27 Mai 2016
No âmbito da iniciativa Amizade Judaico-Cristã, foi promovida uma reflexão muito participativa no templo valdense de Turim sobre "Lutero e os judeus". Sobre isso, entrevistamos o promotor do encontro, o pastor valdense de Turim, Paolo Ribet.
A reportagem é de Gian Maria Gillio, publicada no sítio Riforma.it, 25-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
A poucos dias da apresentação no Salão do Livro de Turim de Gli ebrei di Lutero [Os judeus de Lutero], de Kauffmann (Ed. Claudiana), por que vocês sentiram a necessidade de repropor um encontro próprio sobre "Lutero e os judeus"?
Efetivamente, no Salão Internacional do Livro de Turim, tinha sido apresentado o livro publicado pela Claudiana de Thomas Kaufmann, Gli ebrei di Lutero, com presenças e reflexões importantes, como a de Adriano Prosperi. A nossa iniciativa, de fato, estava agendada há muito tempo e se inseria no âmbito de uma série de encontros da Amizade Judaico-Cristã. Nesse ponto, o nosso medo era de que o tema pudesse ser menos interessante, mas, em vez disso, espantou o grande público presente, uma centena de pessoas, incluindo expoentes da comunidade judaica, protestante e agnóstica.
Por que, na sua opinião, o pensamento e os escritos de Lutero sobre os judeus gozam, hoje, de um interesse renovado?
Por um lado, porque, em 2017, será celebrada no mundo a ocorrência dos 500 anos da Reforma Protestante, iniciada justamente em 1517. Um assunto de interesse também para as comunidades judaicas e católicas. Muitos estão se movendo para chegar a 2017 preparados através de encontros, debates, textos e reflexões produzidos sobre o tema. Por outro, porque eu acho que há muita curiosidade de saber como os protestantes, os "seguidores de Lutero", hoje, tratam um fato tão espinhoso, delicado, ou seja, a atitude e os escritos que o reformador alemão formulou em relação aos judeus.
Portanto, como um protestante enfrenta, para usar as suas palavras, um assunto tão espinhoso?
Lendo a história no contexto da época, analisando os legados que a figura de Lutero soube oferecer ao cristianismo ocidental; com o conhecimento e com a consciência, porém, de ver também todos os seus limites. Limites que não podemos absolutamente nem compartilhar, nem, muito menos, justificar. Os escritos do reformador, exaltados ou incriminados, são importantes para compreender como o pensamento de Lutero se transformou e modificou no tempo, e, particularmente, sobre esse tema, em 20 anos da sua atividade editorial. Lutero não escreveu somente alguns textos, produziu uma biblioteca inteira. Em uma produção tão vasta, é possível encontrar realmente de tudo. Nós, muito frequentemente, tomamos como referência o seu último escrito de 1543: Dos judeus e das suas mentiras. Desse texto, depois, tende-se a retomar a parte conclusiva, aquela que, no antissemitismo alemão, mas não apenas alemão, os nazistas – infelizmente junto com a Igreja Evangélica Alemã, arrastada por aquela onda de loucura – também quiseram instrumentalizar para dar um certificado e uma atitude teológica ao seu antissemitismo visceral.
Lutero influenciou para o bem ou para o mal o curso da história?
Lutero era um homem do seu tempo, que abriu as portas para a modernidade, mas estava profundamente ancorado no pensamento medieval. No entanto, deve-se dizer que, na sua carreira como reformador, em 1523, ele escreveu outro texto fundamental que teve um sucesso notável, no qual declarava expressamente que Jesus nasceu judeu e em que, na reflexão bíblica, ele propunha a ideia de que o Antigo Testamento, para citar a expressão dele, era "a manjedoura onde Jesus jazia". Portanto, o Antigo Testamento devia ser lido na perspectiva de Jesus Cristo. Um pensamento, este último, que permaneceria fundamental para Lutero por toda a sua vida e que ele defenderia com extrema convicção. Em certo sentido, Lutero escreveu esse livro para convencer os judeus da sua fé e, através dessa leitura, para que eles pudessem compreender qual era a fé dos seus pais, obviamente, para convidá-los a uma conversão.
Em suma, o pensamento de Lutero se inseria em um clima e em uma atitude europeia compartilhada?
Lutero não dizia nada de novo. Em 1543, quando ele escreveu o seu texto violento, ele expressava conceitos já expressados em suas obras anteriores e, depois, pretendia responder a alguns textos publicados em âmbito judaico. Certamente, o clima europeu, em princípio, era muito hostil contra os judeus. Na última parte do livro, porém, podemos dizer que o reformador se desencadeia utilizando uma linguagem muito violenta de declarações inéditas como: é preciso queimar as sinagogas, queimar os livros hebraicos, proibir o ensino dos rabinos, colocar os jovens judeus em trabalhos forçados. Portanto, invectivas duríssimas. Felizmente, podemos dizer, esse livro não teve grande sucesso e nunca foi seguido. Em vez disso, continuaram, em toda a Europa, as políticas vexatórias contra os judeus, aos quais eram garantidos privilégios apenas sob prévio pagamento, um ganho fácil que os soberanos consideravam como receitas importantes.
Portanto, é possível dizer, hoje, que Lutero admitiu as suas culpas?
Em vista das celebrações de 2017, eu acho que ninguém quer "santificar" a figura de Lutero, mas sim lê-lo, relê-lo e celebrá-lo recordando as suas luzes e sombras. Neste momento particular – foi isso que eu quis enfatizar no meu discurso na segunda-feira passada – devemos partir justamente das considerações feitas com lucidez, Esse é o modo certo para enfrentar o percurso comum de diálogo com as comunidades judaicas amigas. Podemos fazer isso construindo juntos uma leitura bíblica que possa nos unir e surpreender justamente graças ao poder e à liberdade da Palavra de Deus. Dialogar não significa simplesmente reiterar o que somos capazes de fazer na nossa cotidianidade; dialogar significa se colocar, nus, diante da Palavra. Esse é o único modo sério para recordar e celebrar juntos a Reforma Protestante: reformar-nos e propor uma visão reformadora da fé, também para todos os nossos interlocutores.
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Lutero, os judeus e o jubileu da Reforma. Entrevista com Paolo Ribet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU