13 Mai 2016
Na Itália, finalmente, preenche-se uma lacuna com a aprovação da lei sobre as uniões civis homossexuais. Esperando que possam se cicatrizar as feridas daqueles que, há anos, esperavam que fosse reconhecido o próprio direito de amar e de construir uma família.
A opinião é da filósofa italiana Michela Marzano, professora da Universidade de Paris V - René Descartes. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 12-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Depois de 30 anos de esperas, silêncios, confusões e reviravoltas, também na Itália, hoje, finalmente, temos uma lei sobre as uniões civis. Preenchendo, assim, um incompreensível vácuo normativo. Um vácuo normativo que, por muito tempo, tinha impedido a Itália de acompanhar a vida das pessoas homossexuais rumo a um horizonte de liberdade, dignidade e igualdade.
Por 30 anos, sempre que se começava apenas a falar da possibilidade de permitir que as pessoas homossexuais compartilhassem os mesmos direitos e os mesmos deveres das pessoas heterossexuais, o processo legislativo se bloqueava. Pacs, Dico, Cus, Didoré: são tantas as siglas dos projetos de lei que se sucederam no Parlamento, e por trás das quais se escondem milhares de horas de discussão antes que as propostas atolassem e morressem, deixando sem esperança centenas de milhares dos nossos concidadãos que esperavam ansiosamente que a política fizesse o seu dever.
Em nome da igualdade de todas e de todos, independentemente da orientação sexual. Mas também em nome da igual dignidade e da comum humanidade. Apesar dos múltiplos pronunciamentos da Corte Constitucional. Apesar até da condenação da Itália, em 2015, pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Hoje, portanto, finalmente, preenche-se uma lacuna. Esperando que possam se cicatrizar as feridas daqueles que, há anos, esperavam que fosse reconhecido o próprio direito de amar e de construir uma família.
Tudo bem, então? Infelizmente, não. Visto que, mais uma vez, foi necessário fazer compromissos. E que, em vez de ancorar a lei ao artigo 29 da nossa Constituição [italiana] – como acontece com o matrimônio –, a união civil é definida como uma "específica formação social" e encontra o seu fundamento no artigo 2 e no artigo 3 da Constituição [italiana] que asseguram a proteção dos direitos invioláveis do homem e afirmam o princípio constitucional da igualdade.
Chegando, assim, ao paradoxo de que duas pessoas homossexuais que estipulam essa união civil, embora tendo acesso à quase totalidade dos direitos e dos deveres de dois cônjuges, não poderão ser consideradas como uma família. Em que sentido? No sentido de que, no texto, foram cirurgicamente expurgadas todas as referências – além da presente no parágrafo 12 – à "família" e à "vida familiar". Até o insulto não só de eliminar a expressão "dever de fidelidade" – como se o amor homossexual, por natureza, fosse incapaz da mesma profundidade, continuidade e unicidade do amor heterossexual –, mas também de deixar os filhos e as filhas das pessoas homossexuais desprovidos da proteção jurídica necessária para o seu bem-estar e a sua serenidade.
Por que não reconhecer o estatuto de "família" para todos aqueles casais, com ou sem filhos, que já são há muito tempo "famílias", que constroem como qualquer outro casal heterossexual um projeto de vida familiar, enfrentam as dificuldades da vida como qualquer um, criam e cuidam os próprios filhos e as próprias filhas como qualquer pai e qualquer mãe?
Certamente, ainda existem aqueles que imaginam que existe uma única definição de família e que, citando despropositadamente o artigo 29, continuam repetindo que a família seria sempre e apenas uma "sociedade natural".
A nossa Constituição [italiana], porém, não define, de fato, a família como uma ''entidade natural". A nossa Constituição [italiana] fala da família como de uma "sociedade natural fundada no matrimônio", desvinculando a família, através desse oxímoro, como explicou Aldo Moro na sua época, da dependência e da tutela do Estado ao qual, em vez disso, tinha sido submetida durante os 20 anos fascistas.
Por que, então, fingir que essas famílias não são famílias, iludindo-se que, se algo não existe dentro de uma lei, então não existe de fato?
Por que negar proteção e serenidade para todas aquelas meninas e para todos aqueles meninos que vivem nas famílias arco-íris e que continuarão existindo mesmo que a lei os ignore?
Modelar a união civil sobre o matrimônio não teria significado desvalorizar o matrimônio, como muitos sustentaram. Teria significado reconhecer à vida familiar homossexual a dignidade que lhe é própria, sem discriminar.
Certamente, eu repito: essa lei é importante. Ou, melhor, importantíssima. Visto que ela chega depois de 30 anos de vácuo legislativo e de batalhas perdidas. Visto que, a partir de hoje, muitas pessoas poderão ver reconhecidos os seus direitos e a sua dignidade. Visto que, também culturalmente, trata-se de uma mensagem importante dirigida, com a força simbólica da lei, a todos aqueles que continuam imaginando que a homossexualidade é um defeito, um desvio ou uma deficiência.
A homossexualidade é apenas uma orientação sexual, diferente da heterossexual, mas totalmente equivalente. É apenas uma das tantas diferenças que caracterizam cada um de nós e que não pode e não deve impedir uma pessoa de ser considerada como igual a outra em termos de dignidade, de oportunidade e de direitos.
A partir de hoje, será mais difícil não se envergonhar quando até mesmo a ideia de insultar uma pessoa homossexual encostar a mente daqueles que pensam que existe um único modo de ser ou de amar.
Era o mínimo que o nosso país [a Itália] podia fazer, também para todos aqueles que, depois de anos de batalhas, não estão mais entre nós e não poderão festejar este momento. Mas, como dizia o presidente Barack Obama em 2013, a nossa viagem não estará concluída enquanto os nossos irmãos gays e as nossas irmãs lésbicas não forem tratados como qualquer outro perante a lei.
Se fomos criados iguais, o amor com que nos ligamos uns aos outros também deve ser igual.
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A nova fronteira do direito de amar. Artigo de Michela Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU