22 Fevereiro 2016
A maior parte dos recursos da compensação ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte não será destinada para as áreas mais atingidas pelo empreendimento. Segundo a divisão dos recursos feita pela Câmara de Compensação Ambiental Federal, órgão do Ministério do Meio Ambiente, 71% do valor da compensação será destinado para uma área protegida em Mato Grosso, a 814 quilômetros de distância do empreendimento.
A reportagem é de Bruno Calixto, publicado por Amazônia, 18-02-2016.
A usina de Belo Monte é uma das maiores obras do governo federal e também uma das mais polêmicas. Ela está prevista para começar a gerar energia em março. Para funcionar, o Ibama determinou, na Licença de Operação, que ela pague uma compensação ambiental – um recurso que a empresa paga para compensar danos ambientais que não podem ser evitados pelo empreendimento. Esse valor ficou estipulado em R$ 126 milhões.
Desse valor, o governo decidiu destinar R$ 6,5 milhões para a criação de novas áreas protegidas na região impactada por Belo Monte e R$ 27,5 milhões para áreas protegidas dentro do Pará. O maior pedaço do valor, R$ 92 milhões, foi destinado para o Parque Nacional do Juruena, que fica em Mato Grosso e Amazonas. O mapa abaixo exemplifica a distância entre o Juruena e o canteiro de obras de Belo Monte.
A forma como o dinheiro foi distribuído contrariou o governo do Pará. “Nós temos 42 unidades de conservação no Pará, tanto estaduais quanto federais. E são áreas enfrentando pressão de desmatamento, que precisam de investimentos. Mas em vez disso, o recurso está indo para outro Estado”, diz Luiz Fernandes Rocha, secretário do Meio Ambiente do Estado do Pará.
O governo do Pará enviou ofícios para o governo federal pedindo para participar das reuniões que decidem a destinação dos recursos, sem sucesso. Depois, pediu a revisão da distribuição, o que também não aconteceu. Agora, Rocha diz que vai entrar com uma ação para tentar uma distribuição mais equilibrada dos recursos. Segundo ele, o objetivo não é “trazer mais dinheiro para o governo estadual”.
Ele sugere até mesmo que o recurso seja aplicado em unidades controladas pelo governo federal, só que mais próximas da área impactada pela usina, em projetos que compensem os danos causados pelo empreendimento. “A divisão, da forma como está, configura uma injustiça com a população paraense, que está arcando com o ônus do empreendimento”.
A reportagem de Época entrou em contato com o Ibama para entender por que os recursos da compensação de Belo Monte estão indo para uma área de conservação tão distante. Em uma nota da área técnica, o órgão explica que, quando a compensação ambiental passa de R$ 10 milhões, ela é considerada de abrangência nacional, podendo contemplar toda a região hidrográfica onde está o empreendimento. Com esse entendimento, a compensação pode ser destinada para qualquer área dentro dos 5 mil quilômetros quadrados da Amazônia.
Por que o Parque Juruena?
O Parque Nacional do Juruena (Parna Juruena) é uma unidade de conservação relevante. É a quarta maior área de proteção integral do Brasil, com quase 20 mil quilômetros quadrados. Ela protege espécies ameaçadas, como a onça-pintada, e tem o importante papel de frear o desmatamento na fronteira agrícola na Amazônia. O parque é importante e merece recursos, como a maior parte das áreas protegidas no Brasil – um levantamento do TCU mostra que quase todas as áreas protegidas trabalham com orçamento insuficiente. Ainda assim, é curioso que o recurso esteja sendo destinado para o parque, já que ele não está sendo direta ou indiretamente atingido por Belo Monte.
Do recurso destinado ao Parque Juruena, a maior parte – R$ 80 milhões – foi definido como para “regularização fundiária”. O parque, como quase todos do país, enfrenta problema fundiários, especialmente na sua parte sul. Em 2010, o Ministério Público Federal entrou na Justiça pedindo a retirada imediata de 6 madeireiras, 1 cooperativa de garimpo, 1 pousada e 39 pessoas que ocupavam área protegida. Em decisão em 2012 e reiterada nos anos seguintes, a Justiça determinou que as empresas fossem retiradas do parque e as famílias fossem reassentadas pelo Incra. A decisão não fala em indenizações por regularização fundiária.
Outro possível uso para o recurso de Belo Monte pode ter relação com outra hidrelétrica. Os planos do Ministério de Minas e Energia (MME) previam a construção de duas barragens no rio Juruena, as hidrelétricas de São Simão Alto e Salto Augusto Baixo. Se construídas, essas barragens inundarão 40 mil hectares de área protegida, o que é proibido pela legislação, exigindo que o Parna Juruena seja redesenhado – e provavelmente justificando o pagamento de indenizações fundiárias. A possibilidade de novas hidrelétricas na região fez com que ambientalistas promovessem uma campanha de defesa do Juruena. A campanha terminou após o MME tirar as barragens do Plano Decenal de Energia, mas o projeto nunca foi definitivamente engavetado.
Época perguntou ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), que administra as áreas protegidas federais do Brasil, como o recurso será usado no Parna Juruena. Até o momento, não obteve resposta.
Recurso deveria ser aplicado na área de impacto
Não é ilegal destinar o dinheiro de compensação ambiental para áreas distantes do empreendimento. Segundo a advogada Luciana Vianna Pereira, especialista em Direito Ambiental da Trench, Rossi e Watanabe, é até mesmo comum que recursos de empreendimentos de grande porte sejam destinados para várias unidades de conservação – desde que as áreas impactadas também recebam recursos. Ao fazer isso, no entanto, o governo perde uma grande oportunidade de usar o dinheiro onde ele realmente é necessário e evitar danos maiores na região mais atingida pela obra.
Belo Monte é uma obra gigantesca, e é impossível que um empreendimento deste porte não cause danos ao meio ambiente durante sua implementação. Esses danos já estão ocorrendo. Segundo o Imazon, por exemplo, o desmatamento na região de Belo Monte foi 40% maior do que o previsto antes das obras. Isso acontece porque um empreendimento deste porte atrai a população para a região, que abre estradas e aumenta a pressão por recursos naturais nas florestas protegidas.
O recurso da compensação de Belo Monte, mesmo podendo ser bem usado em Mato Grosso, pode fazer falta onde mais faria a diferença. “Eu não vou dizer que essa situação compromete a capacidade do governo em controlar o desmatamento no Pará”, diz o secretário Rocha. “Mas esse recurso poderá fazer falta nas unidades de conservação que estão mais perto de Belo Monte”.
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Maior parte da compensação ambiental de Belo Monte não vai para áreas impactadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU