08 Outubro 2015
"A Igreja hoje deve pedir desculpas a três categorias de pessoas: os divorciados, os padres casados e os homossexuais. Espero que o Jubileu do Papa Francisco faça justiça àqueles milhares de leigos e religiosos marginalizados e condenados pelo seu modo de amar. Talvez está escrito no Evangelho que os gays devem ser excluídos da compaixão de Jesus?"
A reportagem é de Maria Novella De Luca e Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 06-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O padre Alberto Maggi, teólogo e biblista de Ancona, na Itália, sacerdote de voz autônoma e muitas vezes incômoda, usa palavras afiadas para apontar para o coração pulsante do "orgulho gay" cristão. Ou seja, o sofrimento, já gritado, de milhares de homossexuais dentro da Igreja Católica Romana, um universo submerso de clandestinidade e de medo, descoberto pela surpreendente "saída do armário" do teólogo polonês Krzysztof Charamsa e pela sua acusação urbi et orbi: "O Santo Ofício é o coração da homofobia".
Estudado e ouvido pelos grupos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros), o padre Maggi lança um verdadeiro j'accuse: "Como é possível fechar os olhos? Como o Vaticano ainda pode impor a castidade como único caminho de redenção para quem se declara homossexual? Eu acredito que o celibato é uma forma de liberdade, mas deve ser uma escolha, senão é uma crueldade. Os padres, as irmãs, assim como todos os seres humanos têm o direito de praticar o amor. Quando um padre se apaixona, ele se torna mais humano. Já é hora de que a Igreja entenda isso."
A questão gay sacode os dias do Sínodo. Porque hoje como ontem, apesar das aberturas do Papa Francisco, os padres gays, que segundo algumas estimativas seriam 15% do clero italiano, são marginalizados, condenados à clandestinidade, enquanto homossexuais e lésbicas leigos permanecem excluídos dos sacramentos e da vida pastoral. Considerados réus (ou pior) ainda mais pela escolha de dar à luz filhos.
No entanto, na Igreja, tornam-se cada vez mais fortes as vozes dissidentes contra uma hierarquia que "persegue e apaga o sorriso de quem se declara homossexual", diz (o padre) Franco Barbero, de Turim, ex-sacerdote, laicizado em 2003, justamente pelas suas posições em favor do mundo "homo" e contra o celibato.
Mas também se multiplicam os grupos de católicos LGBT que buscam uma ponte para a Igreja. Na Itália, há mais de 40, hoje reunidos na sigla "Cammini della Speranza", parte da Global Network of Rainbow Catholics [Rede Global de Católicos Arco-íris]. Em uma espécie de contra-Sínodo, que pede para que se encontre "o lugar certo para todos os membros do povo de Deus, incluindo as pessoas LGBT". Em uma casa comum chamada Igreja. Em que, no entanto, se você é gay, "pode chegar até a tirar a própria vida por desespero", denuncia Franco Barbero, que, embora não sendo mais sacerdote, continua "abençoando" os casais homossexuais.
"Eu conheço mais de 1.300 padres homossexuais. Eles vivem na clandestinidade, adoecem, entram na depressão. No entanto, são apaixonados pelo Evangelho, e apenas o pensamento de abandonar o sacerdócio os joga no desespero."
Mais cauteloso, Domenico Mogavero, bispo de Mazara del Vallo, ouvido também pelo mundo LGBT, afirma: "A Igreja não é homofóbica. A maioria dos meus coirmãos bispos reconhece que a homossexualidade não é um desvio. De fato, aqueles sacerdotes homossexuais que conseguem viver o celibato devem ser aceitos como todos os outros. E muitos sabem encontrar um equilíbrio que lhes permita viver também os momentos de cruz, sem se desestabilizar".
Celibato, portanto, e sublimação, assim como prevê a doutrina atual, não compartilhada, porém, por parte da "dissidência". Vittorio Bellavite, por exemplo, coordenador do grupo católico "Nós Somos Igreja", que luta pela igual dignidade de gays e heterossexuais na comunidade cristã.
"É preciso falar sobre o sofrimento dos homossexuais na Igreja. Eu conheço sacerdotes que se sentem divididos. Porque a Igreja ainda é fortemente homofóbica, como demonstra o 'não' ao casamento entre pessoas do mesmo sexo..."
Certamente, há 50 anos, antes do Concílio Vaticano II, o silêncio era ainda mais denso. Um manto de silêncio e de medo hoje apenas parcialmente diluído pelos cristãos gays. "Mas nós acreditamos na abertura do Papa Francisco", diz serenamente Andrea Rubera, fiel e praticante, fundador do grupo de homossexuais católicos "Nuova Proposta", casado no Canadá, em 2009 com o seu companheiro e pai de três filhos.
"A 'saída do armário' de Charamsa, tão dura para a Igreja, não nos representa. Nós somos parte da Igreja. É nas paróquias que nos encontramos. Os meus filhos são batizados, as nossas famílias são diferentes, sim, mas são um dom de amor. Os tempos estão maduros para que venha do papa uma pastoral inclusiva do mundo homossexual, mas que não indique como única via a castidade. Aliás, para vencer, o movimento gay sempre lançou o coração para além do obstáculo."
Vittorio Lingiardi, professor de psicologia dinâmica da Universidade La Sapienza, um dos maiores conhecedores do universo LGBT na Itália, também se soma às grandes batalhas dos gays e considera como "revolucionária" a declaração do teólogo Charamsa.
"De agora em diante, ninguém mais poderá dizer 'eu não sabia'. É como quando o clero teve que reconhecer Copérnico. Vai levar tempo, basta olhar para a batalha de retaguarda sobre o gênero. A primeira manifestação gay em Nova York, em 1968, também foi reprimida violentamente, mas, naqueles dias, nasceu o movimento de libertação. Mas esse é um sinal de que, se quiser sobreviver, a Igreja deverá se abrir a todas as diferenças. Inclusive a homossexualidade."
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"Devemos pedir desculpas aos gays": as vozes dissidentes dentro da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU