11 Julho 2014
O que diria o cardeal Carlo Maria Martini – um homem que amava profundamente Jerusalém e ambos os povos que ali moram – sobre este novo abismo em que palestinos e israelenses parecem ter se afundado, com as notícias que continuam chegando nestas horas?
A nota é de Giovanni Berti, publicada no sítio Vino Nuovo, 02-07-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Enquanto eu me perguntava isso, me veio à mente que, há exatamente dez anos, no início do verão de 2004, eu escutava o pronunciamento de um discurso que talvez seja aquele em que Martini condensou de maneira mais clara as reflexões amadurecidas nos dois anos anteriores, vividos em uma Jerusalém igualmente ensanguentada.
Eram os anos dos ônibus que saltavam pelos ares e dos tanques na Cisjordânia, e ele os viveu na Cidade Santa, no silêncio, na oração e na partilha dos sofrimentos de todos. Nesse contexto, ele amadureceu este discurso sobre "O caminho estreito da paz", que ele proferiu no "Caminho Ecumênico de Paz", promovido pelo Conselho das Igrejas de Milão.
Eu acredito que possa ser importante repropô-lo nestas horas, como antídoto para as muitas reações fáceis em circulação.
Eis o texto.
O tema do "shalom" me aterroriza pela sua vastidão teológica e espiritual. É um tema imenso, denso em significados. Basta pensar nos vários significados que a palavra "shalom" tem na Bíblia hebraica: prosperidade – também física –, boa saúde, bem-estar, benevolência, felicidade, paz como síntese de todas essas coisas.
Mesmo que seja simplista, pode ser interessante fazer uma referência à diversidade etimológica da palavra "paz" nas várias línguas antigas. Parece que o grego eirene designava sobretudo a ausência de guerra, enquanto o latim pax é seguir os pactos, observar os tratados; shalom, por fim, é a plenitude dos bens, a positividade sem limites.
Isso nos faz ver a imensidão do tema, um tema sem fim, mas também muito desgastado, porque hoje todos falam de paz, todos querem a paz, todos se manifestam pela paz. Mas cada um a seu modo e, possivelmente, sem pagar o preço por isso. É um tema que, por algum tempo, se queria até mesmo suspender do vocabulário, justamente porque corre o risco de se desgastar, de se inflacionar.
Eu vou me limitar a sugerir algumas sementes de reflexão, que eu sinto de modo particular vivendo neste país, a partir das situações com as quais estou em contato.
Portanto, proponho alguns breves pensamento sobre o shalom. Acima de tudo, uma coisa que me parece óbvia, mas que muitas vezes é esquecida: é preciso distinguir entre a paz do mundo – mesmo no bom sentido, paz social e política – e a paz de Jesus. No Evangelho de João (capítulo 14), Jesus diz: "Eu deixo para vocês a paz, eu lhes dou a minha paz, não é a paz que o mundo dá". Há uma distinção, e é preciso aceitá-la.
Outras vezes, o Novo Testamento retorna a essa distinção, por exemplo, na segunda carta aos Tessalonicenses (capítulo 3): "Que o próprio Senhor da paz lhes conceda a paz, sempre e de todos os modos", e essa não é a paz do mundo, que certamente não é "sempre e de todos os modos", mas é combatida e continuamente a ser refeita.
Portanto, a paz dom de Deus é algo muito maior do que a paz do mundo. E, como diz São Paulo aos Filipenses, essa paz de Deus "ultrapassa toda inteligência", enquanto a paz do mundo está ao alcance da inteligência humana. Aquela ultrapassa toda inteligência e, portanto, é dom de Deus, que deve guardar os nossos corações e os nossos pensamentos em Cristo Jesus. Portanto, essa paz é distinta da paz do mundo, é dom de Deus, é fruto da oração e também pode se dar em circunstâncias totalmente adversas.
Impressionou-me muito a conversa com um jovem pai de família palestino, que me dizia: "Se a paz não existe dentro de nós, todo o resto não importa". O fato de que haja paz nos corações é dom do Senhor. Devemos, acima de tudo, pedi-la.
No entanto, entre a paz de Deus, a paz do coração e a paz deste mundo, há múltiplas relações. A paz do coração está em relação, por assim dizer, "genética" com a paz do mundo, com a paz social e política, porque a paz do coração não pode senão se expressar nas relações sociais, de justiça, de acolhida.
E há relações que eu chamaria também de tipo escatológico, porque a paz política, no seu sentido mais nobre, tende à unidade do gênero humano, para criar as condições para uma paz universal, definitiva, portanto, de alguma maneira, permanece análoga e tende à paz plena, que é dom de Deus.
O Concílio Vaticano II tem uma frase muito eficaz a esse propósito: "A paz terrena é imagem e efeito da paz de Cristo, vinda do Pai". Acima de tudo, portanto, há a paz de Cristo que provém de Deus, que, porém, à Sua imagem, promove uma paz terrena; por isso, há uma responsabilidade das Igrejas, não só em nível de assistência e de caridade, mas sobretudo em nível de promoção do dom interior.
A terceira reflexão pode parecer um pouco pessimista. A paz deste mundo, mesmo sendo desejável e pela qual nos empenhamos, parte de um contexto sempre um pouco restrito. Instintivamente, mesmo que não explicitamente, ela tem limites. É paz e segurança para a minha família, para o meu clã, para o meu povo, para o meu grupo, para a minha nação, e só com esforço ela amplia os seus horizontes.
Gostaria de citar uma frase de Primo Levi, tirada do livro Se questo è un uomo, que, de modo pessimista, mas realista, diz assim: "A muitos indivíduos ou povos pode acontecer de considerarem mais ou menos conscientemente que todo estrangeiro é inimigo. Acima de tudo, essa convicção jaz no fundo dos ânimos como uma infecção latente. Ela se manifesta somente em atos ocasionais e descoordenados, e não está na origem de um sistema de pensamento. Mas, quando isso ocorre, quando o dogma não expressa se torna premissa maior de um silogismo, então, no término da corrente, está o campo de concentração. A história dos campos de destruição deveria ser entendida por todos como um sinistro sinal de perigo".
Portanto, devemos levar em conta essa ameaça que está dentro do nosso coração. A paz deste mundo implicitamente tem limites, e somente com esforço são superados.
Ao contrário, é a paz de Deus que não tem fronteiras. Visitando Belém, vocês vão ouvir ressoar a expressão "paz na terra aos homens que Deus ama": essa é a paz que não tem fronteiras. Ela também é anunciada aqui em Jerusalém, como nos diz João no seu evangelho, no capítulo 20: "Jesus ficou no meio deles e disse: a paz esteja com vocês". Eis, essa é a paz sem fronteiras. É paz que não tem nenhuma hesitação, que não tem nenhum fechamento.
A paz é um risco. A paz se paga. Ouvi essa afirmação de algumas pessoas que estiveram por muitos anos neste país vindo de outro continente: "Aqui, todos querem a paz, mas ninguém quer pagar o seu preço". E o trecho do Evangelho segundo Mateus é dramaticamente incisivo para nos fazer entender o preço da paz: "Se alguém lhe dá um tapa na face direita, ofereça também a esquerda! Se alguém faz um processo para tomar de você a túnica, deixe também o manto!".
São palavras que são ditas, são lidas, mas depois a vida as desmente. Porque são uma intervenção de Deus na história humana. No entanto, elas também têm uma razão humana e civil. O que eu achei de mais bonito sobre esse tema é a mensagem de João Paulo II para o Dia Mundial da Paz de 2002, com um título que já explica bem o tema: "Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão". Esse documento mostra muito claramente que o perdão também tem um valor civil e político. E o fato de renunciar a algo a que se teria direito teoricamente também tem um valor civil e político.
Enquanto não se chegar a isso, mas se quiser, a todo custo, aquilo que compete, aquilo que é de direito próprio, e se fizer simplesmente a lista das próprias razões, não se chegará à paz, porque não se quer pagar nada. A paz, ao contrário, tem um custo, requer um compromisso também no sentido de deixar cair alguns direitos reivindicados. É claro que, depois, serão as tratativas que deverão fazer com que se veja quais podem cair.
Mas se partirmos com a ideia única de que é preciso ter a totalidades dos próprios direitos, não chegaremos humanamente à paz. E esse é um ponto que eu sinto muito e acredito que a experiência cotidiana continuamente o reconfirma.
O sexto pensamento que eu lhes deixo é que a paz, em um mundo marcado pelo pecado, pressupõe uma constante vontade de perdão, também nas famílias, dentro das comunidades, das Igrejas entre si e também ainda mais no contexto civil.
E um dos pontos nos quais eu insisti muito no meu ministério em Milão é que o perdão também tem um relevo no direito penal. Tudo o que diz respeito à pena, ao cárcere, à defesa, aos crimes, à punição não pode ser gerido sobre a única e pura justiça dos códigos, mas requer também esse aspecto.
Mesmo as nações que conseguiram superar situações dramáticas de divisão, por exemplo a África do Sul e o Peru, se fundamentavam não só na verdade e na justiça, mas também na reconciliação. Penso, neste momento, em todos os encarcerados que encontrei nestes anos em Milão. Eu sempre lhes disse que o nosso sistema penal deve ser reformado, com essa sua insistência quase única nas prisões; deve ser superado, deixando-nos inspirar também por páginas evangélicas que podem parecer fora do mundo, mas que, na realidade, incidem muito na carne de uma humanidade pecadora.
Um sétimo pensamento diz respeito aos conflitos. Eles são sempre o resultado de paixões humanas. Di-lo claramente a carta de Tiago, em um texto muito explícito: "De onde surgem os conflitos e competições que existem entre vocês? Não vêm exatamente dos prazeres que guerreiam nos seus membros? Vocês cobiçam e não possuem; então matam. Vocês têm inveja e não conseguem nada; então lutam e fazem guerra".
Sem uma luta contra as paixões humanas, contra o ídolo do poder do sucesso, da superioridade sobre o outro de todos os tipos, sem uma luta contra tudo isso, não há um caminho real de paz. E essas coisas, como já dizia Primo Levi no trecho que citei, estão dentro de nós.
Portanto, enquanto levamos mensagens de paz aos outros, somos convidados a nos examinar por dentro. Porque mesmo dentro de nós há os gérmens da guerra.
Finalmente, como último pensamento, eu gostaria de expressar a importância do tema da oração de intercessão pela paz. Se a paz é dom de Deus, se desse dom pode nascer um processo de pacificação, então é preciso uma oração de intercessão que se una à oração de Jesus, aquela de que falam Romanos 8 e Hebreus 7, Jesus que sempre intercede por nós.
E, assim, a nossa oração alcança de algum modo a de Jesus, porque a nossa oração de intercessão é muito pobre. Eu tento viver aqui a oração de intercessão ou, melhor, dei-lhe o primeiro lugar, a prioridade sobre tudo o que pretendo fazer aqui em Jerusalém, mas precisamente por isso eu sinto a pobreza extrema dessa oração.
Agora, sinto que essa gota de oração se une ao rio que nasce de todas as Igrejas, de todas as comunidades cristãs, de todas as comunidades que rezam, de todas as orações, mesmo de fora do âmbito cristão. E todas essas orações constituem um rio, um mar. E esse mar está todo resumido na oração de intercessão de Jesus ao Pai e, portanto, é uma oração eficaz.
O caminho de vocês, portanto, será acompanhado pela oração e será essa a carta decisiva a se jogar. Devemos jogar todas as outras cartas, cada um segundo as suas responsabilidades, mas essa carta é a decisiva, aquela que une o céu e a terra, aquela que faz com que a paz de Deus resplandeça nos nossos corações e se difunda como que por contágio e possa ajudar a muitos.
Estando aqui em Jerusalém, pode-se conhecer um riquíssimo pano de fundo positivo de relações de diálogo, de boa vontade, de serviço mútuo, de acolhida do diferente, de perdão, que enriquece essa realidade. Infelizmente, nem sempre é uma voz que é recolhida pelos meios de comunicação, nem sempre é ouvida pelos políticos.
Mas, certamente, quanto mais houver pessoas que buscam com sinceridade a paz, a acolhida, o respeito pelo outro, o diálogo, o perdão, a reconciliação; quanto mais tudo isso, um dia, incidir também em nível político, se terá um sinal da paz fundamental que está no coração de cada um de nós, e que eu desejo a todos vocês como fruto desse caminho.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Carlo Maria Martini e o caminho estreito da paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU