21 Junho 2016
Um ano após a publicação da encíclica Laudato si', são muitos os líderes ambientalistas assassinados em todos os cantos do planeta. E muitos outros continuam lutando por um mundo mais justo.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada no sítio Mondo e Missione, 17-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A fotografia que, durante o primeiro Encontro dos Movimentos Populares no Vaticano, mostra-a ao lado do Papa Francisco com os ponchos dos índios Lencha já se tornou um símbolo. No dia 28 de outubro de 2014, a hondurenha Berta Cáceres (foto abaixo) também estava presente, escutando as palavras de Bergoglio sobre os "três T" – tierra, techo y trabajo; terra, teto e trabalho – como direitos inalienáveis para os pobres.
Depois – no dia 18 de junho de 2015 – tinha chegado a encíclica Laudato si'. E, também naquele texto, o primeiro em absoluto dedicado por um papa à Criação como "casa comum" a ser preservada, Berta Cáceres tinha encontrado palavras claras sobre o compromisso dos povos indígenas na defesa dos seus territórios, desfigurados pela sede de matérias-primas da economia global.
"Quando permanecem nos seus territórios, são quem mais bem os cuida", escrevia o Papa Francisco sobre os índios, no número 146 da encíclica. "Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura".
Berta não podia deixar de ler nessas palavras a sua história; a da batalha levada em frente há anos contra a barragem de Agua Zarca, uma megausina hidrelétrica apoiada pela China e pelo Banco Mundial, que provocaria para centenas de índios a perda de todo acesso às fontes de água. Batalha, no fim, vencida, com o abandono do projeto por parte dos parceiros internacionais.
Também por isso, em 2015, ela foi premiada com o Goldman Environmental Prize, o mais prestigiado reconhecimento ambientalista. Porém, nem as palavras do papa nem o prêmio internacional foram o suficiente para protegê-la dos esquadrões da morte: no dia 3 de março de 2016, os assassinos entraram na sua casa e a mataram. Como já aconteceu com tantos outros antes, em Honduras e em outras partes do mundo.
Berta Cáceres é o rosto mais conhecido dos mártires da Laudato si'; aqueles que, durante o ano que já se passou desde a publicação da encíclica, morreram em nome da defesa daquela aliança entre o ser humano, a justiça entre os povos e a Criação, que o documento do Papa Francisco invoca com força. Porque as pressões mencionadas na encíclica não tem só o rosto de promessas ou de chantagens de todos os dias; quando tudo isso não basta, no mundo de hoje, continua-se matando em nome das matérias-primas ou da energia barata; e em muito mais situações do que aquelas que, à primeira vista, se poderia pensar.
Os dados estatísticos mais recentes são os fornecidos por uma pesquisa da ONG Global Witness: dizem que, entre 2002 e 2014, no mundo, houve duas mortes desse tipo por semana. Uma tendência em dramático crescimento e que, no biênio 2015-2016, leva a pensar que não abrandou.
E é por isso que – indo um pouco além da retórica dos aniversários – queremos tentar aqui contar os 12 meses transcorridos desde a publicação da Laudato si', repropondo ao menos alguns nomes dessas vítimas, aquelas trazidas à tona pelas crônicas internacionais. Porque, enquanto em milhares de congressos, os poderosos do mundo continuavam expressando em palavras o seu apoio geral aos princípios expressos pelo Papa Francisco no seu documento, o massacre do ser humano e da Criação em nome do mero lucro também seguia em frente igualmente, de um lado e do outro da Terra.
Havia passado pouco mais de dois meses da encíclica, por exemplo, quando, no dia 25 de agosto, no Brasil, Raimundo dos Santos Rodrigues (foto acima) era atingido de morte. No Vale do Pindaré, Estado do Maranhão, Raimundo fazia parte do Conselho Consultivo da Reserva Biológica do Gurupi, que luta contra o desmatamento ilegal em uma área protegida. Ele já tinha recebido inúmeras ameaças por causa da sua atividade e também tinha feita uma denúncia em novembro de 2014. Foi morto assim mesmo na sua casa em Bom Jardim.
Poucos dias depois, no dia 1º de setembro, por vontade do Papa Francisco, tornava-se oficial, também para os católicos, o Dia da Criação, em comunhão com os irmãos das Igrejas ortodoxas. Pois bem: justamente naquele dia, outro líder local era morto nas Filipinas pelo seu compromisso ao lado dos povos indígenas, que defendem as suas terras.
Naquele mesmo país e pelo mesmo motivo, tinha sido morto, em outubro de 2011, o padre Fausto Tentorio, missionário do PIME.
Em um vilarejo na província de Surigao del Sur, na ilha de Mindanao, Emerico Samarca era o diretor do Alternative Learning Center for Agricultural and Livelihood Development (Alcadev), uma escola que, a partir da relação com a terra, tentava enraizar as comunidades tribais locais nos vilarejos da floresta. Quem o levou embora foi um grupo paramilitar, junto com dois habitantes do vilarejo: todos os três foram encontrados degolados, enquanto a fazenda Alcadev era entregue às chamas.
Ainda nas Filipinas e ainda em Mindanao, no dia 27 de janeiro passado, foi atingida outra ativista indígena, Teresita Navacilla. A mulher era uma das promotoras do movimento local que se opõe à construção da mina de King-king no distrito de Pantukan, em Compostela Valley. Em jogo está aquela que é considerada a segunda maior jazida de ouro e cobre do país, sobre a qual duas empresas – a Nationwide Development Corporation e a St. Augustine Gold and Copper Limited – obtiveram das autoridades locais os direitos de extração. O projeto prevê a construção de uma mina a céu aberto, removendo as populações tribais locais. Foi para curvar a sua oposição que um atirador disparou contra Teresita Navacilla: a mulher morreu três dias depois, no hospital.
Depois, chegou março de 2016, mês terrível para os ativistas do ambiente no mundo. À morte de Berta Cáceres, ainda em Honduras, seguiu-se, no dia 15 de março, a morte de Nelson García, também ele membro do Conselho Cívico das Organizações Populares e Indígenas (COPINH), o mesmo órgão de Cáceres.
Alguns assassinos o mataram atirando contra o seu rosto, em Rio Chiquito, onde, na mesma manhã, uma guarnição de 150 pessoas organizadas pelo COPINH tinha sido evacuada pelas autoridades públicas em um dos tantos terrenos contestados. Confirmando, assim, Honduras como trágica capital dessas mortes: de acordo com a ONG Global Witness, foram 101 os ambientalistas mortos nesse país entre 2010 e 2014.
Também na América Central, mas na vizinha Guatemala, no dia seguinte, coube a Walter Méndez Barrios, um conhecido ambientalista local. Atiraram contra ele no dia 16 de março, do lado de fora da sua casa em Las Cruces, no departamento de Petén. Comprometido por toda a vida com a defesa dos recursos naturais da Reserva de la Biósfera Maya, nas semanas anteriores à sua morte, ele tinha apontado o dedo contra a barragem de Boca del Río e, sobretudo, contra o impacto ambiental devastador da produção de óleo de palma na Guatemala, cuja expansão está causando a destruição da floresta pluvial de Petén.
No dia 21 de março, foi a vez de um dos países mais martirizados da África hoje, a República Democrática do Congo, com o assassinato de um sacerdote, o padre Vincent Machozi (foto acima), religioso dos Agostinianos da Assunção. A sua história é muito emblemática do entrelaçamento inseparável entre a defesa dos povos indígenas e as questões ambientais, tal como descrito pela Laudato si'.
O padre Vincent dava voz às atrocidades sofridas no Norte do Kivu pelas populações Nande, naquele entrelaçamento perverso entre políticos corruptos, milícias, interesses sobre a exploração de recursos naturais (o coltan, usado em particular pela indústria tecnológica e bélica) que alimenta o conflito no Congo. Desde que havia retornado ao país em 2012, depois de alguns anos nos Estados Unidos, o padre Machozi tinha recebido inúmeras ameaças de morte e sabia muito bem que era um alvo. Algumas testemunhas contaram que, a quem atirava contra ele, antes de morrer, ele teria dito: "Por que você mata?".
Para fechar o março de sangue desse 2016, no dia 22, Sikhosiphi Rhadebe foi morto na África do Sul, presidente do Amadiba Crisis Committee, um grupo fundado em 2007 para a defesa dos direitos da comunidade de Xolobeni. Rhadebe estava na vanguarda, em particular, na campanha contra a construção de uma mina a céu aberto de titânio por parte de uma empresa local controlada pelo grande grupo australiano Mineral Commodities. Outro projeto que afugentaria as comunidades locais das suas terras, colocando em risco a sua sobrevivência.
Vale a pena acrescentar a essa lista uma morte ocorrida em 2012, mas que voltou à tona em abril, no Camboja: é a história do ambientalista Chut Wutty, morto pelas suas denúncias sobre o desmatamento ilegal das florestas das Montanhas Cardamomo, no sudoeste do país.
A sua história voltou à atualidade porque um diretor inglês, Fran Lambrick, fez um documentário sobre o caso; mas as autoridades de Phnom Penh proibiram a sua projeção no país. O clamor levantado, porém, tornou-se a oportunidade para falar também de Sieng Darong e de Sab Yoh – dois guardas-florestais mortos em novembro de 2015, na floresta de Preah Vihear, presumivelmente pelas companhias que cortam árvores ilegalmente para vender a madeira preciosa – e das histórias de quatro ambientalistas cambojanos, que estão na prisão pela sua oposição a dois projetos envolvendo uma hidrelétrica e uma cava de areia.
Por fim, pelas suas atividades contra o desmatamento ilegal no México, a partir do mês de novembro, também se encontra na prisão Ildefonso Zamora Baldomero, um dos líderes da comunidade indígena Tlahuica de San Juan Atzingo, uma localidade a 80 km a sudoeste da Cidade do México.
Oficialmente, ele é acusado de ter participado de um furto, mas a Anistia Internacional levantou sérias dúvidas sobre as testemunhas que o acusam. Pela sua atividade contra o desmatamento ilegal, Ildefonso já perdeu o seu filho Aldo, morto em uma emboscada em 2007.
Tantos nomes, tantas histórias, tantos lugares. E são apenas a ponta do iceberg: quando esses ativistas não estão vinculados a grandes grupos internacionais, a sua morte acaba relegada a poucas linhas de crônicas locais, impossíveis de se encontrar.
A verdade é que a Laudato si', no mundo de hoje, não é uma palavra "superficial", mas sim o grito de tantos mártires. Dar-se conta disso é o primeiro passo para sair, também nesse âmbito, da "globalização da indiferença" que o Papa Francisco tantas vezes denunciou.
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Mortos por defender a criação: os mártires da Laudato si' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU