22 Abril 2015
Por ocasião dos três anos do Movimento Ocupe Estelita, Raquel Rolnik, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, afirma que "o novo ativismo urbano que eclode pelo país, represente justamente a oportunidade de revermos a lógica de produção de nossas cidades, antes que seja tarde demais", em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 20-04-2015.
Eis o artigo.
Parece que a única resposta ao abandono de um lugar é a sua captura pelo circuito financeiro-imobiliário
Na semana passada, o Movimento Ocupe Estelita completou três anos de existência, contestando a implementação de um projeto imobiliário que pretende construir 12 torres em antiga área pública ferroviária, localizada em uma das frentes marítimas do Recife --o cais José Estelita.
Nesses anos, além de se apropriar simbólica e fisicamente do lugar, o movimento tem recorrido a diversas estratégias para protestar contra a forma pela qual foi definida a destinação daquela área, que, além de já ter sido pública, faz parte de uma paisagem cultural da cidade carregada de memória e, ainda, é vizinha de assentamentos populares que há décadas lutam pela urbanização e pela permanência no local.
O cais José Estelita estava abandonado há décadas, desde que o país teve a péssima ideia de adotar políticas públicas de circulação que desistiram dos trilhos e investiram em carros, ônibus e caminhões.
Assim que o Ocupe Estelita eclodiu, a pergunta que faziam os promotores do empreendimento, apoiados pela Prefeitura do Recife, era: vocês preferem as ruínas e os ratos aos empregos e à paisagem modernizada das torres?
Essa pergunta, capciosa, revela a trama perversa que capturou as políticas do setor em tempos de urbanismo especulativo: não são as necessidades dos habitantes - muito menos o seu desejo - que determinam o destino dos lugares, mas sim as expectativas dos investidores em relação a possíveis retornos financeiros que possam render no futuro.
Assim, parece que a única resposta possível ao abandono do lugar é a sua captura pelo circuito imobiliário-financeiro.
Entretanto, o movimento respondeu à pergunta ocupando e fazendo viver, desde já, no presente, o cais José Estelita. Feiras, debates, workshops, shows, encontros e arte foram atraindo cada vez mais moradores do Recife e região para "viver" o Estelita. Apropriando-se do local, as pessoas foram transformando-o em área pública de fato.
À mobilização e à pressão da sociedade - que foi também revelando as legalidades controversas que cercaram esse e outros processos de decisão que envolvem a apropriação privada de bens comuns - seguiu-se, por parte da prefeitura, um processo de "abertura de negociações".
Então, as perguntas feitas ao movimento passaram a ser: afinal, o que vocês querem? Diminuir o número de torres? Diminuir a altura? Um conjuntinho habitacional para a população de baixa renda ali adiante? Ganhar uma casa?
Mais uma vez, essas perguntas revelam a dinâmica política que se instaurou nos processos decisórios sobre os projetos urbanos.
Aos que contestam se oferece não a possibilidade de participar ativamente da definição do destino do lugar, muito menos de ser parte integrante do "conteúdo" do projeto, mas tão somente uma contrapartidazinha --já que comércio popular, habitação social e espaços públicos (a alma de uma cidade como o Recife) são tratados como custos que diminuem o valor e a rentabilidade do empreendimento.
O final dessa história ainda está em aberto. Talvez o Ocupe Estelita, assim como o novo ativismo urbano que eclode pelo país, represente justamente a oportunidade de revermos a lógica de produção de nossas cidades, antes que seja tarde demais.
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Ocupe Estelita e o novo ativismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU