08 Fevereiro 2016
Encontrar o Patriarca Kirill em Cuba significa não só a neutralidade da ilha caribenha em relação à identidade geopolítica das duas Igrejas, mas também reconhecer a globalidade da Igreja ortodoxa (que chegou a Cuba bem antes dos comunistas de Castro).
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, leigo casado, professor de história do cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio L'Huffington Post, 05-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O anúncio conjunto dado pelo Vaticano e pelo Patriarcado de Moscou do encontro entre o Papa Francisco e o Patriarca Kirill confirma a estatura mundial do papa argentino. Um jesuíta que não gostava de viajar e que se pensava que tinha um conhecimento limitado do mundo global está fazendo avançar sonhos de unidade entre as Igrejas cristãs e entre as religiões.
O primeiro encontro da história de um papa de Roma com o patriarca de Moscou, depois de quase mil anos de cisma, se insere em um vasto desígnio do Papa Francisco: só nesses últimos dias chegaram os anúncios da viagem, em outubro próximo, do papa à Suécia para os 500 anos da Reforma protestante e as mensagens de abertura para a China.
Os dois líderes das Igrejas, Francisco e Kirill, provêm de histórias diferentes e de mundos diferentes, mas têm pela frente situações semelhantes, incluindo o destino dos cristãos no Oriente Médio (que afeta católicos e ortodoxos de maneira similar), e uma situação de Igreja em que a referência à colegialidade e à conciliaridade assumiu um papel forte (os dois Sínodos dos bispos de Francisco de 2014 e 2015, e o grande Sínodo de todas as Igrejas ortodoxas que será realizado em Creta, em junho próximo).
Por um lado, o encontro de Cuba é importante porque revela uma dimensão fundamental do pontificado: o entrelaçamento entre teologia e diplomacia – aquilo que o diretor da revista dos jesuítas La Civiltà Cattolica, Antonio Spadaro, chamou, em um importante artigo publicado há alguns dias, de "a diplomacia de Francisco. A misericórdia como processo político".
Francisco é um papa líder político global como João Paulo II, mas que, ao contrário de João Paulo II, aproveita a sua distância da política italiana para manter uma visão mais ampla das prioridades do catolicismo global. Ao contrário de Bento XVI, em vez disso, Francisco não teme as contaminações do processo político e não teme correr riscos quando estão em jogo as grandes forças em um tabuleiro mundial que não tem líderes políticos de verdade.
À crise da política global jogada entre os Estados, hoje, corresponde um protagonismo da dimensão religiosa: o diálogo entre religiões, portanto, assume um papel-chave para compreender essa fase histórica internacional, e o papado como particular e única expressão institucional do catolicismo tem um papel central nesse protagonismo.
Mas esse protagonismo de Francisco também é um dos legados da teologia do Concílio Vaticano II, evento-chave da história da Igreja moderna que Francisco celebrou ao escolher abrir o Jubileu da Misericórdia a 50 anos exatos da conclusão da cúpula: o Vaticano II tem relevância política porque evidencia o laço entre a teologia de uma Igreja, a sua projeção ecumênica e o seu papel no tabuleiro mundial. A retomada teológica do Vaticano II por parte de Francisco não é desprovida de consequências para a projeção pública da Igreja.
Por outro lado, é de particular fascínio no anúncio o cenário em que o encontro irá ocorrer. Ao contrário das hipóteses levantadas nos últimos anos, não será Viena (um dos teatros da Ostpolitik do século XX) nem um mosteiro da Europa Oriental (adequado para a teologia monástica do diálogo com a ortodoxia de Bento XVI). Ocorrerá em Cuba, que se elevou nos últimos meses como lugar-chave para a geopolítica vaticana: ponto de partida para a viagem nos EUA e ponte entre a Igreja de Roma e a mais importante Igreja ortodoxa.
Encontrar o Patriarca Kirill em Cuba significa não só a neutralidade da ilha caribenha em relação à identidade geopolítica das duas Igrejas, mas também reconhecer a globalidade da Igreja ortodoxa (que chegou a Cuba bem antes dos comunistas de Castro).
Esse passo à frente histórico nas relações entre as duas Igrejas faz parte da vocação desse papa para uma nova compreensão da globalidade da Igreja e da sua colocação em relação aos outros atores no mundo global. Uma reforma do papado como a que está em andamento com Francisco tem consequências que vão muito além da destinação de uso do apartamento papal.
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Francisco e Kirill na ponte cubana das Igrejas. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU