21 Julho 2016
Sem uma ampla reforma tributária de qualidade, a economia brasileira não crescerá de forma sustentável e com inclusão. É impossível.
O artigo é de Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology, publicado por CartaCapital, 21-07-2016.
Eis o artigo.
Parece haver concordância entre os especialistas de que o sistema tributário brasileiro é um dos piores do mundo: completamente torto, ineficiente, gerador de desigualdades, um monte de entulho que precisa ser reformulado.
Quanto mais se aprofunda em política tributária e se conhece o que há de desenvolvido no mundo, a certeza sobre esse fato se fortalece e a gravidade do problema parece maior.
Surge, então, a seguinte dúvida: para que serviu a Secretaria de Política Tributária do Ministério da Fazenda nos últimos 21 anos? Desde 1995 as medidas do Brasil seguem quase sempre a completa contramão teórica e prática do mundo. É um case para estudo.
Ainda em 1995, as alíquotas mais altas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) foram diminuídas, reduzindo a progressividade de um sistema já pouco progressivo.
No mesmo ano, começou a viger a isenção dos dividendos, uma das piores decisões nesses últimos 21 anos, pois, além de afundar de vez a progressividade, gerou diversas distorções graves, como a chamada “pejotização”.
Existem hoje, no Brasil, mais declarações de IRPF de empresários e autônomos do que de empregados do setor privado. Há muito cacique para pouco índio. A isenção dos dividendos fez com que inúmeros empregados se tornassem sócios de empresas e muitas empresas fossem constituídas por empregados, ambos apenas para reduzir tributação.
A isenção dos dividendos é central para a previdência, pois ela é causa de redução do seu financiamento, mas ninguém fala sobre isso. Quando o empregado vira sócio, ele deixa de pagar a contribuição previdenciária com alíquotas de 8%, 9% e 11%, enquanto que sua empresa, no Simples Nacional obviamente, irá pagar, em suma, de 4% a 7,83% no setor de serviços e 2,75% a 4,6% no setor de indústria e no de comércio.
Dezenas de outras bizarrices, como o PIS e a COFINS, que não encontram semelhantes em nenhum país desenvolvido, foram criadas ao longo dos últimos 21 anos, porém não foram extintas até hoje.
A média da tributação do consumo não passa de 20% nos países da OECD, enquanto que pode ultrapassar os 40% no Brasil. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), um excelente imposto, por ser pouco distorcivo e bastante apto à progressividade, é mal desenhado e mal fiscalizado.
Seria possível escrever um longo tratado sobre os graves problemas do sistema tributário e as suas discrepâncias em relação ao que há de desenvolvido no mundo. O Brasil só não muda por falta de interesse e conhecimento.
Este texto pretende focar em uma simples questão, existente desde o Código Tributário Brasileiro (CTN), publicado em 1966 (Lei 5.172), que envolve bilhões de reais em tributos e milhões em despesas a fiscos, contribuintes e Judiciário, não havendo qualquer razão para que ela não seja resolvida imediatamente.
Trata-se de algumas das regras para contagem de prazos de decadência tributária, que geram ainda muitas dúvidas e, portanto, um gigantesco contencioso, prejudicando as partes que discutem nos processos, assim como os órgãos administrativos e judiciais que precisam julgá-las.
O primeiro elementar problema é a existência de dois prazos de decadência para que o Fisco possa realizar a cobrança de débitos tributários não quitados pelos contribuintes. Os artigos 150, §4º, e 173, inciso I, do CTN, trazem regras distintas que geram milhares de processos desnecessários.
Criou-se uma regra de contagem do prazo de 5 anos para cada situação. Se o lançamento é por homologação, aquele no qual o contribuinte realiza a declaração e paga o tributo, cabendo ao Fisco verificar se foi feito da forma correta, conta-se o prazo desde o fato que gerou o tributo. Se o lançamento é de ofício, aquele no qual o fisco lança o tributo, conta-se o prazo apenas a partir do primeiro dia do ano seguinte ao da ocorrência do fato gerador.
Para saber se deve ser aplicada uma regra ou outra, pode ser bastante complicado, pois há que se verificar ainda se deixou de ocorrer o pagamento ou se houve dolo, fraude ou simulação, que impõem a aplicação da contagem do art. 173, I, do CTN.
Há ainda inúmeras questões específicas envolvendo o uso de créditos para pagamento de tributos, outras compensações etc. Em suma, essa é uma filigrana técnica desnecessária, como muitas do sistema brasileiro.
Criar regras complicadas, que parecem engenhosas e boas sob uma única perspectiva é muito fácil. Difícil é construir uma política tributária com todos os efeitos bem pensados, simples, que não gere distorções desnecessárias.
O Brasil passou a sua história buscando regras que tornam a tributação cada vez mais complicada, cheia de hipóteses e exceções, que não ajudam em nada a economia do país.
Desenhou-se um sistema em busca quase sempre de mais tributação sobre todos e menos sobre si e os amigos, sem que se focasse, de fato, na busca conjugada por máxima eficiência e equidade.
Como os processos tributários, em regra, não trazem nada de bom para a economia, sendo um mal necessário à solução de conflitos, quanto menos a legislação colaborar para o seu nascimento, será melhor. Por que não criar, então, uma contagem única de decadência que ponha fim às discussões
Bastaria uma lei complementar extinguir ambos os dispositivos do CTN já mencionados e criar um novo que diga o seguinte: “A Fazenda Pública tem o prazo de 5 anos para constituir o crédito tributário, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele da ocorrência do fato gerador em todas as hipóteses de lançamento”.
Com essa simples alteração, as discussões seriam reduzidas e seria dado fim a milhares de processos a serem gerados com certeza nos próximos anos. Não dá para voltar atrás e corrigir os erros do passado, porém é possível construir um novo futuro.
A decadência faz com que indubitáveis devedores deixem de pagar tributos, muitas vezes, pelo fato de o fisco ter atrasado 1 dia na cobrança. Não pode haver dúvida sobre esse tipo de prazo e ele não pode ser curto. A unificação da regra nos moldes do atual art. 173, I, do CTN, daria ao fisco sempre 5 anos e mais alguns dias para cobrar os tributos, o que é bastante razoável.
Para que os contribuintes não se sintam unicamente prejudicados com essa alteração, há outra a ser realizada. Não há um dispositivo legal específico regendo casos em que um contribuinte pede compensação de prejuízos fiscais ou saldos negativos de IRPJ ou CSLL e o fisco entende que pode questioná-los, ainda que tenham sido constituídos 15 anos antes.
Se no primeiro caso mencionado, estão sobrando normas; nesse segundo caso, faltam normas. Pela lógica, se o fisco tem 5 anos para exigir tributos, quando ele não aceitar prejuízos e saldos negativos, situação que leva a pagamento de mais tributos, deveria ser aplicado o mesmo prazo, até porque prejuízos, saldos negativos e quaisquer créditos do contribuinte estão imbricados com a apuração dos tributos e devem ser objeto de fiscalização.
Como não há lei, no entanto, que diga isso, milhares de processos administrativos e judiciais são gerados para discutir o tema. Na mesma lei que irá corrigir aquele primeiro problema, deveria haver uma previsão dizendo o seguinte: “A Fazenda Pública tem 5 anos para questionar as constituições de créditos, prejuízos fiscais, saldo negativos e similares pelo contribuinte, contados do primeiro dia do exercício seguinte à entrega da declaração que realiza a constituição”.
O Ministério da Fazenda precisa ter um setor que realize esse tipo de trabalho. Não é possível que os responsáveis pela política tributária não conheçam os terríveis problemas jurídico-tributários do País, nem consigam realizar análises socioeconômicas profundas para entender os efeitos gravíssimos do sistema brasileiro.
Sem uma ampla reforma tributária de qualidade, a economia brasileira não crescerá de forma sustentável e com inclusão. É impossível.
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Uma filigrana tributária que vale bilhões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU