Por: André | 27 Mai 2016
Manfred Nowak, que denunciou a ilegalidade da prisão em um relatório da ONU, afirma que Obama não teve interesse em julgar os responsáveis pelas torturas. E que se Trump chegar à Casa Branca, “será um desastre” para os Estados Unidos e o mundo.
A reportagem é de Mercedes López San Miguel e publicada por Página/12, 23-05-2016. A tradução é de André Langer.
Guantánamo, a prisão que se converteu em um símbolo de impunidade e violações aos direitos humanos, continua aberta. A prisão de segurança máxima dos Estados Unidos em solo cubano foi instalada em 2002, abrigou 780 detentos em seus momentos de maior ocupação e hoje conta com cerca de 80 presos. “Guantánamo criou e promoveu terroristas, mais que preveniu”, defende categoricamente Manfred Nowak, que foi relator das Nações Unidas contra a Tortura entre 2004 e 2010 e participou do relatório sobre a situação dessa prisão.
O advogado especialista em direitos humanos esteve recentemente em Buenos Aires como expositor na Conferência As liberdades individuais e os desafios coletivos do século XXI, organizada pelo Centro Internacional de Estudos Políticos da UNSAM, oportunidade em que conversou com Página/12. Nowak considera que se um pré-candidato como Donald Trump, que propõe reincorporar a prática da tortura “submarino”, chegar à presidência, seria um “desastre para os Estados Unidos e para o mundo”.
Guantánamo é uma anomalia que viola o direito internacional e a Constituição dos Estados Unidos: a essa conclusão chegou o relatório dos cinco especialistas da Comissão de Direitos Humanos da ONU divulgado em 2006. O documento acusa Washington de negar aos presos um julgamento e denuncia técnicas de interrogatório muito violentos e atos condenáveis, como a alimentar à força os presos em greve de fome. Assim, ficou evidenciado que a prisão era ilegal e que devia ser fechada imediatamente.
Nowak acredita que a reação da Administração de George W. Bush foi pior que a das ditaduras do mundo diante de reportagens semelhantes. “Apresentamos um relatório em Guiné Equatorial e tivemos um primeiro feedback. Evidentemente não gostaram do que dizíamos, mas aceitavam alguns aspectos. O governo de Bush disse que o relatório não fazia sentido, que nós não entendíamos as leis internacionais, que fizemos tudo errado”. O defensor austríaco dos direitos humanos é assaltado por uma recordação: “Quando Bush veio para Viena, a Áustria tinha a presidência da União Europeia nesse momento e ele quis rebater o nosso relatório. Disse: ‘não tenho problema em fechá-la [referência à prisão de Guantánamo] se vocês europeus recebem os detidos’”.
Para muitos dos presos com quem Nowak conversou em Guantánamo a pior coisa é a insegurança ou a desproteção social. “Não sabem quanto tempo continuarão presos, acreditam que até o fim da guerra contra o terrorismo: é uma prisão preventiva. Não há julgamentos. Ninguém pode visitá-los, estão totalmente isolados. Muitos estão tendo problemas psicológicos. Houve uma greve de fome e foram forçados a se alimentar pelo nariz, com o propósito de provocar dor”. E acrescenta: “a prisão tornou-se um símbolo do horror que provocou ódio em relação ao Ocidente. Por exemplo, vemos nos vídeos os macacões laranja que agora são usados pelo Estado Islâmico similares aos detidos de Guantánamo”.
Nowak afirma que Bush filho deveria ser levado a um tribunal. “Em suas memórias descreveu como autorizou o uso do submarino (simulação de afogamento), essa prática da Idade Média, buscando algum tipo de compreensão. Aí temos uma confissão do presidente dos Estados Unidos”.
Poderia ser a Corte Penal Internacional? “Não, responde Nowak, porque os Estados Unidos não ratificaram o estatuto dessa corte. Os Estados Unidos fazem parte da Comissão de Nações Unidas contra a Tortura. Significa que têm uma obrigação nessa matéria. Barack Obama nunca agiu contra os funcionários que cometeram crimes como tortura, desaparecimentos e transferências para lugares secretos. Houve uma investigação da Comissão de Inteligência do Senado estadunidense e em 2014 foi divulgado, ao menos parcialmente, o relatório final. Há evidências, provas, sabe-se quem eram os responsáveis pela CIA, quem torturou os presos e quem fez desaparecer gente”, acrescenta o especialista. “Com todo esse material, Obama poderia ter nomeado um promotor especial com poderes para investigar o que aconteceu e punir os responsáveis”.
Obama não conseguiu fechar a prisão de Guantánamo, uma promessa de campanha que data de 2008. Nowak acredita que o atual presidente não fez o suficiente, mas admite que o Congresso e os governadores tornaram-lhe as coisas difíceis. E que a prática de tortura sistemática já não continua. “As práticas sistemáticas tiveram a ver com a Administração Bush, a CIA, os militares e os contratistas privados. Isso mudou. Investiguei o escândalo de Abu Ghraib no Iraque e entrevistei as vítimas da tortura em 2005. No princípio, era uma prisão controlada pelos Estados Unidos com métodos brutais. Depois, foi entregue às autoridades iraquianas e agora está fechada”.
O Congresso dos Estados Unidos trava o fechamento da prisão em parte porque impõe elevadíssimas exigências para que outros países recebam presos. Por exemplo, que se deve estar 100% seguro de que essa pessoa, no futuro, não vai representar uma ameaça para os Estados Unidos. “Que psiquiatra ou advogado pode garantir isso?”, pergunta-se Nowak. “A CIA e empresas terceirizadas de segurança privada ofereciam recompensas (até 500 dólares) em troca de informações ou para entregar um suposto terrorista no Paquistão, e assim foi entregue gente inocente. Se uma pessoa está em Guantánamo uma década ou mais, sendo torturada, isolada, sem um julgamento, depois de sair provavelmente tem motivos para converter-se em terrorista. Guantánamo, em vez de prevenir o terrorismo, promoveu-o e criou mais terroristas”.
Os detidos de alto perfil são 16, os que foram a um tribunal militar, associados aos atentados de 11 de setembro de 2001. Provavelmente seja verdade, admite Nowak. Em seguida, assinala que a informação obtida sob tortura não tem valor. “Khalida Shaikh Mohammed (apontado como um dos cérebros dos ataques) manteve-se em silêncio até que capturaram sua família e ameaçaram torturar seus filhos. As confissões obtidas por meio da tortura não são admitidas; elas necessitam evidência adicional, por isso dificultam as coisas. A pergunta é: por que essa justiça militar demora tanto para dar uma sentença?”
A seis meses das eleições presidenciais, a candidata favorita dos democratas Hillary Clinton e ex-secretária de Estado apóia Obama em seus renovados votos para fechar Guantánamo. E o sempre extremista republicano Donald Trump disse que manterá a prisão aberta: “vamos enchê-la de gente má”, além de prometer que será a um custo econômico menor.
No momento, nada faz supor que haverá respostas a perguntas de para onde transferir os presos que estão detidos e se o próximo Congresso estará disposto a fazer esse debate.
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“Guantánamo promoveu terroristas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU