19 Mai 2016
Há inúmeras funções difíceis de serem desempenhadas na Igreja Católica, mas quando o assunto vem à tona, Dennis Poust, do New York State Catholic Conference [1], enfrenta um desafio particularmente difícil: construir pontes para diminuir a lacuna entre a lógica e a emoção quando se trata de processos relativos a abusos sexuais clericais.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 18-05-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Racionalmente falando, é bastante fácil explicar se tratar de uma violação do senso comum o fato de permitir que pessoas entrem com um processo por supostos crimes que, digamos, aconteceram a 50 ou 60 anos atrás, quando hoje o suposto perpetrador está morto, os supervisores estão todos mortos e não há mais nenhuma testemunha ou prova.
Por outro lado, quem quer ser a pessoa a dizer a um sobrevivente de abuso que não há maneira de se obter justiça em casos assim?
“Ninguém quer ser o ‘malvado’ quando se trata de abusos sexuais”, disse Poust, que trabalha como diretor de comunicação para a Catholic Conference, grupo lobista dos bispos do estado de Nova York que atualmente combate uma proposta de lei, apresentada na legislatura estadual, que visa abrir uma janela a fim de permitir a abertura de processos judiciais que, de outra forma, estariam prescritos pelo estatuto de limitações.
“Eu sou pai também, tenho filhos”, contou Poust nesta segunda-feira. “Estou insatisfeito com o que aconteceu, na Igreja e em outros lugares, assim como todo mundo”.
“É uma questão emocionalmente difícil, isso eu entendo”, disse ele. “Mas nós não podemos nos esquecer da parte lógica”.
A cinco semanas para o assunto entrar na ordem no dia, o estado de Nova York conta com propostas de leis convincentes a respeito do estatuto de limitações para as acusações de abuso. Uma delas, defendida pela deputada Margaret Markey, abriria uma janela que permitiria a abertura de processos civis relativos a acusações de abuso sexual sem limites no tempo. Uma outra proposta estenderia o tempo limite para as acusações e eliminaria o estatuto de limitações para vários tipos de delitos sexuais.
Os bispos de Nova York se opõem à primeira proposta, preferindo apoiar a segunda. Até o momento, a proposta de Markey vem sendo apoiada por uma forte cruzada editorial por parte do jornal New York Daily News, o que acrescenta um calor político ao debate.
Poust diz que não existe mágica para neutralizar as emoções em torno do abuso de menores, assim a única alternativa é tentar, com paciência, vencer em cinco pontos principais.
Primeiro, disse ele, ainda há uma ambiguidade na proposta de lei apresentada por Markey sobre se ela permitiria ou não impetrar processos judiciais contra entidades públicas, tais como escolas e centros de detenção de jovens, que atualmente estão isentos.
Isso é uma faca de dois gumes, segundo Poust, porque se a lei não permitir, então ela é patentemente injusta: por que visar somente a Igreja Católica e outras entidades privadas, enquanto dá passe livre ao setor público? Se ela permitir, no entanto, o impacto fiscal contra o estado de Nova York poderá ser desastroso.
“Quando se abriu uma janela assim na Califórnia, o ajuste foi de um bilhão de dólares, e aí só se levou em consideração a Igreja”, segundo Poust. “Conseguimos imaginar como seria se incluirmos também escolas públicas, centros de detenção juvenil, centros de serviço social e assim por diante?”.
Segundo, disse ele, não é verdade que abrir uma janela para se processar casos antigos é o mesmo que dizer que, finalmente, as vítimas conseguirão uma vitória na justiça.
“Não funciona assim quando se têm centenas e centenas de casos que surgem dos anos 40, 50 e 60”, disse ele.
“Não se pode recusar todos os casos, então o que acontece é que eles vão parar em grandes grupos de casos semelhantes e não há como fazer distinção aí em termos de casos bons e casos ruins, ou distinguir o nível de abuso envolvido, etc.”
Ou seja, abrir uma janela aqui não significa necessariamente que verdades há muito suprimidas virão à luz do dia.
Terceiro, Poust disse ser importante salientar quem vai pagar o preço caso a Igreja Católica seja atingida com esta proposta de lei.
“É provável que várias dioceses de Nova York se vejam forçadas a declarar falência”, disse ele, “e as consequências seriam uma grave perda dos serviços oferecidos ao público”.
“Somos o maior financiador não governamental de serviços de caridade no estado, a maior instituição não governamental na área da educação”, completou. “Muitas pessoas que dependem de nós ficarão prejudicadas”.
Nesse sentido, Poust falou que a Catholic Conference vem imprimindo mapas para os deputados visando mostrar-lhes a “pegada católica” nos seus distritos: onde estão as obras de caridade, onde estão as escolas, onde as paróquias se encontram, e assim por diante, tudo para ilustrar o que está em risco.
Em quarto lugar, continuou Post, é essencial ficar lembrando as pessoas de que a Igreja Católica, hoje, possui uma política de “tolerância zero” contra abusos clericais, e que ela tem feito significativos esforços, desde 2002, para se transformar num agente de mudanças em se tratando de garantir a segurança dos menores.
Como parte deste quadro, disse também Poust, não se trata de pensar que a oposição da Igreja à proposta de lei apresentada por Markey é o mesmo que dizer que ela não possua nenhuma responsabilidade para com as vítimas de um passado distante.
“Não é como dizer: ‘Azar de vocês, essa acusação já está prescrita’”, disse. “Cada uma das dioceses possui um coordenador para dar assistência às vítimas. A função aqui é ajudá-las a conseguir o que precisam, seja aconselhamento, seja apoio financeiro ou ajuda espiritual, e isso acontece independentemente de quando o abuso ocorreu”, completou.
Na verdade, disse Poust, as vítimas cujo abuso aconteceu fora do estatuto de limitações recebem, provavelmente, mais cuidado e apoio da Igreja, porque estas vítimas cujo abuso foi mais recente, e que estão envolvidas em litígio, normalmente possuem um contato limitado com as dioceses.
E, finalmente em quinto lugar, disse Poust, o grande pote de dinheiro que alguns veem no final do processo caso tenham permissão de processar a Igreja simplesmente não existe.
“Nós não temos bilhões de dólares parados por aí”, disse ele. “As dioceses estão diminuindo, estamos fechando paróquias e escolas o tempo todo e muitos funcionários estão trabalhando sem aumentos”.
“O dinheiro simplesmente não está à solta”, disse.
No fim, entretanto, Poust concordou que, embora tudo isso possa ser logicamente persuasivo, nem sempre se consegue ultrapassar a dimensão emocional – e isso, disse ele, nem deveria acontecer.
“Todos deveríamos ter uma reação emotiva visceral contra a pedofilia”, falou, “e deveríamos fazer todo o possível, sempre, para ajudar as vítimas. Não há como deixar de fora aqui a emoção, e nem devemos tentar”.
O que é mais decepcionante, continuou Poust, é a incapacidade, às vezes, de fazer as pessoas verem que as pessoas na Igreja compartilham dessa reação visceral.
“Nós nos sentimos do mesmo jeito”, disse ele. “Queremos ajudar os sobreviventes, e pedimos que eles buscam esta ajuda de nossa parte”.
No entanto, a fim de isso acontecer, insistiu ele, os ministros da Igreja não podem ser dizimados por uma avalanche de processos contra os quais não há possibilidade realista alguma de defesa.
“Espero que, com o tempo, as pessoas vejam que esta é uma questão de justiça baseada no senso comum. Sei que é emocionalmente difícil, mas isso não torna as coisas menos verdadeiras”.
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Nota:
[1] Grupo representante dos bispos de Nova York junto às autoridades governamentais e legislativas que busca propor leis visando a justiça social, o respeito pela vida e o bem comum.
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Construindo pontes entre a lógica e a emoção nos processos de pedofilia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU