo de manter seguros os cristãos é ter as maiores potências mundiais fazendo pressão política e econômica sobre os regimes do Oriente Médio a fim de impor uma aparência de ordem.
Assim que sua fala terminou, brinquei dizendo a alguns colegas que, dependendo de quem ouvir isto, facilmente ver a oposição: o Patriarca versus o Papa.
Na verdade, pode-se interpretar o papa e o patriarca que falou neste evento no Canadá como complementares, não contraditórios. Com efeito, cada um proferiu uma parte do todo ao se considerar o Islã do século XXI.
Do lado do papa, é fato que a ampla maioria dos 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo não são terroristas tampouco simpatizantes; eles não consideram que a religião deles pressuponha violência; e estão tão chocados com o Estado Islâmico, com o Al-Shabaab, com o Boko Haram quanto os demais.
Quando a minha colega Inés San Martín e eu estivemos na Nigéria meses atrás, por exemplo, ouvimos histórias e mais histórias envolvendo muçulmanos e cristãos unidos por uma causa comum: muçulmanos que circundavam igrejas aos domingos a fim de manter os fiéis seguros, agindo como escudos humanos, enquanto que cristãos retornavam o favor a mesquitas de fiéis moderados, que sãos alvos também dos militantes do Boko Haram.
Além disso, o Papa Francisco tem plena ciência de que não existe alternativa senão crer que o Islã é capaz de promover a paz e ser tolerante. Caso contrário, a única conclusão lógica seria um ciclo permanente de conflito e derramamento de sangue entre as duas maiores tradições religiosas – juntos, cristãos e muçulmanos representam quase 4 bilhões de pessoas, mais da metade da população mundial.
Younan, no entanto, apresentou um ponto de vista igualmente válido, que é o de que existe um câncer dentro do Islã hoje, grupo que se transformou na principal “fábrica” de ódio contra os cristãos no mundo.
Aliás, não é que a perseguição religiosa seja mais evidente quando acontece aos cristãos. O que acontece é que em praticamente todos os 50 países de maioria muçulmana, e especialmente os do Oriente Médio, os cristãos encontram-se numa situação particularmente vulnerável, em parte por causa da história, em parte por causa da tendência de associar estas pessoas aos agravos do Ocidente.
Jean-Clément Jeanbart, arcebispo greco-melquita de Aleppo, emocionou-se visivelmente em vários momentos durante a convenção dos Cavaleiros de Colombo, dizendo: “O nosso povo está aterrorizado, e nós estamos correndo um grande risco de desaparecer”.
A última vez que eu vi Jeanbart foi em abril de 2015, logo depois que forças do Estado Islâmico deram início a uma rodada de ataques de foguetes contra um bairro cristão em Aleppo que deixou 15 mortos, incluindo uma família de quatro greco-melquitas. Uma das responsabilidades mais sombrias de Jeanbart era encontrar lugar adequado para enterrar as vítimas, visto que o cemitério cristão de Aleppo fora cercado por atiradores.
Esta não é a primeira vez que Jeanbart presenciou uma tragédia. Em outubro de 2012, o seu secretário e padre arquidiocesano Imad Daher quase morreu quando uma bomba explodiu perto da residência onde morava. Daher precisou ser levado de helicóptero a Beirute para se submeter a cirurgias. Entre outras coisas, ele perdeu um dos olhos.
Em circunstâncias assim, é fácil entender por que referências irênicas ao Islã como “uma religião de paz” tiram do sério muitas pessoas, pois a experiência diária enfrentada por figuras como Younan e Jeanbart simplesmente não é a de paz.
A dura verdade sobre o Islã, hoje, é que ele é alternadamente tanto pacífico como violento, projeta tanto tolerância como ódio para com os cristãos e outras minorias. Ignorar qualquer um destes contrastes é negar a realidade, e os líderes cristãos deveriam procurar ter presente estas duas facetas ao falarem com – e sobre – os muçulmanos.
A propósito, Francisco e Younan sabem disso. Francisco tem falado repetidamente sobre os números surpreendentes de novos mártires cristãos na atualidade, bem como tem feito referência a um “ecumenismo de sangue” criado pelas perseguições religiosas, enquanto que Younan está plenamente ciente da longa história de coexistência pacífica na Síria. Na verdade, é exatamente a perda desta tradição que torna a situação atual tão agonizante.
Em outras palavras, não se trata de escolher entre a linha de pensamento do papa ou a linha de pensamento do patriarca exemplificadas em falas proferidas semana passada. Em vez disso, a fórmula adequada para o caso provavelmente seja esta: “Papa + Patriarca = a história completa”.
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Sobre Islã e violência, Papa + Patriarca = a história completa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU