16 Dezembro 2015
Os estudos sobre o gênero têm como objetivo sobretudo o de combater as discriminações e as violências sofridas por quem, mulher, homossexual ou trans, é considerado inferior apenas por causa do seu sexo, da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero.
Publicamos aqui um trecho da introdução do livro Papà, mamma e gender, da filósofa italiana Michela Marzano, professora da Universidade de Paris V - René Descartes. O artigo foi publicado no jornal Trentino, 12-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Tirem as mãos dos nossos filhos", "nascemos homem e mulher", "pare o gênero nas escolas", "o gênero é esterco do diabo". Oito anos depois do primeiro Family Day, que tinha visto sair à Praça São João, em Roma, mais de um milhão de pessoas ao som de "o bem da família é o bem do país", no dia 20 de junho de 2015, realizou-se, também na Praça São João, um segundo Family Day.
Novamente, um milhão de pessoas na praça. Desta vez, porém, não só para defender a família no momento em que o Parlamento tinha recomeçado a discutir as uniões civis, mas também para se opor ao "projeto louco" de introduzir nas escolas o gender.
"Eu me pergunto se a teoria de gênero não é também expressão de uma frustração e de uma resignação que visa a apagar a diferença, porque não sabe mais se defrontar com ela", dissera alguns meses antes o Papa Francisco, legitimando assim, mesmo que indiretamente, a hostilidade em relação ao gender.
Mas o que é realmente essa teoria? Ela existe? É verdade que se quer ensinar aos menores que o sexo é escolhido com base naquilo que, pouco a pouco, se percebe, como diz um vídeo realizado pela Associação ProVita? É verdade que, de agora em diante, não se falará mais de "pai" e de "mãe", mas de "progenitor 1" e "progenitor 2"? É verdade que a pedofilia também é um gênero e que logo será legalizada? É verdade que se ensina a masturbação precoce já nos jardins de infância, como alegam outros vídeos?
"Mas você viu que coisa esse gender?", me perguntaram preocupados muitos pais nos últimos meses, enquanto esses vídeos começavam a se espalhar de forma cada vez mais maciça. Levei algum tempo para entender o que estava acontecendo. Eu subestimei a amplitude do fenômeno. Talvez estive desatenta.
O fato é que, por meses, eu me limitei a pensar que todos estavam exagerando um pouco. Não só aqueles que estavam demonizando o gender, mas também aqueles que, comprometidos com a luta contra as discriminações e o bullying, me sinalizavam a hostilidade crescente contra toda iniciativa e atividade voltada a desconstruir os estereótipos sexistas e homofóbicos.
Durante meses, eu não percebi que estava sendo criada pouco a pouco uma fenda muito profunda na Itália. De um lado, aqueles que estão convencidos de que está sendo levado adiante um projeto de doutrinação dos menores voltado a minar os valores da família e a banalizar qualquer comportamento sexual.
De outro, aqueles que estão igualmente convencidos de que é necessário promover nas escolas não só a cultura do respeito e do diálogo, mas também uma real educação à aceitação das diferenças e à rejeição das discriminações.
De um lado, aqueles que são mais e mais frequentemente designados como adeptos do relativismo ético – embora muitas vezes se trate de pais, mães, irmãs e irmãos de pessoas homossexuais ou transexuais, homens e mulheres que se defrontaram diretamente com o drama de uma pessoa marginalizada apenas por ser gay, lésbica ou trans.
De outro, os essencialistas e todos aqueles que acreditam que existe uma definição única e absoluta do Bem, mas também a Ação Católica e muitos intelectuais de esquerda, que talvez ainda não se defrontaram com o drama que pode ser vivido por um filho ou um amigo gay, ou uma filha e uma amiga lésbica, no momento em que se sentem rejeitados e marginalizados.
Não estamos arriscando nos atolar em inútil guerra ideológica em que, já hoje, ninguém mais escuta ninguém? Não se trata, na realidade, de um problema apenas italiano. Na França, por exemplo, circulam livros e panfletos inutilmente polêmicos contra o gender.
"Nomear as coisas corretamente", dizia Albert Camus, "é um modo para tentar diminuir o sofrimento e a desordem que existem no mundo." O propósito deste livro é justamente este. Desmontando as interpretações mais fantasiosas que cercam hoje a chamada "ideologia de gênero", através da leitura e do comentário daqueles vídeos e daqueles escritos já virais.
Vídeos e documentos, muitas vezes, cheios de erros grosseiros (desejados? inconscientes? ditado pela ignorância?) e muita confusão (desejada? inconsciente? ditada pela ignorância?), em que se afirma, por exemplo, como se fosse uma evidência, que o gender falaria de um "direito natural de mudar as escolhas dentro dos cinco sexos, como o gay, lésbico, bissexual, transexual e heterossexual", misturando, assim, mais uma vez, sexo, gênero e orientação sexual.
Na verdade, os estudos sobre o gênero têm como objetivo sobretudo o de combater as discriminações e as violências sofridas por quem, mulher, homossexual ou trans, é considerado inferior apenas por causa do seu sexo, da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero.
Esse é o motivo pelo qual, há muito tempo, eu me ocupo com o gender e não entendo por que hoje há tanta hostilidade e tanto medo contra ele, embora eu mesma acredite que certas posições, às vezes, são radicais, às vezes até mesmo excessivamente provocadoras.
Mas não devemos jogar fora o bebê com a água do banho. Neste meu livro, eu gostaria de me aproximar do tema do gender para contar a gênese do conceito e as suas mil facetas. Mas também para mostrar como os estudos de gênero têm muito pouco a ver com as representações que são feitas deles e com os fantasmas que apenas a palavra "gender" desperta hoje.
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Papai, mamãe, gênero e amor. Artigo de Michela Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU