07 Março 2016
O impacto da mudança climática sobre a produção alimentar poderá causar em 2050 cerca de 529 mil mortes a mais no mundo, segundo o estudo de uma equipe da universidade de Oxford, publicado na última quinta-feira (3) pela revista médica "The Lancet".
A reportagem é de Laetitia Van Eeckhout, pulicada por Le Monde, 05-03-2016.
Vários trabalhos mostraram que as desregulações climáticas, como secas, chuvas cada vez mais irregulares, enchentes, ciclones mais frequentes, ameaçam a segurança alimentar, levando a uma queda nos rendimentos agrícolas que podem aumentar o nível e a volatilidade dos preços dos alimentos, tornando assim ainda mais difícil o acesso dos mais pobres a eles.
Mas é a primeira vez que um estudo faz a avaliação do aquecimento global sobre o equilíbrio nutricional.
A produção agrícola e a oferta alimentar disponível na verdade têm também um impacto sobre a composição das refeições.
"Nosso estudo mostra que uma redução, ainda que modesta, da comida disponível por pessoa pode levar a grandes alterações no equilíbrio das dietas alimentares e ter fortes repercussões sobre a saúde das pessoas", diz o Dr. Marco Springmann, que dirigiu a equipe de pesquisadores.
Redução da obesidade
Assim, sem medidas imediatas de redução dos gases de efeito estufa, a mudança climática poderá levar, em média, a uma diminuição na disponibilidade alimentar de 3,2% por pessoa, ou seja, 99 quilocalorias por dia. Isso teria por efeito reduzir em 4% (14,9 g por dia) o consumo de frutas e legumes, e em 0,7% (0,5g por dia) o de carne.
A queda no consumo de frutas e legumes e, portanto, de vitaminas, poderá sozinha provocar 534 mil mortes a mais no mundo em 2050. O número de pessoas com insuficiência ponderal, que apresentarão um maior risco de morte, também aumentará sensivelmente. Essas situações de carência em vitaminas e minerais causariam 266 mil mortes a mais em 2050.
No entanto, do outro lado da balança, "a mudança climática terá alguns efeitos positivos", ressaltam os pesquisadores. Ao reduzir os riscos de câncer e de doenças cardiovasculares, o menor consumo de carne se revelará benéfico para a saúde e permitirá que se evitem 29 mil mortes. Acima de tudo, a obesidade diminuirá, o que permitirá que se evitem cerca de 225 mil mortes.
A extensão desses efeitos da mudança climática variará sensivelmente de acordo com as regiões. Os países de renda baixa e intermediária muito provavelmente serão os mais afetados, especialmente os do Pacífico ocidental e do Sudeste Asiático, regiões particularmente vulneráveis às mudanças climáticas.
Em 2050, a Índia e a China poderão sozinhas registrar quase três quartos das mortes suplementares associadas à mudança climática, ou seja, 136 mil e 248 mil mortes respectivamente. Em certas partes do Pacífico ocidental, no entanto, o número de mortes evitadas devido à diminuição da obesidade poderá ser superior ao número de mortes provocadas por uma insuficiência ponderal.
"Muitas incertezas"
"Pensar que a frequência da obesidade vai diminuir nos países do Pacífico porque as pessoas vão comer menos é arriscado", observa o professor Arnaud Basdevant, do hospital da Pitié-Salpêtrière de Paris.
"A obesidade não é somente uma questão de sobreconsumo", faz questão de ressaltar esse especialista em nutrição.
"Ela afeta especialmente as populações que, tendo passado pela desnutrição, estão entrando em um período de transição econômica rápida, e é assim que em um mesmo país coexistem pessoas obesas e pessoas desnutridas. É preciso acrescentar que certos poluentes podem favorecer o ganho de peso, independentemente dos aportes calóricos."
E diz ainda: "Seria precipitado tirar desse estudo conclusões pragmáticas imediatas em termos de saúde pública. Esses dados numéricos sobre os riscos comportam muitas incertezas, como ressaltam com muita sinceridade seus autores. O grande interesse desse estudo é antes de tudo provocar a reflexão sobre o impacto das mudanças climáticas sobre a saúde: em qual medida as evoluções na produção agrícola afetarão ou melhorarão o consumo alimentar e, portanto, a saúde?"
Para Bertrand Noiret, do Ação Contra a Fome, "esse estudo tem o mérito de reacender o debate sobre a importância da diversidade alimentar no combate à desnutrição, uma vez que muitas vezes foca-se muito somente na quantidade de calorias ingeridas ou produzidas. Comer frutas e legumes é de fato essencial para a boa saúde. É preciso que as políticas agrícolas e alimentares integrem a diversificação na adaptação às mudanças climáticas, e isso pressupõe mudanças de práticas profundas".
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Efeito do aquecimento global sobre o equilíbrio nutricional será fatal, aponta estudo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU