02 Março 2016
O abaixo-assinado Vai tershortinho sim, feito por alunas do tradicional Colégio Anchieta, em Porto Alegre, fez verão na mídia aqui do sul durante toda a última semana. No manifesto que acompanha a petição – que já conta com mais de 20 mil apoiadores – as gurias exigem que algumas regras do vestuário sejam alteradas pela escola. Criada por alunas do ensino médio e acompanhada por uma carta aberta aos coordenadores e diretores da instituição, a ação tipicamente feminista deixou muita gente confusa.
A reportagem é de Joanna Burigo, publicada por CartaCapital, 02-03-2016.
No comovente manifesto, meninas entre 13 e 18 anos exigem que a escola se ocupe de ensinar respeito em vez de ditar o que elas podem ou não vestir, explicam que regulações acerca da indumentária feminina reforçam a ideia de que assediar é da natureza do homem, e pedem que a escola abandone a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção da violência sexual.
"Ao invés de humilhar meninas pelos seus corpos, ensinem os meninos que elas não são objetos sexuais", diz o manifesto.
O argumento feminista aqui é simples: abaixo o controle dos corpos das mulheres – controle que, historicamente, se manifesta com força na seara das modas. Em O Segundo Sexo (1949), Simone de Beauvoir relata como as roupas podem ser ferramentas da opressão das mulheres, mas é bom lembrar que o foco da crítica feminista é o machismo, more ele na diferença salarial, na pouca representatividade política, em alguma vestimenta específica... ou em sua proibição.
Assim, as reivindicações das alunas têm pouco a ver com a peça de roupa própria, e mais com o que ela representa: as proibições impostas exclusivamente às mulheres.
Uma das formas com que a sociedade julga as mulheres, em suas sexualidades, é por meio de roupas – e a imagem acima ilustra isso muito bem. Quando não problematizamos este péssimo hábito, quando atrelamos o uso de certas roupas a uma suposta disponibilidade sexual, torna-se plausível que o comprimento de uma saia acabe por denotar o caráter sexual de quem a usa.
E é justamente para desarticular o pensamento machista de que as roupas que as mulheres usam indicam disponibilidade sexual que proibições como a do shortinho devem ser problematizadas.
Proibir ou incentivar o uso de certas roupas em certas ocasiões é prática compreensível, e assim como os escritórios estão cheios de gravatas, nas igrejas os ombros devem ficar cobertos. Mas uma coisa é adequação institucional, outra coisa é a imposição de valores misóginos disfarçada de adequação institucional.
Normas de boa conduta têm valor, evidentemente – mas note como os manuais nunca impõem proibições que tolhem a autonomia corporal dos homens para protegê-los de assédio das mulheres.
O polêmico shortinho é uma peça de roupa, um objeto inanimado e isento de significação inerente. No entanto, é uma peça cujo design é atrelado à objetificação dos corpos femininos (o short afinal deixa pernocas e, em alguns casos, bundinhas de fora), e foi aí que a confusão se deu – como é que justamente um short curtinho pode servir de pauta para uma petição feminista que propõe que paremos de objetificar os corpos femininos?
Bem-vindos ao pensamento feminista, cujo projeto enfrenta dilemas como este diariamente. O shortinho pode ser ou não ser um significante da objetificação de corpos, mas sua proibição certamente significa controle de sexualidade.
E a proibição, que é exclusiva para as meninas, só existe por causa de uma suposta falta de controle da sexualidade masculina. Parece justo? Não. E não é. Por isso que esta petição é tão significativa. O manifesto não é pelo direito de usar uma roupa X, mas pelo direito de usar esta roupa sabendo que a responsabilidade pelo que ela supostamente provocaria nos rapazes é dos rapazes.
A confusão acerca desta petição tem origem na falta de entendimento a respeito do argumento central do feminismo, que é a erradicação da opressão das mulheres em todas as suas formas – o que, necessariamente, exige que os homens tomem responsabilidade por suas ações ao invés de culpar as mulheres quando eles “perdem o controle”.
Raramente as objeções que fazemos dizem respeito apenas aos objetos que aparecem como foco das nossas demandas. Assim, a campanha #vaitershortinhosim não é apenas sobre o direito de usar ou não shortinho na escola, mas também serve para promover a autonomia corporal de todas nós, e para que os homens sejam educados a respeitá-la.
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Não é o shortinho, é o que o shortinho representa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU