Por: Cesar Sanson | 25 Agosto 2015
Exploração de matérias-primas em grande escala continua causando conflitos violentos na América Latina. Potencial dos processos de consulta prévia para evitar escalação não está sendo aproveitado.
A reportagem é de Evan Romero-Castillo, publicada por Deutsche Welle, 23-08-2015.
Em 1991, coincidindo com o início do novo boom de exportações de matérias-primas na América Latina, entrou em vigor o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais. Esse tratado parecia consolidar o direito desses e de outros desfavorecidos pelo Estado – camponeses e afro-descendentes – de serem incluídos nas tomadas de decisões sobre leis e projetos que afetassem seus interesses territoriais, econômicos, sociopolíticos e culturais.
Nesse contexto, o mecanismo da consulta prévia se destacou, pois comprometia os Estados a informarem suas comunidades mais vulneráveis sobre grandes projetos de infraestrutura e exploração mineral que poderiam influenciar consideravelmente suas vidas. Assim, os interessados tinham a oportunidade de se pronunciar contra ou a favor dos planos em questão. Contudo esses processos são raros e deficientes, até mesmo nos poucos países em que são realizados – Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
Um recurso subaproveitado
Essa é a conclusão das pesquisadoras Almut Schilling-Vacaflor e Riccarda Flemmer, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga) no estudo Explorações de matérias primas na América Latina. Elas afirmam que as consultas prévias têm uma influência mínima sobre as práticas extrativistas em grande escala. "O potencial que as consultas prévias têm, para proteger os direitos da população e negociar conflitos de interesses sem violência, segue sem ser aproveitado", concluem as especialistas.
"A consulta prévia outorga poder de veto a certos setores de cidadãos de um país que são afetados por um determinado projeto público ou privado. Nesse sentido, devo confessar que não me recordo de um só caso na América Latina em que as consultas prévias tenham funcionando. O que tem ocorrido em mais de uma ocasião é a interrupção de projetos em resposta a protestos populares de grande escala", comenta Annegret Flohr, do Instituto de Estudos Avançados da Sustentabilidade (IASS), em Potsdam.
Schilling-Vacaflor e Flemmer também analisam protestos que chamaram a atenção do mundo nos últimos cinco anos: as manifestações contra a construção da represa de Belo Monte, no Brasil; os confrontos de 2009 entre a polícia peruana e opositores de decretos territoriais controversos, que deixaram 30 mortos; os protestos de 2011 contra a construção de uma estrada num parque nacional da Bolívia; assim como a morte de quatro operários contrários ao projeto de mineração Tía María, no Peru, entre março e agosto de 2015.
Mera formalidade
"Não me vem à mente nenhuma consulta prévia bem sucedida", admite também a antropóloga sociocultural Juliana Ströbele-Gregor, da rede de pesquisa Desigualdades, ligada ao Instituto Latino-americano da Universidade Livre de Berlim.
A especialista lamenta que os poucos processos de consulta consumados fossem executados de maneira apressada, "só para cumprir uma formalidade". De seu ponto de vista, "os afetados nunca contaram com toda a informação necessária para decidir os assuntos com fundamento".
Para Ströbele-Gregor, a meta deve ser que o mecanismo faça jus ao nome "consulta prévia": que a consulta seja realizada antes do início de um projeto de mineração, por exemplo; que toda a informação sobre o assunto esteja ao alcance dos interessados; e que os afetados possam opinar sem ser pressionados ou subornados.
or fim, a consulta tem que ser vinculativa. "As instâncias de controle e assessoria existentes ou as que vão ser criadas devem atuar de forma efetiva e independente para evitar que a corrupção contamine esses processos", argumenta.
Flohr concorda com a especialista de Berlim: "São poucos os exemplos disponíveis de discórdias que foram resolvidas satisfatoriamente para todas as partes implicadas". No entanto, a figura do assessor de observância/ombudsman (compliance advisor/ombudsman – CAO), mantida pelo Banco Mundial, pode contribuir para solucionar disputas dessa natureza."
Desse modo, "uma população que sinta que seus direitos estão sendo violados pode se queixar ao ombudsman e exigir que o Banco Mundal inicie um processo de mediação", afirma a analista do IASS.
Instrumento imperfeito
"Esse é um bom instrumento, mas tem suas desvantagens. A mais importante delas é que o assessor de observância só pode intervir em projetos financiados total ou parcialmente pelo Banco Mundial. E só uma pequena parte dos projetos de exploração mineral é financiada por essa instituição.
O ideal seria o assessor/ombudsman funcionar como um tribunal internacional de arbitragem, independente do Banco Mundial. Mas, para que essa ideia cristalize, é necessária uma vontade política que hoje não existe", completa Flohr.
"No Peru, por exemplo, os mecanismos que prevalecem para a solução de conflitos entre os cidadãos, o Estado e as empresas são as mesas de diálogo, mas estas só são organizadas quando as minas já estão operando. Essa opção só pode funcionar com um equilíbrio entre o poder dos participantes. Ou seja: cabe ao Estado se colocar do lado da população que se queixa. Sem isso, não há como os cidadãos persuadirem as empresas a fazerem absolutamente nada", finaliza Flohr.
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Extrativismo acirra conflitos sociais na América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU