16 Novembro 2015
A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da CPT vêm a público denunciar a grave situação por que passam as famílias dos trabalhadores, de modo especial na Gleba Bacajá, em Anapu, Pará. 10 anos após o assassinato de Irmã Dorothy Stang nesta mesma Gleba, a perseguição às famílias tem atingido índices alarmantes, com assassinatos, ameaças, agressões e destruição de bens.
A reportagem foi publicada por Comissão Pastoral da Terra - CPT, 13-11-2015.
Esta situação tem se agravado entre julho e a presente data, com o registro de sete assassinatos, já conhecidos da opinião pública. Seis destes assassinatos ocorreram no contexto de um conflito no Lote 83, do qual um dos pretensos donos é Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, condenado como um dos mandantes da morte de Irmã Dorothy Stang, em fevereiro de 2005. Infelizmente, não se pode confiar na Polícia Civil para investigar os casos de homicídio, pois todos os assassinatos até agora foram caracterizados como “crime passional”, “rixa pessoal” ou “discussão”, portanto descaracterizando qualquer ligação com a questão agrária.
Mas além dos assassinatos, inúmeras formas de violência têm sido registradas, como destruição de ponte, destruição e roubo de casas e outros bens, disparo de armas de fogo, expulsão de famílias. A presença constante de pistoleiros na área do lote 83 é confirmada até pela ação da polícia e por despacho da juíza de Anapu. Um dos pretensos donos da área Derby Antônio da Rosa declarou à reportagem de um canal de TV, afiliado ao SBT, andar com escolta armada. (ver ao final)
A violência provém de fazendeiros que ocupam áreas públicas que deveriam ter sido destinadas para fins de Reforma Agrária, por não terem sido cumpridos os termos do CATP - Contrato de Alienação de Terras Públicas. O cancelamento destes CATPs, com destinação das áreas para a reforma agrária é a solução para a violência, não só em Anapu, mas em muitas outras áreas como no sul de Rondônia, onde numa chacina, ainda não bem esclarecida, que ocorreu no dia 17 de outubro, foram mortas cinco pessoas.
Aproveitando-se do fato de o governo central estar encurralado por uma grave crise política e econômica, os latifundiários e empresários do agronegócio, apoiados na poderosa bancada ruralista, fazem prevalecer seus interesses e impõem, ate mesmo pela força, sua vontade.
A omissão do Estado brasileiro alimenta a certeza de impunidade, por isso os que praticam ações violentas não se intimidam, antes encontram em servidores públicos de diversas instâncias o apoio e o estímulo para seus atos.
Enquanto o poder público não tomar as providências que a ele cabem, a intolerância, a perseguição e a violência vão campear livres.
O sangue das vítimas da violência assassina está a clamar por justiça e a exigir que a terra seja destinada realmente àqueles que dela necessitam, não para a especulação e o enriquecimento de uns poucos.
Goiânia, 11 de novembro de 2015.
A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT
Situações de conflito em Anapu
Lotes 69, 71 e 73
No final de semana de 30-31 de maio de 2015, capangas armados serraram as duas pontas de uma ponte na vicinal que dá acesso à Mata Preta, onde estão situados os lotes 69, 71 e 73. Data de 2006 a ocupação dos referidos lotes: 40 famílias no lote 69, 25 no lote 71 e 38 no 73. Neste último funciona uma escola de Ensino Fundamental completo. E foi criada uma associação dos moradores. As famílias sofrem constantes pressões e ameaças de expulsão por parte de empresa Participações Santa Helena, de propriedade de Carlos Roberto Fleck. Depois de ter a ponte serrada, capangas fortemente armados” vigiam a área, cercam e abordam os que conseguem passar o igarapé. No dia 29 de agosto, fazendeiros em mais de 15 carros aterrorizaram as famílias apontando armas, gritando e ameaçando de destruição.
Lote 44 – Fazenda Santa Maria
No Lote 44 está instalada a Fazenda Santa Maria, espólio de José Albano Fernandes Sobrinho. Desde fevereiro de 2014, 38 famílias acampadas pleiteiam a incorporação do imóvel à reforma agrária. O CATP, Contrato de Alienação de Terras Públicas, deste lote está sendo cancelado pelo Incra de Santarém. Mesmo assim as famílias continuam a sofrer perseguição dos que se dizem donos, a Família Fernandes. Roças têm sido destruídas, casas queimadas e as famílias ameaçadas e perseguidas até pelas polícias civil e militar. Em 02 de julho, sete homens com coletes à prova de bala e capacetes na cabeça chegaram ao lote em dois carros. Desceram disparando tiros. Depois localizaram as motos dos que trabalhavam na área e as levaram. No dia seguinte, 03 de julho, o delegado da Polícia Civil de Anapu, Elcio Fidelis de Deus, se recusou a registrar a ocorrência do furto das motos alegando que as mesmas estavam em Altamira. Na saída da delegacia, os trabalhadores foram filmados.
Lote 46 – Fazenda Santa Luzia
Nas proximidades do lote 46, desde maio do corrente ano, 32 famílias sem-terra estão acampadas pleiteando a destinação do lote para reforma agrária. O pretenso proprietário é Carlos Antônio Martins, o Carlinhos Galo. Em 29 de agosto, fazendeiros acompanhando “o proprietário” em mais de 15 carros foram à área e chegaram disparando suas armas de fogo durante quase cinco minutos. Depois invadiram os barracos das 32 famílias e destruíram tudo. Queimaram os barracos, roubaram celulares e destruíram ferramentas e pertences pessoais. Na madrugada do dia 10 de outubro, Hercules Santos de Souza, de 17 anos, filho de ocupantes do lote 46, foi assassinado em praça pública em Anapu, depois de sair duma festa. Quatro homens em duas motos se aproximaram e um deles atirou em Hercules e levou sua moto, que foi abandonada no Bairro São Luis.
Lote 83
A situação mais grave se registra neste lote. 46 famílias sem-terra acamparam nas imediações do lote no início de maio de 2015, pleiteando a incorporação do mesmo ao programa de reforma agrária. O lote já havia sido ocupado em anos anteriores, de onde os sem-terra sempre foram expulsos por pistoleiros. Aparecem como pretensos proprietários Derby Antônio da Rosa, dono do Verdurão de Marabá e do Farturão de Pacajá; Zé Iran, de Pacajá e Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, que segundo os moradores é o verdadeiro dono da área. Em janeiro de 2014, sua esposa Rosangela se apresentou aos que ocupavam a área como proprietária. Nos meses de maio e junho de 2015, na sede desta fazenda, ocorreram tiroteios, o que levou a DECA, Delegacia de Conflitos Agrários de Marabá a prender quatro pessoas suspeitas de pistolagem. Em 7 de julho foram presos outros quatro homens, caracterizados pela juíza da comarca de Anapu como pistoleiros. Armas pesadas e muita munição foram encontradas com eles.
Logo após os sem-terra terem montado seu acampamento começaram as ameaças e intimidações. No dia 25 de maio, depois de uma viatura da polícia civil ter passado três vezes em frente à oficina de motos de Jesusmar Batista Farias, três homens chegaram à oficina. Um deles, que se disse aparentado de Zé Iran, ameaçou Jesusmar, dizendo que se ele não quisesse problemas era para deixar de apoiar as famílias da ocupação, pois sabiam que ele estaria bancando o alimento das famílias ocupantes. No mesmo dia, às 22 horas, Lindomar Pedro da Silva foi ameaçado em sua casa por um rapaz magro e moreno, que lhe disse para se afastar da fazenda de Zé Iran, pois, segundo eles, ele seria “o cabeça” da ocupação.
Seis trabalhadores ligados a esta ocupação foram assassinados:
Lote 97 – Fazendas Bom Jesus e Berrante
As fazendas Bom Jesus e Berrante têm como pretensos proprietários Péricles Pimenta Peixoto e espólio de Antônio Augusto Peixoto. 30 famílias sem-terra se encontram acampadas fora da área das fazendas e pleiteiam a incorporação das mesmas ao programa de reforma agrária. As famílias são impedidas de colher o que plantaram, mesmo fora da área das fazendas.
PDS Esperança
Além disso, há uma série de conflitos no PDS Esperança. Houve denúncias de roubo de madeira apreendida pelo Ibama, destruição e queima de barracos de agricultores, presença de “pistoleiros”, ameaças de morte, grilagem de terras públicas, desmatamento, extração ilegal de madeira, assédio de madeireiros.
Lotes 103 e 105
No dia 29 de agosto, os fazendeiros que em 15 carros haviam destruído tudo das famílias ocupantes do lote 46 e aterrorizaram as famílias da Mata Preta, passaram para o outro lado da Transamazônica, na Gleba Belo Monte, nos Lotes 103 e 105, onde depois de ameaçar matar as famílias que ocupavam a área, as expulsaram. Os dois lotes têm como pretenso proprietário Carlos Roberto Fleck.
Para entender melhor os casos
Em 1975, o Incra abriu licitação para a venda de áreas entre 810 e 3 mil hectares no estado do Pará, às margens da rodovia Transamazônica. O edital de concorrência nº 03/75 abriu a possibilidade de compra de lotes nas glebas Belo Monte e Bacajá, as duas situadas entre as cidades de Altamira e Marabá. As grandes extensões de terra atraíram pessoas interessadas em explorar a madeira da floresta ou atuar no ramo da agropecuária. A gleba Belo Monte, com 510 mil hectares, fica ao norte da estrada. Localizada ao sul da Transamazônica, a Bacajá tem 210 mil hectares. Hoje, as duas pertencem ao município de Anapu. Ao todo, 180 lotes de áreas individuais foram licitados. Quem adquiriu um destes lotes recebia um documento denominado CATP - Contrato de Alienação de Terras Públicas e se comprometia a cumprir os termos do contrato, sobretudo, o de tornar produtiva a área. Caso qualquer um dos termos do contrato não fosse cumprido, o mesmo seria cancelado.
Entre 1980 e 1981, o Incra vistoriou as áreas e encontrou muitos lotes em situação de completo abandono. A partir daí entrou com ações na Justiça para cancelar o registro imobiliário destas áreas. Com isso foram recuperados vários lotes que deram origem aos PDSs - Projetos de Desenvolvimento Sustentável – Esperança, na Gleba Bacajá, e o Virola Jatobá, na Gleba Belo Monte. A grande maioria dos lotes, mesmo ocupada, é de terra pública, pois os termos do CATP praticamente não foram cumpridos, e houve transferência dos lotes para terceiros, sem anuência do INCRA, o que não era permitido.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Assassinatos, ameaças e agressões: o dia a dia de Anapu (PA) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU