Por: Jonas | 27 Abril 2015
O papa Francisco garantiu a Angela Boitano (foto), presidente da organização Familiares de Detidos-Desaparecidos por Razões Políticas, o compromisso da Igreja católica em contribuir com informação disponível em seus arquivos sobre o terrorismo de Estado na Argentina. “Já estamos fazendo. E na medida em que forem solicitando, vamos atender”, foram as palavras do ex-cardeal Jorge Bergoglio, segundo afirmou Lita Boitano. Por solicitação do Papa, ela se reunirá, hoje, com o responsável pela administração do arquivo do Vaticano.
Fonte: http://goo.gl/AslmLc |
A reportagem é publicada por Página/12, 24-04-2015. A tradução é do Cepat.
De origem italiana, mãe de dois desaparecidos, Boitano reivindica sem êxito, desde 1976, que a Igreja colabore com informação. Após o sequestro de seu filho Miguel Angel, um capelão da polícia lhe recomendou: “Não crie problema, certamente fugiu com uma garota”. Por conselho de seu primo, o aviador naval Angel Martín, foi conversar com o capelão do Exército, Emilio Graselli: “Diga a seu primo que foram os militares”, advertiu Graselli. Na visita seguinte, em agosto de 1976, mostrou-lhe dois cadernos: “Em qual livro estará seu filho? No dos vivos ou no dos mortos?”. Revisou anotações e acrescentou: “Eu diria, senhora, que não o procure mais”, recordou, ao depor no julgamento da ESMA.
Em 1979, tentou sem êxito que João Paulo II a recebesse na Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, que estava reunido em Puebla, no México. Com outras quatro mães conseguiu uma audiência com Pío Laghi, núncio do Vaticano na Argentina, que admitiu que “três anos é muito tempo” para não receber notícias dos filhos. “Se foram muito torturados, os militares não os deixarão em liberdade”, acrescentou. Convencidas de que “o Papa era o único que poderia fazer algo por nossos filhos”, viajaram a Roma.
“Ficamos entre as pessoas e dissemos a João Paulo II que éramos mães de desaparecidos. Perguntou-nos se eram muitos. Dissemos-lhe que eles haviam recebido muitas denúncias e solicitamos uma audiência com ele. Três dias depois, avisaram-nos que não poderia acontecer”, recordou. “Sempre pensei que o Vaticano possuía o arquivo mais completo dos desaparecidos, dado que todos nós enviamos para lá as denúncias”, refletiu diante dos juízes, em 2013, e acrescentou que “ainda estamos esperando” a autocrítica da Igreja.
Na quarta-feira passada, acompanhada pela jornalista Dora Salas, Lita foi recebida por Bergoglio, a quem presenteou com um livro de poesias de ex-presos políticos. “Peguei em seus braços e disse: ‘Como, papa Francisco, desejava lhe pedir a abertura dos arquivos!’”, contou.
“Já estamos fazendo. E na medida em que forem solicitando, vamos atender”, foi a resposta.
O segundo pedido foi a autocrítica da Igreja. “Ele me disse que estão preparando um documento sobre o assunto”, afirmou Boitano. “A sensação é a de que conversamos de peronista para peronista”, brincou diante de seus achegados. “O encontro foi muito positivo. Falou-nos de forma muito segura e prometeu que se ocuparia do assunto. A Igreja possuía os dados exatos sobre os desaparecidos e o Vaticano está à procura deles”, esperançou-se.
Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, confirmou que a abertura de arquivos é um fato, ainda que “não haverá uma divulgação massiva”. “Tampouco é possível pedir milagres”, refletiu. “Pelo visto, com muito boa disposição, o Papa encontrou a maneira de abrir os arquivos da Igreja, mas de uma forma muito especial: sob ordem judicial”, acrescentou. “Se sabe com certeza que existem arquivos no Vaticano sobre cada pessoa, uma por uma – disse – e vão abri-los”.
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Ditadura argentina. Papa afirma que arquivos do Vaticano serão abertos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU