Por: André | 26 Setembro 2014
Advertiu na década de 1990 que a crescente produtividade proporcionada pelas novas tecnologias geraria um desemprego estrutural insolúvel, a menos que se reduzisse a jornada de trabalho (O fim dos empregos. Makron Books, 1995). Começou esta década falando de A Terceira Revolução Industrial (Makron Books, 2011), estágio para o qual nos precipitamos com a convergência de novas formas de comunicação e novas fontes de energia (o telefone, possível graças à eletricidade, e o petróleo, que, por sua vez, condicionou o modelo de transporte, serão ultrapassados pela combinação internet-energias renováveis).
Fonte: http://bit.ly/1udSUZP |
Jeremy Rifkin (Denver, 1943) completa este ano a teoria que esboçou com seu novo livro, A sociedade de custo marginal zero (Paidós), obra que acaba de apresentar em Madri, convidado pela Fundação Rafael del Pino.
O influente pensador destacou nessa ocasião que, pela primeira vez na história, os três eixos sobre os quais se apóiam os modelos de desenvolvimento (comunicação, energia e transportes) estarão entrelaçados entre si graças à internet. Esta nova situação abre as portas para o que o assessor da chanceler Angela Merkel e do primeiro ministro chinês Li Kequiang, entre outros, chama de economia colaborativa.
A entrevista é de Manuel González Pascual e publicada no jornal espanhol Cinco Días, 22-09-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
O livro começa com uma afirmação contundente. Na primeira página você diz: “...o capitalismo continuará a fazer parte do panorama social, mas duvido que seja o paradigma econômico dominante durante a segunda metade do século XXI”.
Perfeitamente. Nunca pensei que veria isto em vida. Estamos presenciando os primeiros traços da economia colaborativa. Milhões de jovens de todo o mundo são prossumidores [simultaneamente produtores e consumidores] que compartilham sua própria música, vídeos, blogs, livros e outros serviços a um custo próximo a zero. O fenômeno das universidades a distância permite assistir a aulas dos melhores professores do mundo a um custo ridículo. Os domicílios podem ser energeticamente autossuficientes e, em alguns países, vender sua energia não consumida. Em poucos anos, as crianças aprenderão a usar as impressoras 3D nas escolas. Nestes dias vimos em funcionamento o primeiro carro impresso com uma destas máquinas. Observe que em todos estes casos intervêm apenas empresas.
Acredita, então, que o capitalismo morrerá de êxito?
A própria essência do sistema, a famosa mão invisível, baseia-se no emprego da tecnologia para reduzir os custos marginais para aumentar a produtividade e a competitividade. Acontece que nunca ninguém imaginou que chegaríamos a uma situação em que os custos marginais fossem zero ou praticamente zero. É o grande paradoxo do capitalismo: sempre quisemos que a mão invisível fizesse seu trabalho, mas o fez tão bem que vai levar o sistema ao colapso. Trata-se da primeira mudança de paradigma desde o surgimento do capitalismo e do socialismo no século XIX. As fronteiras entre o atual sistema e a economia colaborativa são difusas; no momento, uma se beneficia da outra, mas creio que para meados do século o capitalismo terá se transformado completamente.
Você menciona no livro que empresas como a Siemens, Cisco ou a IBM se interessaram por suas teorias. O que lhe perguntaram?
Deram-se conta de que a Segunda Revolução Industrial está definitivamente em seus últimos ajustes. Um dos sinais foi quando, em julho de 2008, o barril do Brent atingiu os 147 dólares. O crescimento do PIB diminuiu muito e o desemprego aumentou. Estas companhias se interessaram pelo que chamo de internet das coisas [a união em uma mesma rede dos sistemas de comunicação, energia e transporte]. Os modelos comerciais verticalmente integrados e intensivos em capital, necessários para poder desenvolver infra-estruturas tão caras como as que necessitava um sistema baseado no petróleo, darão lugar a sistemas distributivos que sejam acessíveis a todos. Tenha em conta que qualquer indivíduo terá acesso, graças ao Big Data, à mesma informação que até agora era entesourada pelas companhias. Trata-se de um tremendo avanço: todas as pessoas poderão participar do sistema econômico. Será a democratização da vida econômica.
O cenário que propõe soa como muito positivo.
Não acredite, também haverá muitos desafios. Tudo isto também representa uma ameaça à segurança, de variadas formas. O terrorismo, por exemplo, gozará de mais oportunidades que agora. E pode ser que surjam monopólios, como aconteceu, por exemplo, com a AT&T no começo do século passado, na época da implantação das linhas de telefone nos Estados Unidos. Talvez devêssemos nos perguntar se a internet pode ser considerada um bem público e, portanto, deveria ser regulada de outro modo. Participo ativamente de reuniões com a União Europeia para ver como se pode manter a neutralidade das redes. O Google, o Facebook e o Twitter são serviços sociais globais que parecem monopólios. Geram muitíssimo dinheiro e ao mesmo tempo ajudam outras indústrias a entrar em colapso, como a editorial ou a jornalística, na que você e eu trabalhamos.
Que poder de manobra teriam as companhias para não se marginalizarem?
Creio que têm que aprender a desenvolver-se nos dois modelos. O capitalismo não vai desaparecer. As casas podem ser impressas; na China já há máquinas capazes de levantar 10 casas em 24 horas, mas as grandes infraestruturas ainda precisam ser feitas ao modo antigo. E o mesmo acontece com muitos outros produtos. A economia digital vai se mover do mundo virtual ao físico, e muito rapidamente. Um exemplo claríssimo é a energia. Nas energias renováveis, a rentabilidade das instalações é exponencial. Têm custos fixos elevados, mas os marginais tendem a zero. Produzir um watt de energia solar custava 66 dólares em 1997. Hoje custa 66 centavos. Mas o mais significativo é que há milhões de pequenos produtores (cooperativas, domicílios, escolas...) que podem colocar em comum a própria energia e fugir do jugo das grandes companhias. Simplesmente porque é mais barato e existe a tecnologia para isso.
“O caso da Espanha é o mais trágico do mundo”
Rifkin não oculta sua decepção com a mudança de rumo adotada por Moncloa sobre as energias renováveis quando Mariano Rajoy assumiu o poder. “O caso da Espanha é, talvez, o mais trágico do mundo. Durante algum tempo esteve junto com a Alemanha liderando a promoção das energias renováveis, mas veio a grande recessão e voltou a apostar no petróleo e no gás”, lamenta aquele que foi o assessor de José Luiz Rodríguez Zapatero. “Perderam cinco preciosos anos, e se passarem outros cinco, hipotecarão uma geração inteira”, sustenta.
“Rajoy refere-se às energias renováveis como se fossem uma fantasia. Então, por que a Alemanha está apostando tão forte nelas? Ali, 27% da energia já é solar e eólica. Houve um dia de maio em que representou 75% da energia. O custo marginal foi tão baixo que se alcançaram preços negativos! A China investirá 82 bilhões de dólares em quatro anos para desenvolver uma rede de internet energética, para que os cidadãos possam produzir e compartilhar sua própria energia. Tudo isto está acontecendo”, destaca.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O capitalismo se transformará totalmente no século XXI”. Entrevista com Jeremy Rifkin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU