14 Janeiro 2015
A atenção aos pobres – lembra Bergoglio – não é uma invenção do comunismo, mas está na tradição da Igreja, que às vezes se esquece da sua missão original e precisa de correção e conversão.
A opinião é do sociólogo italiano Franco Garelli, professor da Universidade de Turim, em artigo para o jornal La Stampa, 13-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É um Francisco bastante reativo e preparado aquele que emerge do livro-entrevista sobre as questões econômicas publicado nessa terça-feira na Itália, fruto do diálogo com o papa dos dois vaticanistas do La Stampa. Um Francisco que, de um lado, não se comove diante das acusações que alguns lhe dirigem de ser "marxista", "comunista" e "pauperista"; mas que, de outro, expondo o seu pensamento sobre os temas da pobreza e da justiça social, responde indiretamente à outras críticas, talvez ainda mais venenosas, que serpenteiam em alguns ambientes eclesiais que custam para aceitar um papa "não imprevisto", mas "imprevisível": que o seu magistério sobre as questões sociais é um magistério de parte, que reflete mais os humores da Igreja latino-americana do que da Igreja universal; ou ainda, que as suas posições em nível de ética econômica têm uma fraca referência teológica são, em grande parte, fruto de intuições pessoais que nem sempre se conectam à doutrina social da Igreja.
Certamente, Francisco é um papa atípico, que surpreende não só pela nova forma de Igreja que ele pretende afirmar na modernidade avançada (uma Igreja "em saída", presente nas periferias do mundo, não encastelada nas suas certezas), mas também por um estilo comunicativo direto e imediato, que faz amplo uso do diálogo com os profissionais da informação e pouco recurso às declarações oficiais.
Mas, por trás da pulverização do seu pensamento sobre as questões éticas e sociais mais candentes do momento, está bem presente a sistematização teológica, a referência aos Padres da Igreja, a referência às passagens mais importantes do magistério petrino ao longo da história.
Isso é bastante evidente também no livro recém-publicado Questa economia uccide [Esta economia mata], em que o papa reitera, acima de tudo, os conceitos que, sobre esses temas, mais lhe são caros: que a "globalização da indiferença" é o grande risco que o mundo de hoje está correndo; que vivemos em um sistema que alimentou não só a riqueza mundial, mas também as disparidades e a "cultura do descarte"; que a atenção aos pobres não é uma opção política ou ideológica, mas, acima de tudo, um critério do Evangelho, o protocolo com base no qual os cristãos e os homens de boa vontade serão julgados; que a Igreja não condena os ricos, mas a idolatria da riqueza, que torna impermeável ao grito dos pobres.
Mas, ao lado desses grandes apelos, na entrevista, Francisco faz referência explícita aos dois critérios que a Igreja hoje considera na base dos ordenamentos socioeconômicos e políticos: de um lado, o princípio da destinação universal dos bens; de outro, a opção preferencial pelos pobres.
O primeiro princípio não é, em si, contrário àquele direito à propriedade privada, ao qual a Igreja sempre olhou com favor, considerando-o um fator natural e inalienável. Mas a referência de Francisco à Populorum Progressio, de Paulo VI, justamente dá conta do primado que hoje a Igreja atribui ao critério da destinação universal dos bens, que supera (embora não anule) o direito de propriedade.
Trata-se de um primado – como o teólogo Giannino Piana salientou repetidamente nos seus escritos – que se fundamenta, principalmente, em uma razão espiritual, que brota da convicção cristã de que os bens da terra são um dom que Deus deu a toda a família humana, razão pela qual devem ser participados por todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade; mas que se rege também sobre uma razão social específica, destinada a reduzir os desequilíbrios típicos de um sistema capitalista que enfatiza excessivamente o direito de propriedade e a lei do mais forte (alimentando, assim, as desigualdades sociais, a exploração dos povos, a devastação do ambiente natural).
A "opção preferencial pelos pobres" – recorda o Papa Francisco – também é um leitmotif da tradição e do magistério da Igreja Católica, talvez hoje um pouco passado em silêncio pelo medo de que a mensagem cristã seja interpretada mais em chave horizontal do que vertical, mais como salvação social do que espiritual.
Mas o fato de que muitos Padres da Igreja (e também vários pontífices da nossa época) tenham lembrado aos cristãos o dever de restituição, ou de não viver no supérfluo, quando muitos não têm o necessário, ou o papel que o Evangelho reserva aos pobres (como destinatários da boa notícia), indica a tensão que deve permear uma sociedade que quer favorecer um verdadeiro processo de libertação humana.
Trata-se, observa ainda o papa, não só de se ativar individualmente para aliviar as feridas dos mais fracos ou de dar origem a obras de caridade que compensem os desequilíbrios sociais; mas de tornar mais éticos os programas políticos e econômicos dos vários governos e de realizar aquela mudança de sistema que imponha limites à autonomia dos mercados e à especulação financeira, e enfrente as causas estruturais da pobreza (favorecendo uma melhor distribuição dos recursos, criando postos de trabalho, promovendo aqueles que são excluídos).
Com a opção preferencial pelos pobres, a Igreja não pretende favorecer um processo de pura libertação social. Mas só pode estar do lado dos últimos, seja para ser fiel à sua mensagem, seja reconhecendo que a extensão dos direitos de cidadania torna mais civil e harmônica a humanidade inteira.
É diante dessas referências evangélicas e ao magistério eclesial que Francisco não teme as críticas de se passar por um papa marxista ou pauperista. A atenção aos pobres – lembra Bergoglio – não é uma invenção do comunismo, mas está na tradição da Igreja, que às vezes se esquece da sua missão original e precisa de correção e conversão.
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O papa, os pobres e as acusações de comunismo. Artigo de Franco Garelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU