Por: André | 18 Junho 2014
Eduardo Gudynas (fotos) é um reconhecido ambientalista na América e referência entre os ativistas. Considera que a América do Sul está dando uma guinada para o progressismo. Um novo animal político cheio de contradições. Faz um diagnóstico do enfraquecimento do processo ambientalista no Equador iniciado pelo próprio RafaelCorrea. Gudynas é um crítico das políticas de Correa.
Fonte: http://bit.ly/1lx7He0 |
A entrevista é de Jean Cano e publicada no sítio equatoriano Plan V, 30-03-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Os ambientalistas estão perdendo a batalha com os governos na América Latina?
No médio prazo é preciso reconhecer que os problemas ambientais foram se acumulando, mas por outro lado é preciso reconhecer que houve avanços significativos e todos os países têm organizações ambientais consolidadas. A América do Sul completou as suas reformas de primeira e segunda geração da legislação ambiental; em grande medida por força, pressão e denúncia da sociedade civil. E o que está acontecendo agora nos países da América do Sul é que, em boa medida, as leis existem... mas não são aplicadas ou são mal aplicadas. As agências ambientais existem, mas não trabalham de forma eficiente, não fazem controles rigorosos e muitas vezes estão sem orçamento nem pessoal. Então, estamos em uma situação de complexidade na aplicação das leis e na fiscalização. E, paralelamente, não conseguimos dar um passo na direção de novas leis que são necessárias no século XXI. E, talvez, o Equador seja o caso mais contraditório.
É o único país que reconhece direitos à natureza...
Claro. O Equador é o único país que deu o passo inovador de ter os direitos da natureza na Constituição, mas não consegue aplicá-la no dia a dia da gestão do Estado, das empresas, da sociedade em todo o seu espectro.
Que exemplo você tem deste estancamento na América Latina?
Um problema que se repete nos demais países são certos projetos de extrativismo de terceira e quarta geração. Refiro-me à megamineração a céu aberto ou à exploração do petróleo na Amazônia, que são ambientes de alto risco. Ou de quarta geração, o fracking, a exploração do gás por fraturamento... Caso se aplicassem seriamente os direitos da natureza não haveria exploração de novos poços de petróleo na Amazônia. Isso é evidente porque, sem dúvida, o impacto ambiental é enorme e por mais que se apele ao sonho de resoluções tecnológicas... os riscos de acidentes são muito altos, tão altos que não vale a pena levar adiante o empreendimento. Com isto me refiro a este novo olhar ambiental, que está baseado mais no risco do que no otimismo tecnológico. O mais grave é que isto se repete em todos os países.
Quais são os problemas ambientais similares ao da exploração de petróleo no Yasuní?
Um me parece muito impactante... Dois governos muito diferentes como o da Colômbia e o do Uruguai, um qualificado de centro-direita e o outro que expressa uma esquerda com uma coalizão política muito estruturada. Dois presidentes diferentes, como Santos, que vem do patriciado, voltado para os setores conservadores, e Mujica, guerrilheiro que esteve preso e entrou tardiamente na política formal. O impactante não é que sejam diferentes, mas que os dois governos estejam dispostos a investir na megamineração. O principal projeto econômico de investimento de Mujica é iniciar no país a megamineração de ferro a céu aberto. Nisto se parece com o Equador, porque eram os dois países que não a tinham. Essas circunstâncias se repetem em todos os países. Chegamos a uma situação na qual os países latino-americanos não sabem fazer outra coisa que não seja o extrativismo.
Por que isto acontece?
Isso tem a ver com as dificuldades que encontraram na gestão cotidiana do Estado. Todos os meses têm que pagar os salários, obras públicas... Perderam a capacidade de inovação e renovação que tinham quando estavam na oposição. Por outro lado, foram atacados por um reflexo eleitoreiro.
As organizações da sociedade civil estão perdendo a capacidade de enfrentar essa onda de mudanças nas linhas desses governos. No Equador, há o Decreto 16, o duro controle das ONGs, ao contrário de outros países...
E não quero deprimi-los. Em todos os países de governos progressistas, inesperadamente estão sendo implementadas ações de governo e reformas administrativas e judiciais para encapsular e limitar, e até mesmo condicionar, as ações das organizações cidadãs. E vocês têm um grande leque de ações; há ações perante a opinião pública. Por exemplo, Lula e Mujica constantemente fazem chacota das organizações ambientalistas. Fazem-no repetidamente dizendo que são pedidos loucos que travam o progresso do país, que são anacrônicos, que representam uma burguesia antiquada, etc. Há ações intermediárias que ocorrem na Argentina e no Brasil, como a judicialização dos líderes da sociedade civil. São juízos ou processos contra os líderes em questões civis.
Além disso, um processo complicado vive-se na Bolívia e no Equador onde o governo exige que as organizações cidadãs cumpram um novo tipo de normas que implica a aprovação dos Ministérios do Estado. E têm, além disso, sempre a sombra, o risco, de que possam ser fechadas ou expulsas quando violam algumas das normas a critério do governo. O problema é que essas normas violadas são muito discricionais. Em geral, têm a ver com protestos ou denúncias que estão associados aos direitos cidadãos, com organizações de povos indígenas ou questões ambientais que afetam os investimentos. Não é tanto o problema se há ou não contaminação, mas porque impedem ou possam impedir a atração de investimentos ou a marcha de um processo exportador. No fundo, trata-se de proteger as razões econômicas.
Então, estamos chegando a um ponto em que pode haver mais radicalidade ou mais política. Uma solução seria criar partidos verdes?
Não. A experiência latino-americana indica que os partidos verdes não foram um processo frutífero. Porque, além disso, há partidos verdes de centro, de esquerda e de direita. E não funcionaram. O que está funcionando fortemente é a introdução, a dimensão verde, na vida de diferentes correntes políticas. O que aconteceu nos últimos anos é que – inesperadamente – a esquerda supunha que ao chegar no governo seria uma esquerda multicolorida: vermelha por ser de esquerda, mas incorporaria o verde do ambientalismo e as cores de outros movimentos sociais, a questão de gênero, indígena... mas não foi o que aconteceu. Essa é uma esquerda marrom, porque está interessada no extrativismo, como a mineração e o petróleo. Estamos começando a distinguir e separar que não é a mesma coisa a esquerda, a velha perspectiva da esquerda do final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, e o progressismo governante. Então, esquerda e progressismo já não são a mesma coisa. O progressismo do governo está se convertendo em outro animal político, com uma identidade política diferente.
Fonte: http://bit.ly/1lx7He0 |
Qual é essa identidade?
Sem dúvida são governos democráticos. Mas têm todas essas restrições para as manifestações da sociedade civil e isso é uma ruptura com a velha tradição da esquerda. A velha tradição da esquerda era claramente popular. Por exemplo, não se entende que um governo de esquerda, supostamente, mas progressista, reprima manifestações de estudantes. Era essa esquerda que queria radicalizar a democracia, plebiscitos, consultas nacionais e em escala municipal. O atual progressismo no governo tem medo das consultas e dos plebiscitos. Assim como no Equador há um debate sobre a consulta cidadã sobre o Yasuní, no Uruguai há uma iniciativa cidadã para submeter a plebiscito uma reforma constitucional que impeça a megamineração, e o governo de Mujica opõe-se também... Era uma esquerda profundamente respeitosa e promotora das relações com os movimentos indígenas, porque em boa medida chegaram ao governo graças a eles. Agora há governantes progressistas que fazem chacota dos indígenas... Perseguem-nos ou questionam-nos, como acontece na Bolívia, tentam coagir ou pressionar suas organizações nacionais. Era uma esquerda que defendia a justiça social. E em algumas dimensões, econômica, cultural, acesso à moradia, à educação, aos serviços de saúde, um leque de direitos... mas o progressismo governante focou-se no econômico e especialmente nas ajudas econômicas aos mais pobres. Isso é muito forte, mas a justiça social é muito mais que pagar um bônus por mês. Essas outras dimensões da justiça social ficaram relegadas a segundo plano pelo assistencialismo econômico mensal destes programas de pagamentos aos setores mais pobres. Estes governos progressistas não são conservadores, também se deve reconhecer isso. Não são. Mas não é a esquerda de 10 anos atrás.
No entanto, aqui nosso Presidente é católico e impõe seus princípios ao país...
Nos outros países também. Tabaré Vázquez vetou a lei dos direitos reprodutivos e não é católico. Mas, agora houve avanços com Mujica. Mas antes não. Outro ponto da minha teoria é que a esquerda que chegava aos governos era de agrupações político-partidárias. Colocava-se ênfase no processo, no líder. De fato, um dos slogans de Evo Morales é que ele obedecia ao povo e isso se inverteu. E os governos progressistas dependem muito da personificação do líder.
Para onde tudo isso nos leva? Para um novo tipo de autoritarismo?
Não utilizaria a palavra autoritarismo. Embora haja restrições, problemas, pressões. Mas me parece um pouco cedo para usar a palavra autoritarismo. Embora em determinado setor haja medidas que possam ser qualificadas dessa maneira. Os perigos que vejo em uma reflexão preliminar são que, como o progressismo é um novo animal político, gera uma oposição político-partidária de novo tipo. Então – inesperadamente –, se está gerando uma nova direita que tem outro porte, outra flexibilidade e outras inovações. Estão contribuindo para mercantilizar mais a sociedade e isso vai contra esse empuxo de esquerda. Tudo são compensações econômicas para os mais pobres, que estão bem, mas são insuficientes. Na mineração ou no petróleo tenta se calar a oposição local dizendo ‘eu transfiro mais dinheiro dos royalties’ e, além disso, alenta-se a adesão eleitoral com o consumismo de massa para os setores populares. Perdeu-se essa visão crítica sobre a qualidade do consumo e o que é bom ou ruim para o nosso bem-estar. Uma dimensão seguinte que me preocupa: como todos esses governos são extrativistas, competem internacionalmente entre si e, ao competir entre si, não há avanços reais na integração sul-americana, porque todos exportam as mesmas commodities. Competindo com os vizinhos para ver que exporta mais ou atrai mais investimentos, a integração avançou no plano político, na migração, no trânsito de pessoas, mas está estancada na articulação da produção entre os nossos países... em facilitar a industrialização regional.
Então, onde se deve buscar o novo equilíbrio se estes governos chegaram ao poder com esse discurso?
O primeiro passo para resolver o problema é reconhecê-lo. Isso é extraordinariamente importante, porque em vários países os governos progressistas dizem ‘eu sou a alternativa e não há nada além do nosso governo’. Reconhecer que se pode seguir avançado no processo de mudança é o primeiro passo. O segundo é que há alguns elementos daquela aprendizagem da esquerda dos anos 1990 e começo dos anos 2000 que são chaves. Um é que os processos de mudança são democráticos. Mujica e Chávez abandonaram sua etapa de golpismo e passaram à democracia. É fundamental uma forte compenetração com os direitos humanos. O progressismo, às vezes, regride na defesa dos direitos humanos. É preciso recuperar a dimensão ambiental, a dimensão de gênero, uma interculturalidade que seja respeitosa dos povos indígenas. Somando isto e outros elementos, há outra forma de construção política. Não é a disposição de ser depreciativo com aqueles que têm ideias diferentes, mas construir com eles. Como haverá uma crise no comércio internacional, no lado energético ou pelo lado econômico financeiro, os países sul-americanos que não prepararem estratégias alternativas ao extrativismo exportador estarão com sérios problemas... e isso terá enormes consequências políticas.
Alguns estão fora de hora...
Todos. É um problema de todos.
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Progressismo: as contradições dos governos da América Latina. Entrevista com Eduardo Gudynas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU