09 Fevereiro 2016
Sumário
• O Vaticano tem ensinado aos novos bispos sobre casos de abuso desde 2001
• No entanto, a comissão responsável pelas melhores práticas não está envolvida nessa formação
• A formação foca-se no Direito Canônico, não nas vítimas ou nos sacerdotes acusados
• Se a Igreja quer se recuperar, os bispos precisam de todas as ferramentas disponíveis
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 07-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Dado o câncer que tem sido para a Igreja os escândalos de abusos sexuais clericais, poder-se-ia imaginar que o Vaticano iria querer que os novos bispos fossem atualizados com as melhores práticas a fim de prevenir reincidências.
O Vaticano vem realizando um curso nesse sentido desde 2001 para os bispos recém-nomeados, e quase 30% dos prelados católicos no mundo, hoje, já o fizeram.
É surpreendente, portanto, descobrir que, pelo menos no ano passado, a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores – órgão criado pelo Papa Francisco para identificar as “melhores práticas” no combate ao abuso infantil – não esteve envolvida nos dias de curso.
Qual o objetivo de se criar uma comissão para promover as melhores práticas, e colocar como seu encarregado um dos líderes mais gabaritados da Igreja a participar nela (o Cardeal Sean P. O’Malley), e no entanto não tê-la falando aos novos líderes que terão de implementar tais práticas?
Na segunda-feira (8 de fev.), o cardeal canadense Marc Oullet, da Congregação para os Bispo, resumiu os trabalhos apresentados durante a última edição do curso, dizendo que se quis provocar “sugestões para melhoria da experiência”.
Tradicionalmente, os bispos têm três tarefas: santificar, ensinar e governar. Os novos bispos precisam ouvir algo sobre cada uma dessas coisas, mas, no caso da governança, um lugar de destaque deveria claramente ir para a luta contra a pedofilia. Oullet reconheceu essa necessidade, listando a “prevenção de abusos” entre os principais desafios.
Aqui, vale rever o que os bispos estão, e não estão, ouvindo nesses cursos.
Essa apresentação ficou a cargo do monsenhor francês Tony Anatrella, consultor do Pontifício Conselho para a Família e do Pontifício Conselho para a Saúde. Anatrella atualmente trabalha no Collège des Bernardins, em Paris, e é um psicoterapeuta polêmico por causa de suas opiniões sobre a homossexualidade e a “teoria de gênero”.
Ainda que a sua apresentação fora sobre a análise terapêutica, o palestrante fez um trabalho incrível ao abordar alguns componentes do Código de Direito Canônico relativo ao clero acusado de crime sexual contra menores.
Sob outro ponto de vista, no entanto, a sua apresentação pareceu insuficiente. Por exemplo, ele argumentou que os bispos não têm o dever de relatar relatos de abuso à polícia, o que ficaria a cargo das vítimas e de suas famílias. Essa é uma abordagem legalista sobre uma questão fundamental, questão que somente tem trazido problemas para a Igreja e a seus bispos. Por que, é de se perguntar, esse conteúdo fez parte de um curso de formação?
Geralmente, os procedimentos canônicos só entram em jogo depois que se constitui um caso de abuso. Em tese, o objetivo deve ser o de fazer com que tais crimes parem de continuar acontecendo e, nesse sentido, surpreende ver que Anatrella devotou somente alguns poucos parágrafos à prevenção do abuso, usando uma linguagem abstrata sem exemplos concretos.
Fica mais surpreendente ainda quando se sabe dos recursos que a Igreja investiu em programas de prevenção. Nos EUA, estima-se que os bispos gastaram, em 2013, 260 milhões de dólares desde 2012. Um novo livro intitulado “The Whole Truth”, de Joe Klest, elogia tais esforços.
“Precisamos nos focar na proteção dos nossos filhos, na prevenção dos abusos e em ter uma intervenção rápida quando um caso ocorrer”, escreve Klest, advogado, referindo-se a toda a sociedade. “O fato é que a instituição que mais tem feito para criar um modelo que venha dar conta disso é a Igreja Católica”.
Para falar sobre o tema desse artigo, contatei o Monsenhor Stephen Rossetti, membro do conselho do Centro para a Proteção Infantil, da Universidade Gregoriana de Roma, e perguntei-lhe: “O que deveria ser dito aos novos bispos sobre abusos sexuais na Igreja?”
Eis o que ele disse que os bispos deveriam saber:
1.- “Como lidar com as vítimas, porque isso não é intuitivamente óbvio”.
2.- “Precisam conhecer a questão canônica”.
3.- “Quais os sinais de alerta na questão dos abusos (...) É importante ter os pés no chão, contextualizando e mostrando como é uma resposta eficaz”.
4.- “Saber lidar com sacerdotes acusados (...) incluindo o risco de reincidência, assim como saber mostrar caridade sem incentivar o comportamento abusivo”.
5.- E recursos de prevenção aos abusos sexuais: “Não precisamos começar do zero. Existem programas eficazes disponíveis”.
A julgar pelos trabalhos anunciados do curso aos novos prelados em 2015, somente o segundo ponto teve destaque.
Essas omissões levantam uma dúvida óbvia: Por que a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, órgão presidido pelo Cardeal O’Malley, não fez uma apresentação aos prelados sobre tais temas?
A Comissão se apercebeu disso no sábado (6 de fev.) quando um dos dois membros que são também sobreviventes de abuso, Peter Saunders, foi desligado em meio a queixas amargas sobre a resposta do papa a várias polêmicas recentes. No entanto, a razão de ser da Comissão continua sendo a de identificar as melhores práticas para a prevenção, detecção e resposta; seus representantes têm feito apresentações às Conferências Episcopais ao redor do mundo para partilhar tais experiências.
O próximo curso para os novos bispos acontecerá no começo de setembro. Paralelamente, a Congregação para a Evangelização dos Povos, responsável pelos bispos em territórios de missão, realiza o seu próprio curso. É difícil ver por que a Comissão não estaria convidada para ambos os momentos formativos.
Se a Igreja quer se recuperar dos escândalos de abuso sexual, então os bispos precisam dispor de todas as ferramentas possíveis, e estes cursos são uma oportunidade para equipá-los. Será uma vergonha, para dizer o mínimo, não tirar o máximo deles.
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O que os bispos estão, e não estão, ouvindo sobre abusos sexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU